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terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Maledicência

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Dom Fernando Arêas Rifan

Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney 


Nesse tempo de internet, em que se pode anonimamente falar mal à vontade de todo o mundo, em que se compartilham notícias sem preocupação com a verdade delas, em que se pode postar boatos que denigrem o bom nome das pessoas, em que se pode dizer meias verdades que impressionam e destroem a fama alheia, vale a pena recordar o que dizem os santos a respeito desse vício, que leva o nome de maledicência. O exagero, a caricatura, a meia-verdade, a reticência, a suspeita lançada ao ar, são tipos de maledicência que se assemelham à mentira, e até piores do que ela, por serem mais sedutoras.

O Catecismo da Igreja Católica ensina : Toda pessoa goza de um direito natural à honra do próprio nome, à sua reputação e ao seu respeito. Dessa forma, a maledicência e a calúnia ferem as virtudes da justiça e da caridade’ (C.I.C. 2479).

Não procures fazer figura pondo-te a criticar os outros e aprende a tornar mais perfeita a tua vida antes que denegrir a dos outros. São verdadeiramente poucos os que sabem afastar-se deste defeito, e é bem raro encontrar alguém que queira mostrar-se tão irrepreensível, na sua vida, que não critique com satisfação a vida alheia. Não há outra coisa, de fato, que ponha a alma em tanto barulho e que torne o espírito tão volúvel e leviano quanto o prestar fé com facilidade a tudo, e dar ouvido temerariamente às palavras dos críticos. E daí que surgem discórdias sobre discórdias e sentimentos de ódio que não têm motivo de ser. É justamente este defeito que frequentemente torna inimigas pessoas que, antes, eram amigas do peito. Se este mal está universalmente difuso, se este vício está vivo e forte em muitos, é justamente porque encontra, quase em todos, ouvidos complacentes’ (São Jerônimo, Carta IV, 148, 16).

‘Quem tira injustamente a boa fama ao seu próximo, além do pecado que comete, está obrigado à restituição inteira e proporcionada à natureza, qualidade e circunstância da maledicência, porque ninguém pode entrar no céu com os bens alheios, e entre os bens exteriores a fama e a honra são os mais preciosos e os mais caros... A maledicência, afinal, proferida a modo de gracejo, é a mais cruel de todas... Nunca digas : fulano é um bêbado ou ladrão, mesmo que o vejas uma vez embriagar-se ou roubar; seria uma inverdade, porque uma só ação não dá nome às coisas... Noé e Ló embriagaram-se uma vez e nem por isso foi bêbado nenhum dos dois. Nem tão pouco foi São Pedro um blasfemador e sanguinário, porque blasfemou um dia e feriu um homem uma vez. O nome de vicioso ou virtuoso supõe um hábito contraído por muitos atos repetidos do vício ou duma virtude... Todas as coisas aparecem amarelas aos olhos dos achacados de icterícia... A malícia do juízo temerário, dum modo semelhante a esta doença, faz aparecer tudo mau aos olhos dos que a apanharam... Eis aí como devemos julgar do próximo : o melhor possível; e, se uma ação tivesse cem aspectos diferentes, deveríamos encara-la unicamente pelo lado mais belo’ (São Francisco de Sales, Filoteia).

‘Se alguém não peca pela língua, esse é perfeito’ (Tg 3, 2)’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2024-01/dom-fernando-rifan-maledicencia.html

domingo, 17 de setembro de 2017

O que é a verdade?

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

A verdade absoluta e imutável pertence, com exclusividade, ao universo do transcendente, que ultrapassa (transcende) toda a nossa compreensão.
*Artigo de Evaldo D´Assumpção,
médico e escritor


Uma imagem me vem frequentemente à lembrança : Cristo diante de Pilatos, na farsa de julgamento em que a sentença já estava previamente decidida, mas onde o julgador temia pronunciá-la diante de um réu tão instigante. E uma de suas perguntas surgiu quando o réu lhe disse : ‘... vim ao mundo para dar testemunho da verdade’. Ao que Pilatos retrucou : ‘O que é a verdade?’. E na descrição do evangelista João, ele saiu sem esperar a resposta. Questiono-me, então : por que fazer uma pergunta, se não se quer uma resposta?

Aliás, coisa muito comum nos dias atuais. E ao mesmo tempo, pergunto a mim mesmo o que Jesus iria respondê-lo. Creio que a resposta já estava diante de Pilatos, pois antes Jesus já lhe dissera que viera para dar testemunho da verdade. Portanto, a verdade era quem o enviou : o Pai. E fico com a dúvida : será que Pilatos entenderia essa resposta, se Cristo a tivesse dado?

Tudo isso me traz aos dias em que vivemos, onde essa cena certamente se repetiria em cada casa, em cada esquina, em cada lugar deste imenso mundo conturbado pela ausência da verdade. O que é a verdade? Confesso que, se me perguntarem, saindo da esfera do transcendental eu não tenho uma resposta. Contudo, permito-me algumas reflexões sobre isso.

Creio que existem duas verdades. Sei que esta afirmação soa como enorme incoerência, pois a verdade, por excelência e por necessidade, só pode ser uma. Todavia, a verdade absoluta e imutável pertence, com exclusividade, ao universo do transcendente, que ultrapassa (transcende) toda a nossa compreensão, toda a nossa ciência, e consequentemente todas as nossas explicações. Essa, é a VERDADE. Mas existe outra, a verdade que é própria da nossa realidade, que não é absoluta nem imutável, mas com um consenso tal, que legitimamente a situa no ápice da imanência. Para melhor distingui-la, vou denominá-la de ‘verdade humana’. Esta verdade, enquanto revestida da pureza que aos humanos é possível, é o objetivo de todas as pessoas de caráter, de todos os pesquisadores éticos, de todos os pensadores de boa vontade, de todos os idealistas que imaginam um mundo quase perfeito, o único capaz de abrigar essa verdade em nosso universo marcado pelas limitações.

O problema é que essa verdade é sujeita a manipulações e interpretações oportunistas, a disfarces muito bem engendrados, capazes de apresentar deslavadas mentiras, dela transvestidas, enganando à grande multidão por longo tempo, e aos pequenos grupos com maior discernimento, por pouco tempo. Pode-se então dizer que existe uma verdade afirmada honestamente, mas que é transitória pelas limitações de conhecimentos; e uma pseudoverdade, que é apresentada como tal, contudo propositadamente acobertada por disfarces e justificativas.

Na ciência ela é constantemente procurada, por vezes até parece ter sido encontrada, mas tem duração transitória. Algum tempo depois, novas descobertas, novos conhecimentos, substituem a antiga verdade. Exemplificamo-la com o átomo, que em grego significa ‘indivisível’, pois assim era corretamente considerado, mas que teve essa verdade (transitória) desfeita, quando o avanço da ciência demonstrou suas partículas constitutivas.  Já a pseudoverdade é exemplificada pelo ladrão, que mesmo trazendo o produto do seu roubo nas algibeiras, afirma de forma incisiva que é inocente. Ou o marido pego em flagrante de adultério, argumentando para provar que tudo é um engano, que não existe traição alguma. Multiplicam-se assim as malversações da verdade humana.

Mas o exemplo mais evidente é demonstrado pelos políticos brasileiros, assim como por grande parte dos proprietários de enormes fortunas, para os quais a manipulação e a distorção da verdade fazem parte inerente de suas negociações, de suas ações, e especialmente dos seus discursos. Dizia Galbraith em ‘A Sociedade Afluente’ : ‘Quanto maior a riqueza, tanto maior a sujidade’. Se fizermos cálculos simples, descobriremos que é quase – eu disse quase – impossível alguém sair do nada e alcançar píncaros de fortuna, exclusivamente pelo seu trabalho honesto. Contudo, hoje multiplicam-se os novos ricos, que aboletados em cargos públicos, ou conduzindo empresas que trabalham majoritariamente para o governo, saltam das classes mais baixas para as listas de grandes fortunas. E quando num descuido, são surpreendidos pela mão dura da lei, juram de pés juntos que ‘fizeram tudo de forma legal’, e que ‘sempre cumpriram a lei’, tentando provar suas pseudoverdades. A sorte deles, e a infelicidade da nação, é que sempre encontram parceiros de espúrios caminhos para manipular as leis através de atalhos ignotos, conservando-os soltos em verdadeiras pantomimas judiciárias.

A verdade humana, ainda que transitória, é legítima, e deve ser o farol a iluminar a rota de navegação dos cidadãos exemplares, mesmo atravessando mares bravios. Nessas jornadas, às vezes descobre-se que a verdade alcançada não é plena, nem a ideal, todavia nesse momento não se deve valer de vaidosas coerências para persistir no erro. Cabe lembrar Gandhi, quando afirmou : ‘Meu compromisso é com a verdade, não com a coerência’. E eu complemento : se acredito em alguma coisa, aquilo é, para mim, a verdade, e meu compromisso é com ela. Contudo, se em qualquer momento da minha caminhada, eu descobrir que estou enganado, não devo ter vergonha alguma em mudar minha direção. Meu objetivo deverá ser a busca incessante da verdade. A humana, nesta vida onde só ela é possível. E ela será, certamente, o caminho para alcançar a verdade absoluta, essa sim, muito além desta realidade em que nos encontramos.’


Fonte :