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domingo, 12 de maio de 2019

O que é a Lei natural (II)

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

BIBLE
*Artigo de Vanderlei de Lima, 
eremita na Diocese de Amparo


‘O primeiro princípio da Lei Natural é o que diz : ‘Pratica o bem e evita o mal’. Em linguagem bíblica, isso se traduz na regra de ouro a recomendar : ‘O que não queres que façam a ti, não faças a outros’ (Tobias 4,16), que São Mateus (7,12) formula positivamente dizendo : ‘Tudo aquilo, portanto, que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles, pois esta é a Lei e os Profetas’.

Dessa conclusão imediata seguem-se outras mais remotas, que a reflexão atenta capta do princípio geral ou primeiro da Lei Natural. Tais são, por exemplo, a unidade e indissolubilidade do casamento, o dever de cuidar dos filhos, o pecado do suicídio, a condenação do aborto etc. É certo que o princípio fundamental e as conclusões imediatas da Lei Natural Moral podem ser conhecidos por todo ser humano mentalmente sadio.

Quanto às conclusões remotas, porém, é preciso dizer que, embora acessíveis à razão, talvez, apresentem dificuldades para serem conhecidas e praticadas se a pessoa vive em situações complexas em que a consciência moral, longe de ser avivada, é menosprezada pela mesquinharia ou pelas mazelas humanas. Só quem tem o desejo de crescer interiormente isento de covardia ou medo é capaz de – percebendo a forte exigência de praticar o bem e evitar o mal – buscar aplicar-se a uma vida grandiosa iluminada pela Lei Natural Moral.

São duas as propriedades da Lei natural : a Universalidade e a Imutabilidade. Vejamos: 1) Universalidade : quer dizer que a Lei Natural é válida para todos os homens e em todos os tempos. Sim, pois do mesmo modo que é uma só a natureza humana (na América, na África, na Ásia, na Oceania e na Europa) e um só é Deus e seu plano de salvação, a Lei Natural também é única; 2) Imutabilidade : A Lei Natural moral é, em seus princípios, imutável, ainda que a sua compreensão possa ser diferentemente entendida ao longo do tempo.

Desse modo, alguns povos antigos não viam obstáculos à escravidão ou à guerra religiosa, por exemplo, como nós vemos hoje. Todavia, também para o homem da Antiguidade a Lei do Talião que prescrevia o ‘olho por olho, dente por dente’ era deveras exigente. Sim, exigente porque : 1) impedia que uma pessoa ofendida cometesse ofensa maior contra seu agressor (quem teve um dente quebrado não podia quebrar dois dentes do inimigo); 2) a obrigação de reparar o dano causado valia para todos indistintamente, desde os chefes até os menores súditos de uma tribo.

Pergunta-se, no entanto : ‘É possível ser dispensado da Lei Natural?’ – Em resposta, devemos distinguir na Lei Natural seus preceitos primários e secundários : são preceitos primários aqueles princípios sem os quais a ordem moral não pode ser aplicada. Por exemplo, a obrigação de não levantar falso testemunho, de não blasfemar contra Deus, de não roubar etc. Ser dispensado de cumprir esses preceitos seria desintegrar a sociedade como um todo. Portanto, eles não admitem dispensa.

Os Preceitos secundários são pontos muito úteis que, se não forem praticados de maneira geral e estável, comprometem a ordem moral. Contudo, em casos raros e transitórios podem admitir dispensas, especialmente quando há uma natureza humana ferida pelo pecado e ainda não resgatada pela graça divina. Tal é o caso do divórcio que Moisés permitiu devido à dureza de coração do seu povo (Deuteronômio 24,1-4; 17,17), como exceção dentro de uma lei que também faz censuras à prática do próprio divórcio.

Digamos que também a razão natural tem dois importantes argumentos a respeito da Lei Natural : a) Quem reconhece a existência de Deus Criador deve admitir que Ele colocou nas criaturas livres e feitas à sua imagem e semelhança as grandes normas capazes de levar o ser humano à vida eterna. Ora, essas grandes normas no interior do homem é o que chamamos de Lei Natural e b) Negar a Lei Natural Moral é abrir as portas para os crimes mais horrendos. Sim, pois na falta de um parâmetro seguro, o ser humano perdido é levado a considerar o vício como virtude e vice-versa.

Vê-se pelos dados acima que todo aquele que nega Deus e a Lei Natural Moral é porque deseja ser ele mesmo um deus e impor a sua lei à humanidade. Muita atenção!


Fonte :

quarta-feira, 1 de maio de 2019

O que é a Lei natural (I)

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

PRAWO, SPRAWIEDLIWOŚĆ
*Artigo de Vanderlei de Lima, 
eremita na Diocese de Amparo


‘A lei natural é a que Deus promulga através da natureza dos seres criados.

Ela se subdivide em física, quando se identifica com as leis da natureza que regem as criaturas sem que haja conhecimento e liberdade por parte destas (leis da gravidade, da atração, da matéria, da flutuação etc.), e moral, que coincide com as normas éticas que o homem pode conhecer mediante a luz da razão, sem a fé (não roubar, não matar, honrar pai e mãe etc.). Esta lei natural moral tem grande importância e, por isso, será mais bem detalhada neste artigo.

Pergunta o (a) leitor(a) : mas que provas temos da existência da Lei natural moral? – Em resposta, os estudiosos costumam apresentar três grandes argumentos a fim de provar a existência da Lei Natural. São eles :

1) O testemunho de todos os povos : Entre os vários povos primitivos encontramos a noção dos valores morais básicos como : fazer o bem e evitar o mal; honrar pai e mãe; prestar culto à divindade; não matar etc. O mais importante a ser registrado é que tais normas não são atribuídas pelo povo a um chefe ou cacique, mas são tidas como fruto da própria natureza regida por Deus. Entre os gregos e romanos, povos antigos considerados mais civilizados, também houve o reconhecimento de uma Lei Natural tida como a marca do Criador na criatura.

Platão e Aristóteles, grandes nomes da Filosofia Antiga, ao contrário dos Sofistas (mestres itinerantes de retórica e oratória), não opõem lei natural (vinda da Divindade) à lei positiva humana (criada pelos homens), mas tentam, salvaguardadas as diferentes origens de ambas as leis, uni-las. O mesmo se encontra entre as grandes tradições religiosas do mundo. Tais testemunhos são importantes para confirmar o seguinte : todos os povos, de algum modo, reconhecem que o Criador inseriu nas suas criaturas racionais uma lei que leva a buscar o bem e a evitar o mal.

2) O testemunho da Sagrada Escritura : O Decálogo ou as ‘Dez Palavras’ de Deus, no Monte Sinai, definem como o povo eleito deve responder, por meio de uma vida santa, à escolha de Deus : ‘Fala a toda a comunidade dos filhos de Israel. Tu lhes dirás : ‘Sede santos, porque eu, Iahweh vosso Deus, sou santo’’ (Levíticos 19,2). Essa regra dada aos israelitas é também válida às nações vizinhas de Israel, conforme demonstram detalhadamente os capítulos 1 e 2 do livro do profeta Amós. Deus pode pedir contas a todos os seres humanos, pois, em Noé, Ele já tinha, bem antes de escolher Israel, concluído uma aliança com toda a humanidade. Tal pacto realça especialmente o respeito à vida, de acordo com Gênesis 9. Também outras passagens confirmam estas : Salmo 148,5-6; Eclesiástico 1,26-27; Tobias 4,15; Mateus 7,12; Romanos 1,19-20; 2,14-15.

3) O testemunho da Tradição e da história : No pensamento dos Padres da Igreja (Leigos, Religiosos, Sacerdotes e Bispos que, nos primeiros sete séculos da História da Igreja, muito contribuíram na explicitação da reta fé) aparece o ensinamento segundo o qual a Lei Natural Moral fornece uma base sólida para completar a moral da Sagrada Escritura. Foram esses princípios da Lei Natural Moral, sustentados ou trabalhados pelos Padres da Igreja, que passaram para a Idade Média com a concepção de que há princípios universais do Direito a regular as relações entre os povos e eles são obrigatórios a todos os seres humanos (cf. Gaio, Institutes, 1.1 (IIe siècle après J.C.) (éd. J. Reinach, Collection des universités de France, Paris, 1950, p. 1)).

Também nas Idades Moderna e Contemporânea, os estudos sobre a Lei Natural Moral se desenvolveram, ao menos inicialmente, em conformidade com os princípios do período medieval. Cabe destaque ao estudioso Francisco de Vitória, OP (†1546), que, no século XVI, recorreu à Lei Natural para contestar o imperialismo reinante em países cristãos da Europa, bem como para defender povos não cristãos da América. O teólogo sustentava que os direitos básicos do ser humano são inerentes à própria natureza do homem e da mulher e independem da situação concreta em que estão. É aqui que está a base de todo Direito Internacional.’


Fonte :

domingo, 30 de agosto de 2015

A lei de Deus e as leis humanas

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

  
*Artigo de Dom Alberto Taveira Corrêa,
Arcebispo Metropolitano de Belém, PA


‘Quanto mais cresce a sociedade, maior a necessidade de leis e normas que facilitem a convivência de pessoas diferentes, segundo as classes sociais, as culturas presentes naquele ambiente, os grupos que reivindicam seu espaço de participação e seus direitos. O equilíbrio entre as diversas forças tantas vezes é difícil de ser alcançado, pelo radicalismo das mesmas e a incapacidade para conviver com os opostos, a serem considerados como complementares e não inimigos. A presença dos cristãos em nosso tempo é continuamente desafiada, cabendo-lhes a coerência com o Evangelho de Jesus Cristo, a paixão pela verdade, a capacidade de ouvir e considerar as razões dos outros, a misericórdia e um ponto basilar da Doutrina Social da Igreja, que é a busca do Bem Comum. Sua vida há de ser exemplar, de forma que os que os veem de longe se aproximem e se sintam atraídos. Não somos donos do poder no mundo, mas servidores e colaboradores da Verdade.

Vede, eu vos ensinei leis e decretos, conforme o Senhor meu Deus me ordenou para que os pratiqueis na terra em que ides entrar e da qual tomareis posse. Guardai-os e ponde-os em prática, porque neles está vossa sabedoria e inteligência diante dos povos. Ao tomarem conhecimento de todas essas leis, dirão : ‘Sábia e inteligente é, na verdade, essa grande nação’. Pois qual é a grande nação que tem deuses tão próximos como o Senhor nosso Deus, sempre que o invocamos? E qual a grande nação que tenha leis e decretos tão justos quanto toda esta Lei que hoje vos proponho?’ (Dt 4, 5-8) Somos herdeiros do imenso tesouro dado por Deus a seu povo, conscientes de sermos guardiães de um relacionamento com o Senhor que nos possibilita uma vida digna, pensada por ele para toda a humanidade, no maravilhoso plano de amor expresso na Sagrada Escritura, na História Sagrada e na História da Igreja.

No entanto, na Antiga Aliança, aos Dez Mandamentos da Lei de Deus foram acrescentados muitos outros mandamentos, normas e preceitos, que tantas vezes dificultaram a vida religiosa fiel, especialmente dos mais simples. Tornou-se, no correr do tempo, muitas vezes insuportável carregar o peso da lei, enquanto esta deveria ser justamente o caminho para a realização e a felicidade. Jesus se confrontou com pessoas e grupos que tinham a tarefa de interpretar a Lei de Deus e as leis dela decorrentes, cuja pretensa competência suscitou discussões acirradas e perseguições àquele que é a Palavra de Deus feita Carne (Cf. Mc 7,1-23). Também no tempo da Igreja, que é nosso, corremos continuamente o risco de transformarmos as leis do Senhor em opressão, peso insuportável para as outras pessoas. O risco oposto também nos cerca, quando podemos relaxar no cumprimento da lei de Deus. 

O justo equilíbrio é buscado na vida da Igreja com afã no correr dos séculos. A moral cristã é uma tarefa exigente, atenta à revelação de Deus nas Escrituras e às exigências da vida das pessoas. Seu ponto de partida não é a norma fria das leis a serem compridas, mas o encontro com Cristo, que exige muito mais do que a eventual vigilância ou muitas placas escritas ou não, expostas pelos cruzamentos da vida. Faz-se necessário escutar o Senhor, alimentar-se de sua Palavra, orar com frequência e confiança, buscar a necessária orientação de pessoas que têm a graça e a capacidade de contribuir no discernimento, alimentar-se dos Sacramentos, especialmente a Penitência e a Eucaristia, a fim de dar passos seguros, na crescente fidelidade ao Espírito Santo que conduz nossas almas.         

Há poucos dias recebi o texto da Oração pela Beatificação do Servo de Deus Dom Helder Câmara, o grande Arcebispo de Olinda e Recife. Anteriormente, numa viagem a Roma, tive a graça de acompanhar um emissário daquela Arquidiocese quando foi entregue o processo na Congregação das Causas dos Santos. A oração diz assim : ‘Nós vos agradecemos pelo dom de sua vida e vos bendizemos por suas virtudes. Exercendo o seu ministério em favor da justiça e da paz e dedicando sua vida à causa dos pobres, imitou o Bom Pastor, que deu a vida por suas ovelhas’. Um homem de imensa liberdade interior, com vida sóbria em seus hábitos, exigente consigo e pobre, capaz de edificar a todos com seu olhar ao mesmo tempo perspicaz e carregado de simplicidade evangélica. Sua vida, assim como de outros homens e mulheres santos, atrai pela coerência e fidelidade a Deus! Não foram coniventes com a mentira e a maldade, apontaram seu olhar para o alto, e são exemplos a serem seguidos. Fazem parte de uma grande nação, cuja herança perpassa os séculos.

Os legisladores e governantes, quando coerentes com sua própria consciência e quando honestos em sua busca da verdade, podem constatar que a Lei de Deus consignada nos Dez Mandamentos é o que existe de melhor para a humanidade de qualquer tempo. Mais ainda é consistente o que a Nova Lei em Cristo oferece à humanidade. Em nosso tempo, os cristãos lutam com firmeza pelo respeito à vida, desde sua concepção até seu ocaso natural, batalham pela fidelidade a projeto de Deus, que criou o homem e a mulher, são conscientes de que os esforços contra a corrupção em todos os níveis é dever de todos, unem-se a todos os esforços pela justiça e pela paz, sonham e trabalham por um mundo de maior respeito à dignidade de todos.

Estamos para iniciar, nesta semana, o mês dedicado à Bíblia, com o qual desejamos voltar continuamente ao Evangelho, num esforço redobrado de fidelidade à Palavra. Valha para todos nós a recomendação de São Tiago (Tg 1, 21-27), que nos oferece o caminho de coerência necessário para fermentarmos a sociedade de uma forma nova : ‘Recebei com mansidão a Palavra que em vós foi implantada, e que é capaz de salvar-vos. Todavia, sede praticantes da Palavra, e não meros ouvintes, enganando-vos a vós mesmos. Com efeito, aquele que ouve a Palavra e não a põe em prática é semelhante a alguém que observa o seu rosto no espelho : apenas se observou, sai  e logo esquece como era a sua aparência. Aquele, porém, que se debruça sobre a Lei perfeita, que é a da liberdade e nela persevera, não como um ouvinte distraído, mas praticando o que ela ordena, esse há de ser feliz naquilo que faz. Se alguém julga ser religioso, mas não refreia a sua língua, engana-se a si mesmo : a sua religiosidade é vazia. Religião pura e sem mancha diante do Deus e Pai é esta : assistir os órfãos e as viúvas em suas dificuldades e guardar-se livre da corrupção do mundo’.’


Fonte :
* Artigo na íntegra http://www.cnbb.org.br/artigos-dos-bispos-1/426-dom-alberto-taveira-correa/17230-a-lei-de-deus-e-as-leis-humanas

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Leis dos homens e lei de Deus

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

* Artigo de Dom Alberto Taveira Corrêa,
arcebispo de Belém do Pará,
reflete sobre as leis e o comportamento das pessoas 


‘A vida em sociedade se torna cada vez mais complexa, exigindo uma série de leis e normas para regular o comportamento das pessoas e dos grupos. Não é novidade saber que um emaranhado de leis tantas vezes confunde os cidadãos, dificultando-lhes até manter-se em dia com suas obrigações. Para dar um exemplo, basta conversar com as pessoas que devem estar atualizadas quanto à legislação tributária e ver o quanto lhes é trabalhoso saber das ultimíssimas mudanças. Que se preparem os que devem preparar suas declarações de renda! 

E podemos ir além, ao tomar consciência de que vivemos num estado laico, no qual todos os setores da sociedade, incluindo as diversas convicções religiosas, devem encontrar seu espaço, na superação de eventuais privilégios. Curioso é que a crescente laicização do Estado encontra meios e verbas para eventos no mínimo duvidosos, considerados manifestações culturais, relegando ao espaço privado a relação com Deus, da qual o ser humano não pode fugir, sob pena de perder o rumo e o sentido de sua existência. Nem é necessário fazer uma lista dos gastos correntes em nosso país, nos quais bilhões de reais são despendidos, inclusive com obras cuja utilidade prática posterior aos eventos programados é altamente questionável. Entende-se assim a revolta que jovens e menos jovens manifestam em nossas ruas, mesmo se os métodos e gritos se confundam com grupos violentos infiltrados em suas ações.

Bastam as leis e o laicismo do Estado? Quais serão as consequências do alijamento dos grupos religiosos da educação ou do cuidado com a saúde, pelas dificuldades encontradas para manter obras sociais correspondentes às convicções cristãs que os movem? Pode ficar tudo aparentemente certo, mas o que está por trás? E uma sociedade que perdeu as estribeiras quanto à moralidade dos atos públicos ou a exposição contínua de atos de esperteza ou de corrupção, para onde vai? Para onde foi a moral familiar? E as leis, podem ser simplesmente acolhidas, mesmo quando é patente sua iniquidade?

Jesus, Senhor e Salvador, enfrentou uma sociedade repleta de leis e mandamentos, sendo diante de muitos um violador das normas vigentes. No entanto, seu comportamento e seu ensinamento realizam e superam toda a lei. “Não penseis que vim abolir a Lei e os Profetas. Não vim para abolir, mas para cumprir. Antes que o céu e a terra deixem de existir, nem uma só letra ou vírgula serão tiradas da Lei, sem que tudo aconteça. Portanto, quem desobedecer a um só destes mandamentos, por menor que seja, e assim ensinar os outros, será considerado o menor no Reino dos Céus. Quem os praticar e ensinar será considerado grande no Reino dos Céus. Eu vos digo: Se vossa justiça não for maior que a dos escribas e dos fariseus, não entrareis no Reino dos Céus” (Mt 5, 17-20).

Nasce então a pergunta: como superar as normas dos escribas e dos fariseus, ou como ir além das constituições, leis, normas técnicas ou regulamentos existentes em cada época? “Os olhos do Senhor estão voltados para os que o temem. Ele conhece todas as obras do ser humano. Não mandou ninguém agir como ímpio e a ninguém deu licença para pecar” (Eclo 15, 20-21). Começamos com radicalidade! Acomodar-se com a maldade e ajeitar a consciência é princípio de desastre! Ninguém foi destinado ao crime ou à corrupção, ninguém foi feito para andar errado ou afundar-se na lama da impureza! Não há um destino cego que obrigue à iniquidade. Acreditar que fomos feitos para o bem e para o que é certo e não admitir qualquer relaxamento de consciência é primeira resposta.

O grande Apóstolo São Paulo (Rm 13, 1-10) ajudou a enfrentar estas questões, ensinando que todos se submetam às autoridades que exercem o poder, pois não existe autoridade que não venha de Deus. Fez até uma pergunta provocante, com a correspondente resposta: “Queres não ter medo da autoridade? Pratica o bem, e serás por ela elogiado... É preciso obedecer, não somente por medo do castigo, mas por motivo de consciência. Pela mesma razão, pagais impostos. Dai a cada um o que lhe é devido: seja imposto, seja taxa, ou, também, o temor e o respeito”. O cristão há de ser exemplar no cumprimento dos próprios deveres de cidadania!

Entretanto, o caminho de superação das leis é justamente o cumprimento da lei maior, o amor, “pois quem ama o próximo cumpre plenamente a Lei... O amor é o cumprimento perfeito da Lei”. (Rm 13, 8.10). O mesmo apóstolo, escrevendo aos Gálatas, numa frase breve, estupenda e lapidar, diz outra vez que “toda a lei se resume neste único mandamento: Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Gl 5,14). É verdade! Quem ama não rouba, não mata. E não só evita o mal, mas se abre aos outros, deseja o bem, pratica o bem, sabe doar-se, chega a dar a vida pela pessoa amada. Por isso Paulo escreve que, amando o próximo, não só se cumpre a lei, mas se cumpre “toda a lei”. Os outros mandamentos são meios para nos iluminar e guiar a fim de sabermos encontrar, nas complexas situações da vida, o caminho para amar os outros. E por que o Apóstolo não fala também do amor a Deus? É que o amor a Deus e o amor ao próximo não competem entre si. Um deles, o amor ao próximo, é até mesmo expressão do outro, do amor a Deus. Com efeito, amar a Deus significa fazer a sua vontade, e a sua vontade é que amemos o próximo (Cf. Chiara Lubich, Comentário à Palavra de Vida, Roma, 25 de maio de 1983).

Enfim, faz ainda parte da vida cristã saber lutar contra as leis injustas, denunciar o mal. Nos dias que correm, uma das mais importantes bandeiras dos cristãos, ainda que venham leis ou normas contrárias, é a da valorização da vida. Mesmo que sejam leis civis a permitir práticas abortivas ou outras violações da absoluta dignidade humana, não seremos obrigados a cumpri-las. Nasce a corajosa objeção de consciência, que vem também a ser praticada quando se recusa a sujar as mãos e o coração com a corrupção e o roubo. Em ano eleitoral, aqui se encontram preciosas referências para engajamento político, participação e voto! Se necessário, trata-se de nadar contra a correnteza, para vencer a torrente de maldade existente também em nosso tempo.’


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.zenit.org/pt/articles/leis-dos-homens-e-lei-de-deus