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terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Das trevas à luz: uma história de redenção de Nápoles

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
O bairro Sanità, no coração de Nápoles, incorpora todos os contrastes da cidade

*Artigo de Cecilia Seppia


No número 109 da Via Santa Maria Antesaecula, no bairro ‘Rione Sanità’, nasceu o artista Totò e em frente à sua casa há sempre grande movimentação de fãs e turistas deixando flores e lembranças. Nas entranhas do bairro mais controverso de Nápoles, alguns metros abaixo do nível da rua, há uma enorme cidade subterrânea onde o sagrado encontra o profano e o Oriente encontra o Ocidente, com as Catacumbas de São Genaro e São Gaudioso e as Catacumbas menores de São Severo. Há também as basílicas de São Genaro Extra Moenia e a de Santa Maria da Saúde, que abriga a primeira representação mariana em Nápoles e obras preciosas, entre as quais pinturas de Luca Giordano, Andrea Vaccaro, Francesco Solimena, Pacecco De Rosa e Giovanni Balducci. Encontra-se também lá o ossuário Fontanelle, uma das pedreiras de onde antigamente se extraía o tufo para construir a cidade e, mais tarde, usado para abrigar os restos mortais das vítimas da peste (1656) e das epidemias de cólera (1836). Por fim, o Palácio dello Spagnuolo, com sua escadaria monumental, um dos principais exemplos do barroco napolitano, construído em 1738 com projeto do arquiteto Ferdinando Sanfelice. Apesar desse vasto patrimônio histórico e artístico, concentrado em apenas 2 quilômetros quadrados, quando as pessoas falam sobre o Rione Sanità, pensam imediatamente em degradação, na pobreza de seus 32.000 habitantes, na mão da Camorra (máfia local) por trás dos atos criminosos, no baixo nível de escolarização dos jovens, no desemprego. Isso acontece porque nenhum lugar incorpora as contradições e os contrastes de Nápoles como este Rione, uma periferia existencial em pleno centro da cidade, mas é exatamente nessas trevas que a Cooperativa La Paranza quis trazer luz, com o apoio da Igreja local, da Diocese e também de fundos europeus.

Da degradação à recuperação de um patrimônio imenso e desconhecido

Já no ano 2000, a chegada do novo pároco da Basílica de Santa Maria della Sanità, Padre Antonio Loffredo, marcou o início de um processo lento, mas frutífero, de desenvolvimento e aprimoramento do patrimônio histórico, artístico e humano do bairro. De fato, com a ajuda de fundações, profissionais e associações, foi possível criar oportunidades de recuperação para os jovens, partindo do princípio de Dostoiévski de que ‘a beleza salva o mundo’, e padre Antonio acrescenta : ‘cria empregos e tira os jovens da rua’. Com a criatividade de um moleque típico local e a determinação de um dirigente, com a linguagem teatral de grandes atores napolitanos e a Igreja do Concílio às suas costas, padre Antonio fez renascer um dos bairros mais problemáticos de Nápoles com a intenção evangélica de ‘transformar pedras descartadas em pedras fundamentais’. Nascido em 1959, em seu terceiro ‘mandato’ como pároco de Santa Maria da Saúde, ele conta que, quando chegou ao Rione, as outras dez igrejas, espalhadas pelo território da paróquia, estavam fechadas. Hoje, porém, as luzes estão acesas até tarde da noite. Uma abriga uma oficina de teatro, outra é a sede da orquestra juvenil Sanitansamble, as outras abrigam um ginásio de boxe, um estúdio musical, uma sede para crianças pós-escola, e a igreja menor exibe pinturas napolitanas do século XVII e O Filho Velado do escultor Jago, que tem sua oficina em outra igreja.

Bem-estar generativo que dá esperança

Em um fluxo contínuo entre o dialeto napolitano, citações eruditas e citações evangélicas, o pároco olha para além, mas tem os pés firmes no chão : ‘Para mim, como sacerdote, o problema não é colocar as igrejas em ordem, mas fazer com que essas coisas preciosas gerem, deem frutos’. E a capacidade de gerar são os mais de 60 jovens que trabalham com um contrato, que se autossustentam sem precisar pedir caridade a ninguém, são também as possibilidades de trabalho e a economia circular que chegou com a abertura do bairro. A base de todos os esforços foi a recuperação das catacumbas de São Genaro, a criação de um itinerário pelas entranhas da colina de Capodimonte até o bairro Sanità, na capela que já foi o depósito do hospital São Genaro e agora é um centro de arte e conferências. ‘Nós nos dedicamos muito à catacumba, porque nos apresentamos ao mundo de uma forma inédita coletando dinheiro limpo. Alguns dos jovens da orquestra se inscreveram no conservatório. Os do teatro saem em turnê, o bairro se tornou o cenário de várias produções cinematográficas, surgiram restaurantes e se estabeleceu um fluxo de turistas. Para nós, cristãos, isso deveria ser um dogma : ou o bem-estar é feito assim ou nada. Não precisamos mais daquele emaranhado assistencialismo do século XIX’, conclui Padre Antonio.

‘La Paranza’ entre cooperativa social e missão

Sua filosofia é clara. Não acredita no absoluto do Estado, que deve alimentar a todos, mas na tríplice colaboração : Estado, privado e sociedade civil, aquele terceiro setor que dá a liberdade de criar respostas, com uma economia real e com o homem no centro. E, nessa abertura de espírito, pode-se ouvir o eco da The Economy of Francesco, da Laudato si', encarnado perfeitamente pelos jovens da Cooperativa La Paranza, fundada em 2006 no ‘Rione Sanità’ que, com a ajuda do Padre Loffredo, decidiu redescobrir e valorizar o patrimônio cultural, artístico e arqueológico dessa parte esquecida de Nápoles. As primeiras atividades realizadas foram a gestão das Catacumbas de São Gaudioso na Basílica de Santa Maria da Saúde e a reforma do antigo convento franciscano anexo à basílica, cujo projeto de restauração da ‘Casa do Monacone’ é do designer napolitano Riccardo Dalisi. Ao mesmo tempo, a cooperativa tem sido ativa na obtenção de financiamentos por meio de fundos privados e licitações. Vencendo a licitação histórico-artística ‘Fondazione Con il Sud’ de 2008 num valor de 500 mil euros, foi desencadeado o processo de recuperação e abertura das Catacumbas de São Genaro ao público. Igualmente importante foi a atividade de arrecadação de fundos no valor de 600 mil euros em conjunto com a associação L'Altra Napoli onlus; financiamento que permitiu a limpeza e a acessibilidade do local, o sistema de iluminação, a restauração de afrescos, a reabertura de espaços inacessíveis, a eliminação de barreiras arquitetônicas e muito mais. Nas catacumbas, além da gestão normal das atividades de visitas guiadas dentro do sítio cultural, os jovens tiveram a intuição de organizar eventos e espetáculos específicos, a fim de dar um maior impulso em termos de comunicação e público-alvo, bem como economicamente. Além disso, eles estão ativamente envolvidos na promoção e na realização do itinerário ‘Il Miglio Sacro’, um percurso de uma milha para descobrir os tesouros do Rione Sanità.

Alguns números

Ano após ano, o número de visitantes tem aumentado cada vez mais : de 5.160 visitantes em 2006 para 160.000 em 2019 e até 200.000 visitantes em 2022, tanto nacionais quanto internacionais, assim como aumentou a conscientização de que é preciso cuidar da Casa Comum, que também é uma arca de tesouros que enriquece os olhos e o coração. O número crescente de visitantes, atividades e volume de negócios também permitiu o aumento de novos recursos humanos na Cooperativa, que passou de 5 jovens em 2006 para 50 funcionários em 2023. De ano para ano, os funcionários são efetivados com contratos por tempo determinado ou como permanentes. Além das atividades relacionadas ao patrimônio histórico e artístico, há projetos de apoio à cultura e suas diversas formas : artes criativas, musicais, teatrais, artesanais, enogastronômicas, etc. A Fundação concentra suas atividades e recursos principalmente para as faixas da população menos protegidas e desfavorecidas, com uma série de atividades que também apoiam projetos de formação e colocação em empregos, de modo a permitir um processo de autodesenvolvimento local.

O testemunho de Vincenzo

Vincenzo Porzio, membro fundador e chefe de comunicações da Cooperativa La Paranza, relatou ao Vatican News e o L'Osservatore Romano com entusiasmo sua experiência, a mudança que viu com seus próprios olhos e o exemplo de compromisso, fortaleza e dedicação que os jovens do Rione demonstraram ao longo dos anos. ‘Primeiro São Francisco de Assis e agora o Papa Francisco’, afirma, ‘nos ensinaram e nos exortam constantemente a cuidar do nosso Planeta e a cuidar das pessoas que o habitam, especialmente as últimas, as frágeis, aquelas que estão esperando por uma mão estendida, e na Laudato si' encontramos muitos aspectos do nosso trabalho que realizamos não apenas com palavras, mas com gestos e compromissos diários. Em particular, cuidamos do que o Papa chama de ‘ecologia da cultura e da vida em comum’, no sentido de comunidade, e assim nos comprometemos, na esteira das exortações contidas nesses textos, a cuidar das ‘pedras descartadas’ para que se tornem ‘pedras fundamentais’ em um sistema de bem-estar que não espera por uma ajuda vinda de cima, do Estado em particular, mas que age para conquistar sua própria dignidade e próprio bem-estar. Em tudo o que fazemos, somos movidos pelo coração, pela paixão, pelo desejo de fazer, de dar a nós mesmos, à nossa terra e às gerações futuras algo ‘limpo’, algo justo. É uma modalidade generativa, que está na base do nosso modo de ver as coisas, porque gera o bem, não visa à rentabilidade dos bens da Igreja, das catacumbas, dos cemitérios, das basílicas que a Igreja nos confiou, dando-nos as chaves desses lugares extraordinários e pouco conhecidos, mas visa à sua capacidade de gerar esperança, o desejo de cuidar, a beleza, e aqui no Rione Sanità de Nápoles precisávamos muito disso!’. Uma valorização que se torna evangelização e que testemunha com suas obras a revolução do Evangelho, que é, antes de tudo, revolução do amor, também para o ambiente em que vivemos. Por meio do extraordinário trabalho de valorização das Catacumbas de Nápoles, a cooperativa de jovens do Rione Sanità criou, ao longo dos anos, um modelo de ‘bem-estar generativo’ capaz de oferecer, a partir da redescoberta do patrimônio cultural local, respostas concretas em termos de desenvolvimento de empregos e inclusão social dirigidas à comunidade local e, especialmente, aos seus jovens que pareciam não ter ideia de um futuro e que, agora, fazem planos, sonham e vivem a normalidade de sua idade em um contexto que é tudo, menos normal. Um modelo que também pode ser definido como um exemplo de promoção da cultura ‘a partir de baixo’, cujos pilares podem ser encontrados na tutela do patrimônio cultural, na cooperação e no desenvolvimento do empreendedorismo social e de uma economia civil, as pedras fundamentais da Laudato si'.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2024-02/historia-laudato-si-catacumbas-napoles-ecologia-integral.html


domingo, 20 de março de 2016

Trevas cobriam o abismo

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG


A política partidária instalou incontestavelmente o caos na sociedade.
  
‘‘A terra estava deserta e vazia, as trevas cobriam o abismo...’. Assim começa a narração do Livro do Gênesis, permitindo uma analogia com o atual momento político do Brasil. A política partidária instalou incontestavelmente o caos na sociedade. Está perdida a capacidade para o diálogo que gera consensos e entendimentos. Não paira, absolutamente, o Espírito de Deus no mundo da política. É uma escuridão que fomenta o caos - um ‘salve-se quem puder’ que passa por cima do bem comum como um trator. Não há esperança de que a política partidária consiga, rapidamente, oferecer contribuições para os rumos da nação. A lista de desmandos, escolhas absurdas, interesseiras e manipulações é interminável. Comenta-se, em muitas esferas da sociedade, sobre a expectativa do surgimento de um líder político capaz de gerar agregação e apontar novas direções. Isso parece ser difícil de ocorrer, justamente pelo atual cenário vivido pela política partidária. Quem seria capaz, agora, de reverter essa difícil situação? O mundo da política partidária no Brasil configura-se como um devastador desastre humano à semelhança das incidências horrendas que ferem o meio ambiente.

A deterioração da esfera política e o tratamento inadequado das questões ambientais se desenvolvem a partir da mesma raiz. Aqui vale relembrar as palavras do Papa Francisco, na sua Exortação Apostólica Alegria do Evangelho, quando se refere à nova idolatria do dinheiro. O caos vem dessa idolatria. É inexistente a nobreza de fazer política pelo bem comum, com o objetivo de ajudar a nação a alcançar patamares de civilidade e de funcionamentos que promovam, sem populismos, os seus cidadãos. A falta dessa nobreza é resultado de carência na formação humanística que ilumina intuições, capacita para o bem, muito acima do interesse de enriquecimentos ilícitos. O Papa Francisco afirma que ‘uma das causas desta situação está na relação estabelecida com o dinheiro porque aceitamos pacificamente o seu domínio sobre nós e nossas sociedades’. Essa verdade explica os desajustes no tecido da cultura, que delineia a identidade da sociedade e influencia suas direções.

O Papa Francisco oferece a chave de interpretação desse caos instalado que produz, por exemplo, a crise financeira que pesa sobre os ombros de todos. A base da desordem é a negação da primazia do ser humano. Esse colapso antropológico tem muitas feições. Descompassa relações, articulações de grupos e segmentos na sustentação de uma sociedade que deve se mover no horizonte da justiça e da solidariedade. É triste constatar o que ocorre na política partidária. O desejo de ocupar cargos públicos não vem acompanhado do sentido cidadão mais profundo de ajudar decisivamente na construção de uma sociedade solidária e justa. Trata-se de interesse doentio pelo dinheiro, para alimentar ilusórias sensações de poder e segurança. Uma ambição que produz essa economia sem rosto e sem um objetivo verdadeiramente humano.

Ora, a idolatria do dinheiro é perigosa, gera ilusões e desgasta o mais nobre sentido da política, que é promover o bem comum. Essa idolatria é tão terrível que faz crescer, de modo generalizado, a sensação de que não há mais tempo para fazer o que é necessário. Isto fica explícito nas muitas lamentações e ladainhas exaustivamente propaladas. O interesse mesmo é ganhar sempre mais, produzir menos. Nada de sacrifícios e esforços para alcançar o bem de todos. Uma luz precisa brilhar para iluminar essas trevas. E de onde ela pode vir? Em primeiro lugar, da corresponsabilidade e seriedade cidadã de cada indivíduo. Sistemicamente, essa luz pode e precisa brilhar com o fortalecimento, em seriedade e audácia, dos diferentes segmentos da sociedade - empresarial, religioso, judiciário, acadêmico e intelectual, artístico e outros mais. Cada setor, pela seriedade e honestidade, tem o dever de dissipar as trevas que preenchem o abismo onde está inserida a sociedade brasileira. Que venha de todas as pessoas e grupos, pelo compromisso com o bem, a justiça e a verdade, essa a luz que tem a força para resgatar o país do caos.’


Fonte :
* Artigo na íntegra


terça-feira, 6 de novembro de 2012

Treva e Luz

Por Maria Vanda (Ir. Maria Silvia, Obl. OSB)



Ó Espírito, que em socorro de mim vem sempre...
Eu, que cego, carrego os sinais dos meus tropeços,
apesar de toda luz que me expiras.
 
Ó Espírito, que adejas em cumes e vales,
segregas minhas lágrimas e lavas o meu peito
que afoito, sofre e se perde na penumbra.
 
Ó Espírito, que me amas e a todos,
os que vêem e os que não vêem!
Traduzes os meus passos em reta estrada,
para não ser mais negro asfalto,
mas lavrada terra, onde semeio e colherei toda flor.
 
Ó Espírito compassivo e zeloso de mim.
Vem, e não desistas de nós desgarrados.
Recolha-nos e entoe com seu sopro
uma canção do bem,
que no refrão revele que é só no AMOR
que se vive de verdade , o SUMO BEM. 


Marivan/01.11.12