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domingo, 30 de agosto de 2015

A lei de Deus e as leis humanas

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

  
*Artigo de Dom Alberto Taveira Corrêa,
Arcebispo Metropolitano de Belém, PA


‘Quanto mais cresce a sociedade, maior a necessidade de leis e normas que facilitem a convivência de pessoas diferentes, segundo as classes sociais, as culturas presentes naquele ambiente, os grupos que reivindicam seu espaço de participação e seus direitos. O equilíbrio entre as diversas forças tantas vezes é difícil de ser alcançado, pelo radicalismo das mesmas e a incapacidade para conviver com os opostos, a serem considerados como complementares e não inimigos. A presença dos cristãos em nosso tempo é continuamente desafiada, cabendo-lhes a coerência com o Evangelho de Jesus Cristo, a paixão pela verdade, a capacidade de ouvir e considerar as razões dos outros, a misericórdia e um ponto basilar da Doutrina Social da Igreja, que é a busca do Bem Comum. Sua vida há de ser exemplar, de forma que os que os veem de longe se aproximem e se sintam atraídos. Não somos donos do poder no mundo, mas servidores e colaboradores da Verdade.

Vede, eu vos ensinei leis e decretos, conforme o Senhor meu Deus me ordenou para que os pratiqueis na terra em que ides entrar e da qual tomareis posse. Guardai-os e ponde-os em prática, porque neles está vossa sabedoria e inteligência diante dos povos. Ao tomarem conhecimento de todas essas leis, dirão : ‘Sábia e inteligente é, na verdade, essa grande nação’. Pois qual é a grande nação que tem deuses tão próximos como o Senhor nosso Deus, sempre que o invocamos? E qual a grande nação que tenha leis e decretos tão justos quanto toda esta Lei que hoje vos proponho?’ (Dt 4, 5-8) Somos herdeiros do imenso tesouro dado por Deus a seu povo, conscientes de sermos guardiães de um relacionamento com o Senhor que nos possibilita uma vida digna, pensada por ele para toda a humanidade, no maravilhoso plano de amor expresso na Sagrada Escritura, na História Sagrada e na História da Igreja.

No entanto, na Antiga Aliança, aos Dez Mandamentos da Lei de Deus foram acrescentados muitos outros mandamentos, normas e preceitos, que tantas vezes dificultaram a vida religiosa fiel, especialmente dos mais simples. Tornou-se, no correr do tempo, muitas vezes insuportável carregar o peso da lei, enquanto esta deveria ser justamente o caminho para a realização e a felicidade. Jesus se confrontou com pessoas e grupos que tinham a tarefa de interpretar a Lei de Deus e as leis dela decorrentes, cuja pretensa competência suscitou discussões acirradas e perseguições àquele que é a Palavra de Deus feita Carne (Cf. Mc 7,1-23). Também no tempo da Igreja, que é nosso, corremos continuamente o risco de transformarmos as leis do Senhor em opressão, peso insuportável para as outras pessoas. O risco oposto também nos cerca, quando podemos relaxar no cumprimento da lei de Deus. 

O justo equilíbrio é buscado na vida da Igreja com afã no correr dos séculos. A moral cristã é uma tarefa exigente, atenta à revelação de Deus nas Escrituras e às exigências da vida das pessoas. Seu ponto de partida não é a norma fria das leis a serem compridas, mas o encontro com Cristo, que exige muito mais do que a eventual vigilância ou muitas placas escritas ou não, expostas pelos cruzamentos da vida. Faz-se necessário escutar o Senhor, alimentar-se de sua Palavra, orar com frequência e confiança, buscar a necessária orientação de pessoas que têm a graça e a capacidade de contribuir no discernimento, alimentar-se dos Sacramentos, especialmente a Penitência e a Eucaristia, a fim de dar passos seguros, na crescente fidelidade ao Espírito Santo que conduz nossas almas.         

Há poucos dias recebi o texto da Oração pela Beatificação do Servo de Deus Dom Helder Câmara, o grande Arcebispo de Olinda e Recife. Anteriormente, numa viagem a Roma, tive a graça de acompanhar um emissário daquela Arquidiocese quando foi entregue o processo na Congregação das Causas dos Santos. A oração diz assim : ‘Nós vos agradecemos pelo dom de sua vida e vos bendizemos por suas virtudes. Exercendo o seu ministério em favor da justiça e da paz e dedicando sua vida à causa dos pobres, imitou o Bom Pastor, que deu a vida por suas ovelhas’. Um homem de imensa liberdade interior, com vida sóbria em seus hábitos, exigente consigo e pobre, capaz de edificar a todos com seu olhar ao mesmo tempo perspicaz e carregado de simplicidade evangélica. Sua vida, assim como de outros homens e mulheres santos, atrai pela coerência e fidelidade a Deus! Não foram coniventes com a mentira e a maldade, apontaram seu olhar para o alto, e são exemplos a serem seguidos. Fazem parte de uma grande nação, cuja herança perpassa os séculos.

Os legisladores e governantes, quando coerentes com sua própria consciência e quando honestos em sua busca da verdade, podem constatar que a Lei de Deus consignada nos Dez Mandamentos é o que existe de melhor para a humanidade de qualquer tempo. Mais ainda é consistente o que a Nova Lei em Cristo oferece à humanidade. Em nosso tempo, os cristãos lutam com firmeza pelo respeito à vida, desde sua concepção até seu ocaso natural, batalham pela fidelidade a projeto de Deus, que criou o homem e a mulher, são conscientes de que os esforços contra a corrupção em todos os níveis é dever de todos, unem-se a todos os esforços pela justiça e pela paz, sonham e trabalham por um mundo de maior respeito à dignidade de todos.

Estamos para iniciar, nesta semana, o mês dedicado à Bíblia, com o qual desejamos voltar continuamente ao Evangelho, num esforço redobrado de fidelidade à Palavra. Valha para todos nós a recomendação de São Tiago (Tg 1, 21-27), que nos oferece o caminho de coerência necessário para fermentarmos a sociedade de uma forma nova : ‘Recebei com mansidão a Palavra que em vós foi implantada, e que é capaz de salvar-vos. Todavia, sede praticantes da Palavra, e não meros ouvintes, enganando-vos a vós mesmos. Com efeito, aquele que ouve a Palavra e não a põe em prática é semelhante a alguém que observa o seu rosto no espelho : apenas se observou, sai  e logo esquece como era a sua aparência. Aquele, porém, que se debruça sobre a Lei perfeita, que é a da liberdade e nela persevera, não como um ouvinte distraído, mas praticando o que ela ordena, esse há de ser feliz naquilo que faz. Se alguém julga ser religioso, mas não refreia a sua língua, engana-se a si mesmo : a sua religiosidade é vazia. Religião pura e sem mancha diante do Deus e Pai é esta : assistir os órfãos e as viúvas em suas dificuldades e guardar-se livre da corrupção do mundo’.’


Fonte :
* Artigo na íntegra http://www.cnbb.org.br/artigos-dos-bispos-1/426-dom-alberto-taveira-correa/17230-a-lei-de-deus-e-as-leis-humanas

domingo, 14 de junho de 2015

Somente o homem foi criado 'à imagem e semelhança de Deus'?

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 *Artigo de Padre Anderson Alves,
 sacerdote da diocese de Petrópolis.
Doutor em filosofia na Pontifícia Universidade da Santa Cruz em Roma e professor na Universidade Católica de Petrópolis

‘Dissemos anteriormente (cfr. aqui) que a noção de ‘semelhança’ é mais fundamental do que a de ‘imagem’. Perguntamo-nos agora se todos os seres foram criados à imagem e semelhança de Deus ou apenas o homem.

Segundo Santo Tomás para algo possuir a ‘imagem’ de Deus não basta ter qualquer ‘semelhança’ com Ele, mas de algo que seja específico daquela coisa e de Deus mesmo. O que é específico de Deus e de outros seres feitos à sua imagem é a natureza intelectual. De modo que os homens e também os anjos foram criados ‘à imagem e semelhança de Deus’. As outras criaturas são semelhantes a Deus enquanto existem; outros seres são mais semelhantes, porque além de existir vivem : esses são os animais. Finalmente, estão as criaturas que existem, vivem e também sabem ou entendem. Essas são os homens e os anjos. Somente as últimas foram feitas à imagem de Deus.

Enquanto possuem uma natureza intelectual superior aos homens, os anjos são mais imagens de Deus do que os homens. Porém, segundo algumas características secundárias, o homem é mais imagem de Deus do que os anjos. De fato, o homem reflete algo que os anjos não podem : pois os homens procedem de outros homens, assim como Deus Filho procede de Deus Pai; e a alma humana está presente em todo o corpo, assim como Deus está presente em todo o mundo. Os anjos, por sua vez, não se reproduzem, uma vez que foram criados por Deus diretamente. Um anjo não procede de outro anjo, assim como Jesus procede do Pai e como um homem procede de outro. Uma parte dos anjos se perverteu : esses são os anjos maus, também chamados de demônios. Eles não podem jamais se converter, nem se reproduzir. Isso explica o terrível ódio e inveja deles pelas famílias, as quais são imagem do Deus Uno e Trino.

Segundo esses aspectos secundários (reprodução e onipresença da alma no corpo como Deus é onipresente no mundo), juntamente com o aspecto essencial do homem, ou seja, a racionalidade, a ‘imagem’ se dá mais perfeitamente no homem do que nos anjos. Sem a racionalidade, de fato, os ditos elementos secundários não seriam motivo para o homem ser considerado feito ‘à imagem e semelhança de Deus’, pois também os animais se reproduzem e possuem almas sensitivas presentes em todas as partes do seu corpo.

Portanto, não só os homens foram criados ‘à imagem e semelhança de Deus’, mas também os anjos, criaturas intelectuais puras. As criaturas irracionais possuem semelhanças com Deus, mas não foram feitas à sua imagem. Os anjos representam a Deus mais do que os homens enquanto têm uma natureza intelectual mais perfeita, e os homens representam mais perfeitamente a Deus do que os anjos por poderem gerar famílias e terem uma alma presente em todas as partes do seu corpo. A afirmação de que o homem foi feito ‘à imagem e semelhança de Deus’ significa assim que o homem resume o que há de mais perfeito na criação : a natureza espiritual (comum aos anjos) e a natureza material. O homem é a síntese da criação, um ‘microcosmos’ e essa é a fonte de sua altíssima dignidade.’


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.zenit.org/pt/articles/somente-o-homem-foi-criado-a-imagem-e-semelhanca-de-deus