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domingo, 27 de março de 2022

Os quatro âmbitos da consciência no pensamento de Bernard Lonergan

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Uma boa exemplificação seria imaginar um mundo bidimensional em que seus habitantes conseguem ver somente coisas em duas dimensões

*Artigo de Fabrício Veliq,

teólogo protestante

 

‘Bernard Lonergan (1964-1988) foi um teólogo jesuíta canadense que possui uma reflexão interessantíssima tanto para a filosofia como para a teologia contemporânea. Neste pequeno texto, gostaria de apresentar os quatro âmbitos da consciência definidos por ele, a saber, o âmbito do senso comum, o da teoria, o da interioridade e o da transcendência.

Segundo Lonergan, o âmbito do senso comum é o mundo do dia a dia, algo que muda de cultura a cultura. Podemos dizer que o senso comum são todas as maneiras de relacionar as coisas a nós, sendo definido pelo mundo da experiência. Para ficar mais claro, basta imaginarmos o mundo de uma criança recém-nascida onde tudo que existe é aquilo que se pode experimentar, totalmente apreendido por meio dos sentidos.

O segundo âmbito é o da teoria. Este começa a surgir quando começamos a fazer algumas perguntas que o senso comum não consegue responder. Perguntas do tipo : ‘o que é isso?’, ‘por que tal coisa é dessa forma?’, por exemplo, são próprias do âmbito da teoria no pensamento de Lonergan.

Nesse campo procuramos as relações entre as coisas e não ficamos baseados somente nos dados que recebemos de nossas experiências cotidianas. Um bom exemplo que podemos citar é o de Sócrates quando ele perguntava sobre as definições das coisas. Ao se perguntar : ‘o que é a justiça?’, ou ‘o que define um homem bom?’ etc., Sócrates coloca perguntas que fogem ao nível do senso comum e necessitam de uma explicação em nível teórico. Essa diferenciação da consciência entre teoria e senso comum, de acordo com Lonergan, é algo que deve ser feito pelo ser humano.

O terceiro âmbito é o âmbito da interioridade. Este começa a surgir quando as perguntas depois da teoria nos fazem voltar para dentro dos nossos processos cognitivos. Não é mais suficiente procurar a relação da coisa em si, mas como se conhece essas relações. Nesse ponto, não se presta atenção aos objetos em si somente pelos olhos da teoria, mas também se passa a prestar atenção no sujeito que a conhece. Dessa forma, após o momento teorético, refletindo, deve-se procurar algo que une o senso comum à teoria, partindo para o nível da interioridade.

Uma boa exemplificação seria imaginar um mundo bidimensional em que seus habitantes conseguem ver somente coisas em duas dimensões. O habitante que atinge o nível da interioridade seria semelhante a uma formiga que vive em um mundo tridimensional e consegue ver todos os movimentos que ocorrem sobre o mundo bidimensional. Se tomarmos tal exemplo, segundo Lonergan, essa simples formiga teria uma visão muito melhor desse mundo do que todos os habitantes do mundo bidimensional.

O quarto âmbito proposto por Lonergan é o âmbito da transcendência. Nele não é possível se chegar naturalmente, sendo necessário que tal transcendência venha primeiramente a nós. Quando isso acontece, quando a consciência interiorizada entra em contato com o mundo da transcendência, ela começa a mudar a sua forma de viver. Esse âmbito, para Lonergan, é o âmbito em que estamos próximos de Deus.

Conhecer o pensamento de Lonergan é instigante e, sem dúvida, sua filosofia e teologia podem contribuir muito para a compreensão do mundo em que vivemos. Se essas pequenas e superficiais indicações servirem para aguçar o interesse para a leitura desse pensador, esse texto terá cumprido o seu objetivo.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticia/1570868/2022/03/os-quatro-ambitos-da-consciencia-no-pensamento-de-bernard-lonergan/

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

O humano diante do sagrado : uma experiência de busca

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

O homem está em constante busca.
*Artigo de Aldo Reis
palestrante, empresário e escritor.


‘Sempre que buscamos algo sobre o humano em direção (relação) ao sagrado, nos deparamos com conceitos já estabelecidos e sabemos qual será a conclusão da reflexão, antes mesmo de terminá-la. Contudo, esse não é o nosso intuito.

O homem, como ser inquieto e inacabado, está em constante procura por aquilo que não possui. Tanto na dimensão material, humana, afetiva e profissional, quanto na espiritual.

Essa busca incessante está para alguns pensadores como uma experiência transcendental. Trata-se de uma busca orientada pelas experiências obtidas por meio do fenômeno religioso e suas práticas tradicionais. Entretanto, a sociedade contemporânea tem provocado uma nova configuração no comportamento humano; um novo modo de se relacionar e buscar aquilo que ‘lhe falta’; uma nova forma de abrir-se à experiência transcendental, diferentemente daquelas ‘velhas’ certezas protegidas pelas instituições e asseguradas pelo modo doutrinário de administrar a experiência subjetiva de cada um.

Para falarmos do que é sagrado, faz-se necessário, também, sabermos sobre seu oposto : o profano. Os estudiosos das religiões costumeiramente dividem o fenômeno religioso em sagrado e profano, prevalecendo, assim, uma visão dualista de oposição e exclusão automática.

Como as ‘velhas certezas’ religiosas afirmam, o sagrado só pode estar para o humano enquanto sua concepção se dá mediante uma manifestação diferente da realidade natural em algo quase que sobrenatural, esplendoroso e cheio de anormalidades. E, segundo esse raciocínio, o profano é, então, um mero fato natural, biológico, ‘normal’ e quase que autoexplicativo.

O sagrado é, desse modo, um arcabouço de elaborações metafísicas e conceitos irrefutáveis com o intuito de afirmar a plena manifestação de uma entidade divina em uma bela hierofania.

Mas, e o homem? Onde se encaixa o humano diante de tanta conceituação e normatização daquilo que está ‘além’ de suas experiências ‘horizontais’?

Há transcendência, ou melhor, a transcendência é algo que induz a experiência humana a buscar sempre aquilo que ainda lhe falta. Entretanto, entre o sagrado e o humano costumam existir barreiras e pontes de ligação. Tais barreiras e pontes podemos chamar de religião.

O humano, como ser incompleto e inacabado, sempre estará em busca de algo, mesmo que já esteja nos mais elevados graus religiosos e até mesmo se houver vivenciado inúmeras experiências promovidas por manifestações sagradas dentro das tradicionais formas e expressões. Essa busca insaciável, quando não encontra o mínimo de uma experiência autêntica, leva o homem a sacralizar inúmeras ‘coisas’, pessoas, experiências e situações. Mas isso não o torna completamente equivocado.

Como a experiência de busca, encontro e relação com o sagrado é algo essencialmente subjetivo, intransferível e inesgotável, não podemos permitir que a conceituação e sistematização produza uma padronização dessa experiência pessoal.

Podemos afirmar que há diferenças imensas entre sagrado e religião. Nos é necessário, pois, admitir que o sentimento religioso está completamente imbuído de um sentido de reverência, solenidade, adoração, veneração, desprezo de si e máximo respeito diante do Outro Absoluto. Já na vivência autêntica do sagrado, o humano desmonta essas certezas de outrora e vivencia genuinamente tal experiência transcendental. Como todo empreendimento humano visa certa satisfação e busca, no que tange ao seu estado diante do sagrado, a satisfação dessa necessidade de ser não se contenta com o que satisfaz os sentidos meramente imanentes. O desejo se desenvolve, a busca pela plenitude aumenta e a imaginação orienta todos os sentimentos para aquilo que está ‘além’.

Tudo isso é fundamentalmente necessário para o melhor desenvolvimento humano diante da sociedade, dos outros e de si mesmo, pois, a necessidade de relacionar-se com algo ‘além-de-si’ o torna, cada vez mais, um ser de busca constante, destruidor de barreiras e construtor de pontes de ligação para este sagrado que considera como início, meio e fim.

Assim, o contrário seria a perda do sentido de diversos aspectos fundamentais para o desenvolvimento de seu ser e, inclusive, levando à coisificação de suas estruturas humanas e perda da capacidade de relação e criação.

O humano diante do sagrado promove um certo intercambio entre sujeito e sociedade cultural por meio da possibilidade de elaboração de diversos símbolos que o remetem àquela busca de sempre, levando-o à experiência transcendental e, assim, alcançando, para si, a possibilidade de viver ‘além’ das possibilidades horizontais.

Desta forma, podemos concluir que, em se tratando de uma relação direta com o sagrado, o humano é um ser de construção e vivência, que se faz e refaz em cada gesto, cada símbolo e palavra; que debruça tudo em ritos e mitos; que promove o elo de encontro entre si e aquilo que busca e subjetivamente considera sagrado. É um ser de constante metamorfose e por isso mesmo desenvolve variações de sua própria expressão religiosa de vida. Assim, na mais profunda e autêntica experiência, vivencia a mais plena expressão do sagrado que busca : o próprio homem.’


Fonte :

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Religião e violência : a face terrível da fé

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Mesmo que o específico do cristianismo seja o amor, ele ainda transparece seu rosto da violência.

*Artigo de Felipe Magalhães Francisco,
Mestre em Teologia, pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia.
Coordena a Comissão Arquidiocesana de Publicações,
da Arquidiocese de Belo Horizonte.


Como tudo o que é edificado na história, as religiões podem se desvirtuar.


Religare. O princípio de toda religião é reestabelecer a relação entre os seres humanos e seu/s deus/s. Reestabelecer porque todo ser humano carrega, em si, a abertura radical ao outro. Esse outro tanto como a um igual a si, mesmo na diferença, e a deus. A religião é, então, a institucionalização da mediação entre o ser humano e deus. Ela faz a mediação entre o que é profano e o que é sagrado, tendo em vistas que essas são duas realidades heterogêneas, ainda que nada impeça que, em meio ao profano, haja irrupções do sagrado.

Como tudo o que é edificado na história, as religiões podem se desvirtuar. A respeito disso, propomos o artigo Violência em nome de Deus : a negação da negação, do padre Rodrigo Ferreira da Costa, Sacramentino de Nossa Senhora, que nos ajuda a refletir sobre a realidade da violência religiosa, oferecendo-nos uma verdadeira genealogia dessa violência, bem como a importância do resgate da cultura da paz, que tem em Jesus uma figura importante.

Partindo da abertura radical à transcendência de todo ser humano, o artigo Guarda tua espada na bainha, da mestra em teologia Tânia da Silva Mayer, aponta para o específico da religião cristã, que tem por novidade a ideia de um Deus que se revela. Em Jesus, essa revelação ganha sua máxima expressão e é condição de possibilidade de nossa relação com o Deus revelado, de modo pleno. Da vida mesma de Jesus, o pleno revelador de Deus, vem-nos o imperativo do amor, que se desdobra na justiça e na paz do Reino.

Mesmo que o específico do cristianismo seja o amor a todos quantos estão no mundo, como verdadeira prática oriunda da assimilação profunda da mensagem de Jesus, a religião cristã ainda dá sinais de ambiguidade, e transparece seu rosto terrível, o da violência. Uma das formas de violência, que tem ganhado cada vez mais expressão em nossa sociedade, é a da intolerância. Refletindo nesse trágico horizonte, propomos o artigo A intolerância como violência, no qual relacionamos o crescimento do conservadorismo com a ampla manifestação da intolerância, tão própria de nosso tempo.

Este é apenas o começo da conversa. Há muito o que se dizer a respeito dessa face terrível das religiões, para que, refletindo e tomando consciência, rompamos com essa ambiguidade que mata, que tira do outro a dignidade e a liberdade, e que desvirtua o específico das religiões. Que nossa conversa prossiga!’


Fonte :
* Artigo na íntegra