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domingo, 7 de fevereiro de 2021

Argumentos de Santo Inácio contra mulheres jesuítas são atuais?

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Santo Inácio e Juana da Áustria, uma das poucas mulheres na história da Companhia de Jesus e a única mulher a morrer jesuíta. Retrato de Alonso Sánchez Coello, por volta de 1557

*Artigo de Barton T. Geger, SJ

Tradução : Ramón Lara


‘Amigos e colegas da Companhia de Jesus frequentemente perguntam se os jesuítas abrirão a possibilidade das mulheres se juntarem a suas fileiras. As pessoas podem se surpreender ao saber que a questão era um tema quente no início da fundação da ordem, quando Santo Inácio de Loyola era seu superior geral. Inácio se opôs às mulheres jesuítas por razões culturais, práticas e canônicas, mas outros jesuítas não. Como resultado do conflito, um dos melhores amigos de Inácio até processou a Companhia de Jesus.

Indiscutivelmente, algumas das razões de Inácio não se aplicam mais, embora um fator ainda represente um obstáculo substancial. Para resolver a questão, precisamos esclarecer alguns conceitos.

Primeiro, ser jesuíta e ser sacerdote são realidades distintas. Um homem torna-se jesuíta quando faz votos de pobreza, castidade e obediência na Companhia de Jesus; por outro lado, um jesuíta torna-se padre quando um bispo impõe as mãos sobre ele no sacramento das ordens sagradas. Nem todos os jesuítas são padres. Aqueles que optam por não ser ordenados são chamados de irmãos jesuítas. Para os fins deste artigo, pressuponho que todos conhecem a impossibilidade da Igreja Católica de ordenar mulheres, com base na constituição divina, que permanece inalterado. Portanto, a questão é se a ordem pode admitir mulheres como irmãs jesuítas.

Em segundo lugar, a expressão ‘Jesuítas mulheres’ pode significar coisas diferentes. Por exemplo, numerosas congregações seguiram o modelo da Companhia de Jesus, fazendo do trabalho apostólico a ênfase principal de seu carisma, com os Exercícios Espirituais no centro de sua espiritualidade e as Constituições Jesuítas na base de suas próprias constituições. Um exemplo proeminente é a Venerável Maria Ward (1585–1645), que fundou dois grupos : a Congregação de Jesus e o Instituto da Bem-Aventurada Virgem Maria, este último também conhecido como Irmãs de Loreto. As pessoas até chamavam essas mulheres de jesuítas. Em espírito, então, as mulheres jesuítas existem há quatro séculos.

No século 16, muitos católicos acreditavam que eram obrigados a obedecer a seus diretores espirituais sob pena de pecado, e alguns até fizeram um voto nesse sentido. Consequentemente, algumas mulheres raciocinaram : ‘Se eu prometi obedecer ao meu diretor jesuíta, e ele jurou obedecer ao seu superior, então não sou uma jesuíta?’ Ainda outras mulheres fizeram votos privados de obedecer a Inácio e depois enviaram-lhe cartas indicando que estavam prontas para receber uma missão. Eles assinaram seus nomes com ‘S.J.’, iniciais da ordem.

Desde a Idade Média, alguns institutos religiosos, como os dominicanos e os franciscanos, tiveram filiais separadas para homens (as chamadas primeiras ordens) e para mulheres (segundas ordens). Eles não moram nas mesmas residências. As mulheres têm superiores femininas a quem juram obediência, que por sua vez podem responder aos superiores maiores das primeiras ordens, ou aos bispos ou outros clérigos. Por razões explicadas mais adiante neste artigo, a cultura medieval esperava que as segundas ordens adotassem um estilo de vida monástico, mesmo que seus homólogos masculinos fossem orientados para o apostolado. Um exemplo foram as Irmãs Clarissas. Como as freiras não podiam deixar seus conventos para frequentar as paróquias locais, a lei da Igreja muitas vezes obrigava seus colegas do sexo masculino a atender às necessidades sacramentais regularmente.

Alguns institutos possuem uma terceira ordem de leigos. Os arranjos variam muito, mas geralmente os institutos concordam em fazer do cuidado espiritual de suas ordens terceiras uma parte formal de seus ministérios, enquanto os leigos se dedicam à oração e obras de caridade. Um bom exemplo é Santa Catarina de Siena, uma leiga tradicionalmente retratada com o hábito dominicano. Esses membros de uma terceira ordem podem viver juntos em suas próprias comunidades; mas talvez com mais frequência, os indivíduos continuam morando em casa e cumprindo suas outras obrigações relacionadas à vida familiar e ao emprego secular.

A Companhia de Jesus nunca teve uma segunda ou terceira ordem, embora uma organização leiga chamada Congregação Mariana, que funcionou efetivamente como o equivalente a uma terceira ordem durante séculos.

Após o Concílio Vaticano II, por iniciativa da 31ª Congregação Geral dos Jesuítas em 1965, os Jesuítas em todo o mundo começaram a experimentar laços mais estreitos com os aliados leigos, sem os chamar de ordens terceiras. Em 1992, a Província de Wisconsin, nos Estados Unidos, iniciou um programa chamado Ignatian Associates. Pessoas solteiras e casadas fizeram promessas privadas de simplicidade, disponibilidade apostólica e fidelidade à missão da Companhia. Os superiores provinciais jesuítas enviaram indivíduos, e até casais com filhos, a obras jesuítas em cidades diferentes.

Infelizmente, as tensões cresceram entre os parceiros leigos e o círculo mais amplo de religiosos da Companhia de Jesus. Estes ressentiram-se do que consideraram elitismo por parte dos primeiros e do tratamento preferencial dado aos primeiros no que diz respeito a cargos e promoções. Com algumas exceções edificantes, os leigos frequentemente não podiam ou não queriam se mudar. Consequentemente, em 2008, a Congregação Geral 35 encerrou o envolvimento da Companhia nessas experiências, mas os Ignatian Associates continuam existindo e aceitando novos membros. Alguns membros ainda servem em obras jesuítas.

Finalmente, o termo ‘mulheres jesuítas’ pode denotar mulheres que fazem votos perante um membro autorizado da Companhia de obedecer a seu superior geral e, portanto, são filiadas à ordem em um sentido mais estrito. Durante a vida de Inácio, quatro mulheres fizeram esses votos. Para avaliar o significado de suas histórias, aqui estão quatro razões pelas quais Inácio resistiu a sua admissão.

A justificativa de Inácio

Os primeiros jesuítas conceberam a Companhia de Jesus a partir da formação e da mobilidade dos seus membros, prontos a qualquer momento para ir a qualquer lugar onde as necessidades da Igreja fossem maiores. Numa época em que a grande maioria dos europeus vivia e morria a menos de 30 quilômetros de onde nasceram, essa foi uma inovação significativa. Nem mesmo as ordens mendicantes deram tanta prioridade à mobilidade de todos os seus homens por uma questão de princípio.

No entanto, não existiam forças policiais estáveis, mas estradas escuras repletas de bandidos, as pousadas não eram seguras e os viajantes muitas vezes caminhavam ou cavalgavam no meio de exércitos em confronto. Em uma ocasião, um bandido emboscou Inácio na estrada e o espancou até matá-lo quase um centímetro. Outra vez, ele foi interrogado e revistado por soldados que o consideraram um espião. Anos depois, como superior geral, Inácio até recebeu notas de resgate de piratas que haviam sequestrado jesuítas. Ele foi obrigado a recusar, para que seus pagamentos não incentivassem mais do mesmo.

Em suma, Inácio considerou impraticável para a Companhia de Jesus expor as mulheres aos perigos das viagens apostólicas regulares, ainda mais porque a cultura desencorajava fortemente as mulheres a viajar sem acompanhantes masculinos. A inquisição certa vez prendeu Inácio por cinco semanas, sob a suspeita de que ele havia encorajado mãe e filha a fazerem uma peregrinação sozinhas. E uma vez ele veio ao resgate de duas peregrinas, uma mãe e uma filha, que os soldados estavam molestando. A mãe vestira a filha de menino em uma tentativa inútil de evitar atenção.

Uma segunda dificuldade foi a preocupação de Inácio em preservar a mobilidade de seus sacerdotes. Ele não queria que fossem responsáveis pelo cuidado pastoral das freiras de clausura, jesuítas ou não, o que exigiria que os padres permanecessem no mesmo lugar. Pela mesma razão, Inácio não queria que os jesuítas fossem bispos ou pastores paroquiais, duas decisões pelas quais o santo incorreu na ira de muitos clérigos e nobres que acreditavam que era elitista ou desatento ao bem maior.

Terceiro, Inácio era altamente sensível à reputação pública da ordem. Ao se recusar a trabalhar com uma segunda ordem, estava minimizando as oportunidades de acusações de má conduta sexual. Rumores sobre suas relações íntimas com devotas, benfeitoras, místicas e beatas (mulheres solteiras conhecidas por sua santidade e obras de caridade) dificultaram muito seu próprio ministério. As pessoas acusaram dois dos primeiros jesuítas, Francis Xavier e Jean Codure, de dormir com seus dirigidos. Na verdade, a aprovação papal da recém formada Companhia de Jesus foi quase totalmente frustrada quando um jovem chamado Miguel Landívar acusou Inácio e seus companheiros de heresia e ‘comportamento imoral’, o que significa falta de castidade heterossexual e homossexual. Landívar estava com raiva porque Inácio se recusou a deixá-lo fazer parte do grupo. O tumulto público em Roma durou oito meses antes que Inácio pudesse refutar as alegações de Landívar no tribunal.

O clima religioso agravou o problema. Numa época em que os temores de heresia eram abundantes, as acusações de má conduta eram um meio fácil e eficaz de minar o trabalho de místicos e inovadores. Rumores giravam em torno de Santo Antônio Zaccaria e da condessa Luisa Torelli, sua dirigida espiritual, enquanto fundavam os Barnabitas e as Angélicas. O teólogo dominicano Melchior Cano, um crítico feroz da Companhia – chamou os jesuítas de ‘emissários do Anticristo’ – afirmou que os jesuítas e as angélicas dormiam regularmente nas mesmas camas para mortificarem suas paixões.

Uma quarta dificuldade era (e ainda é) que a Companhia é um tipo particular de ordem religiosa chamada de clérigos regulares. Outras ordens desse tipo, que se originaram no início do século 16, incluem os teatinos, os barnabitas e os somascos. Pelo menos em teoria, o sacerdócio ordenado é essencial para os carismas dos clérigos regulares, razão pela qual as pessoas frequentemente os chamam de padres reformados. Em contraste, o monaquismo havia começado como um movimento leigo na igreja antiga; e entre os fundadores mendicantes encontramos o exemplo de São Francisco de Assis, que não era sacerdote.

No entanto, em comparação com outros clérigos regulares, o sacerdócio é vital para o carisma jesuíta. Como Inácio explicou nas Constituições, o propósito da ordem é trabalhar em obras que sirvam à maior glória de Deus, que também chamou do bem mais universal. Ou seja, quando apresentados a duas ou mais opções ao serviço de Deus, os jesuítas devem se esforçar para discernir e escolher as opções que prometem um impacto mais amplo ou mais duradouro. Inácio pensou que, sendo todas as missões da Igreja urgentes, os padres devotos e educados seriam úteis em contextos de maior necessidade, e podiam envolver as pessoas mais profundamente por meio do ministério sacramental – eles são mais universais, por assim dizer – do que pessoas devotas que são incultas ou não ordenadas. Nesse sentido, o sacerdócio é tanto um símbolo quanto o meio mais propício para o fim adequado da Sociedade.

Então por que a Sociedade tem irmãos Jesuítas? Em 1546, Inácio pediu ao papa Paulo III a permissão para aceitar leigos qualificados (irmãos) e padres devotos, mas sem educação (coadjutores espirituais) na Companhia como trabalhadores temporários que poderiam aliviar as demandas práticas e pastorais feitas à Companhia. Inácio pretendia dispensá-los quando não precisasse mais de seus serviços. Diante disso, faz sentido que não os considerasse membros plenos da Companhia. Na prática, entretanto, e desde o início, esses homens passaram toda a sua vida na Companhia. Parece que os superiores raramente ou nunca demitiam bons irmãos e padres, presumivelmente porque seus serviços eram sempre necessários e porque haviam formado laços fraternos com seus companheiros. Como resultado, já no próprio mandato de Inácio como superior geral, um irmão do Colégio Romano chamado Juan de Alba lamentava que os irmãos fossem membros de segunda classe da ordem.

Para ser franco, as tensões continuam a respeito do lugar dos irmãos e coadjutores espirituais na Companhia. Muitos têm sofrido o fato de os irmãos não poderem ser superiores maiores (superiores provinciais ou regionais) ou superiores de comunidades locais. Da mesma forma, os coadjutores espirituais não podem votar nas congregações provinciais, nem ser eleitos superiores provinciais ou membros votantes das congregações gerais. Nenhum destes grupos faz o quarto voto especial de obediência ao papa em questões de missão, que Inácio considerava uma marca registrada do carisma jesuíta. Desde o Concílio Vaticano II, muitos jesuítas desejaram mudar a lei e a prática da Companhia nessas questões. Outros jesuítas, bem como alguns papas recentes e outros clérigos da cúria romana, opuseram-se a permitir que os irmãos fizessem o quarto voto, alegando que seria incompatível com o caráter sacerdotal da Companhia, conforme especificado na Fórmula do Instituto, a Carta aprovada por Paulo III em 1539. A Fórmula é lei pontifícia, o que significa que a Companhia não pode alterá-la sem a aprovação papal.

Após sua conversão, Inácio dependeu muito de mulheres ricas para financiar sua educação e viagens. Em Barcelona, especialmente, seus devotos formaram uma espécie de círculo inaciano dedicado à oração e a obras de caridade. Pouco depois da fundação da Companhia, Inácio enviou dois jesuítas a Barcelona, os quais estabeleceram amizade com essas mulheres.

O centro do círculo era Isabel Roser, esposa de um comerciante de tecidos, que Inácio conhecera cerca de um ano após sua experiência de conversão. Os Rosers levaram Inácio para sua casa, pagaram sua peregrinação a Jerusalém e, depois, suas aulas de latim e filosofia em Barcelona. Isabel permaneceu em contato com Inácio durante suas viagens subsequentes. Isabel lhe enviava fundos conforme necessário e recrutava outras mulheres nobres para o círculo de Barcelona. Mais tarde, Inácio se referiu a ela como ‘a mãe boa e gentil que você tem sido para mim há tanto tempo’.

O marido de Isabel morreu em 1541, um ano após a fundação da Companhia. Nesse momento, decidiu ir a Roma e fundar uma congregação de mulheres sob a obediência de Inácio. Contudo, Inácio tentou dissuadi-la em várias cartas, mas seus dois amigos jesuítas apoiaram o plano, sugerindo que mudaria de ideia se ela apresentasse seu caso cara a cara. Mas quando Isabel chegou à porta de Inácio, ele se manteve firme.

Isabel escreveu então uma carta a Paulo III na qual pedia que o papa ordenasse a Inácio que recebesse seus votos e os de sua serva, Francisca Cruyllas. Como um presságio das dificuldades que viriam, ela também pediu ao papa que anulasse a ordem de Inácio de que seus dois amigos jesuítas deixassem Barcelona. O papa acedeu ao primeiro pedido e, em 25 de dezembro de 1544, as duas mulheres e uma terceira, Lucrezia di Brandine, professaram votos simples perante Inácio. Isabel doou o restante de sua propriedade à Companhia, e as mulheres mudaram-se para a Casa de Santa Marta, uma residência para mulheres fundada por Inácio.

Muitas mulheres leigas e freiras na Espanha e na Itália assistiram a esses acontecimentos com entusiasmo. No entanto, se havia alguma esperança real de que Inácio mudasse de ideia, Isabel fez poucos esforços ao seu favor. De acordo com os jesuítas em Roma naquela época – admitindo que eles poderiam ter enfeitado um pouco a história, pelas resistências – ela exigia conversas quase diárias com Inácio. Durante suas frequentes crises de doença, insistia em cuidar dele, enquanto proibia os jesuítas de entrarem em seu quarto. Isabel continuou criticando os clérigos da Cúria papal, exigia os melhores diretores espirituais jesuítas em Roma e gastava o dinheiro da Companhia sem consultar Inácio. Um irmão jesuíta descontente foi designado para ser o servo de Isabel, cuidando de seu cavalo e limpando seus aposentos – embora, para ser justo com Isabel, pois mulheres ricas que se juntavam a conventos muitas vezes tinham permissão para ter seus próprios criados.

Em maio de 1546, a pedido de Inácio, o papa rescindiu sua permissão. Na época, os dois sobrinhos de Isabel estavam em Roma, irritados por ela ter dado sua herança à ordem (pois não tinha filhos.) Eles a convenceram a processar a ordem, dizendo que Inácio era um hipócrita e um ladrão que nunca havia levado a sério a ideia de acolhê-la. Mas Inácio manteve registros cuidadosos de seus presentes e despesas. Ele os apresentou no tribunal, demonstrando que Isabel devia dinheiro à Companhia.

No final, Isabel Roser e Francisca Cruyllas ingressaram em conventos em Barcelona e Lucrezia di Brandine em Nápoles. Isabel escreveu uma carta comovente para Inácio em dezembro de 1547, pedindo perdão pelas dificuldades que havia causado, morrendo em 1554, dois anos antes de Inácio.

Juana da Áustria é a única mulher que morreu sendo jesuíta. Juana era irmã do rei Filipe II da Espanha e tornou-se governante interina quando Filipe se mudou para a Inglaterra para se casar com Maria Tudor. Juana tinha apenas 19 anos. Estiveram presentes na corte espanhola seu diretor espiritual, Francisco de Borja, S.J., e um pregador da corte, Antonio Araoz, S.J. Pouco depois de assumir sua regência, ela informou aos dois jesuítas seu desejo de ingressar na Companhia.

Os padres Borja e Araoz estavam entusiasmados; na verdade, Araoz foi um dos dois jesuítas que encorajou Isabel uma década antes. Inácio estava em uma posição difícil, pois precisava do apoio da princesa para que a Companhia sobrevivesse na Espanha. Recusá-la totalmente não era uma opção. Mas os conflitos de interesses e os inevitáveis ciúmes políticos e eclesiais tornaram toda a situação um tanto absurda. Dadas suas responsabilidades políticas, por exemplo, era impossível para ela viver os votos de pobreza ou de obediência de qualquer forma prática, e teria que ser dispensada de qualquer voto de castidade assim que um casamento político fosse imposto a ela.

Em outubro de 1554, Inácio se encontrou com os jesuítas em Roma para discutir suas opções em relação a um certo Mateo Sánchez. O nome era um pseudônimo de Juana, caso alguém interceptasse suas cartas. Inácio decidiu permitir que Juana fizesse votos perpétuos simples, do mesmo tipo que faziam os escolásticos jesuítas. Isso significava que, no que dizia respeito a Juana, ela era obrigada perante Deus a manter seus votos por toda a vida; mas seus votos não prendiam Inácio, e ele poderia libertá-la dos votos a qualquer momento.

Depois disso, Juana se dedicou a criar uma cultura de modéstia e devoção religiosa na corte espanhola, de modo que observadores desavisados começaram a descrever o palácio como um convento. Ela fez doações para os colégios jesuítas de Roma e Valladolid, supervisionou projetos para os pobres e para a reforma de conventos, e defendeu a Companhia de seus críticos, incluindo o já citado Melchior Cano. Ela até protegeu Borja de se tornar um cardeal, um cargo que Inácio desejava que os jesuítas evitassem o máximo possível.

Houve dificuldades. Juana e Borja se associavam tão intimamente que seu próprio irmão suspeitava que eles tinham um caso. Como Isabel, ela ficou descontente quando Inácio tentou designar seus jesuítas favoritos para outro lugar. Juana ordenou que Borja e Araoz permanecessem na corte e, em seguida, escreveu a Inácio, basicamente informando-o de que ele não poderia tê-los para outras missões. Também ‘pediu’ para Inácio que a tornasse superiora religiosa local, para que seu dever de obedecê-la sob a sagrada obediência pudesse aumentar a obediência política que já lhe deviam.

Juana perdeu seu poder aos 24 anos, quando Felipe voltou para a Espanha. Ela continuou a viver de forma ascética e fundou várias comunidades de mulheres. Filipe, sem saber que sua irmã era jesuíta, tentou arranjar um casamento. Entre os maridos em potencial estavam o rei francês, arquiduques e até o sobrinho de Juana. Mas não deu em nada. Juana manteve contato com Borja depois que ele se tornou o terceiro superior geral da Sociedade, e acabou falecendo em 7 de setembro de 1573, aos 38 anos.

E agora?

Quais são as chances de termos mulheres jesuítas hoje? Por amor à caridade para com aqueles com desejos fervorosos de ingressar na Companhia, definirei os seguintes pontos sem rodeios. Peço aos leitores que não interpretem isso como uma insensibilidade aos sentimentos profundos que cercam este assunto.

Se alguém entender o termo ‘mulheres jesuítas’ como significando mulheres com votos de obediência ao superior geral da Companhia, então isso simplesmente não vai acontecer em um futuro previsível. Isso contradiz o carisma sacerdotal da ordem que Inácio e seus primeiros companheiros pretendiam, um carisma que foi aprovado e cimentado por uma carta papal. Consequentemente, só uma intervenção extraordinária de um papa tornaria isso possível, ou até factível.

Considerado hipoteticamente, como uma questão de discernimento, o fator determinante teria de ser se a admissão de mulheres Preparará melhor a Companhia de Jesus a servir ao bem mais universal das almas, em oposição a admitir mulheres para satisfazer seus próprios desejos sagrados (Inácio foi bastante consistente nesse ponto quando se tratou da admissão individual de homens). E não é óbvio se esse seria ou não o caso, à luz das relações frutíferas que a Companhia já desfruta com seus colegas leigos, e à luz de as tensões humanas, obstáculos logísticos e custos adicionais que poderiam surgir.

Por exemplo, as mulheres jesuítas não poderiam ser superiores locais ou provinciais, não poderiam ser eleitas membros votantes das congregações gerais e não poderiam fazer o quarto voto, o que multiplicaria exponencialmente a inquietação que já existe na Companhia sobre estes assuntos. Os jesuítas homens e mulheres não poderiam viver juntos, mas casas separadas para as mulheres criariam uma subcultura na Companhia que Inácio tentava ardentemente evitar. As experiências recentes da ordem com parceiros leigos ilustram outras dificuldades mencionadas que poderiam surgir.

Por essas razões, a questão das mulheres jesuítas não está no radar da Companhia universal. Ou seja, não tem sido assunto de conversa séria em nenhuma das seis congregações gerais mantidas desde o Vaticano II.

Se alguém entender ‘mulheres jesuítas’ como significando congregações que seguem o modelo de atuação da Companhia, mas que respondem a seus próprios superiores, a boa notícia é que já existem vários grupos desse tipo, com diferentes missões em todo o mundo. Na verdade, Inácio expressou apoio a congregações desse tipo. Em 1546, o santo escreveu um memorando aos jesuítas em Gandía e Valência no qual rejeitou a admissão de mulheres na ordem, citando as razões acima mencionadas. Mas acrescentou : ‘[E] a fim de ganhar mais almas e servir a Deus nosso Senhor de forma mais universal em todas as coisas com maior fruto espiritual, estamos convencidos de que seria um trabalho bom e santo [para você] criar uma sociedade de nobres damas [compañía de señoras] e de outras mulheres que pareçam idôneas a Nosso Senhor, seja de acordo com as orientações que envio junto com este memorando, seja como lhe pareça melhor’.

O bem universal das almas

A essa ideia, as pessoas hoje costumam responder com um suspiro bem-humorado : ‘Oh, não é a mesma coisa’. Não, admito que não é. Mas no interesse de um bom discernimento, a pessoa deve nomear o contraste e, em seguida, perguntar se isso justifica não ingressar em uma congregação de mulheres. Talvez uma pessoa esteja pensando em seu amor pela Companhia, ou por alguns jesuítas que conheceu. Talvez deseje desempenhar seu próprio papel na história da ordem. Mas se o único propósito de uma pessoa é servir ao bem mais universal das almas, levando em consideração seus dons, limitações e circunstâncias – Inácio chamou isso de intenção pura – então as outras motivações não são realmente os critérios adequados para um discernimento vocacional.

Explicando de outra forma. Em três ocasiões, mulheres casadas com filhos me disseram que teriam se tornado jesuítas, mas porque não podiam, casaram-se. Acredito que foram sinceras. Mas também me pergunto como reagiriam se suas filhas lhes dissessem : ‘Eu queria me casar com Fulano de Tal, a quem amo e é perfeito para mim, mas como ele disse 'não', renuncio ao casamento e me torno uma freira’.

A Companhia de Jesus deve sua existência em grande parte à generosidade e amizade das mulheres. Inácio dificilmente ignorou isso quando liberou sua velha amiga Isabel de seus votos. Também é verdade que muitas das obras da Companhia hoje não seriam viáveis sem seus colegas leigos e benfeitores. Os jesuítas modernos também estão altamente conscientes disso. Se é possível que existam dívidas entre servos quando essas dívidas são contraídas no serviço do mesmo senhor (Lc 17, 7-10), então esta é uma dívida que a Companhia nunca será capaz de pagar.

A Congregação Geral 35 observou que Inácio reconheceu os benefícios da colaboração com os leigos desde o início. A serviço do bem mais universal, os primeiros jesuítas estabeleceram numerosas organizações que operavam em conjunto com a Companhia, mas sem vínculos jurídicos com ela. Hoje, a cooperação leigo-jesuíta na missão continua de uma forma ainda mais rica. A G.C. 35 chamou esta colaboração da maneira particular como a Companhia de Jesus responde às necessidades do mundo, porque ‘a colaboração na missão é o modo de respondermos a esta situação : exprime a nossa verdadeira identidade como membros da Igreja, a complementaridade dos nossos diferentes chamados à santidade, a nossa mútua responsabilidade pela missão de Cristo e o nosso desejo de nos unir a pessoas de boa vontade, no serviço à família humana e na instauração do Reino de Deus’.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1497918/2021/02/argumentos-de-santo-inacio-contra-mulheres-jesuitas-sao-atuais/

domingo, 22 de novembro de 2020

Jesuítas apresentam guia para a pastoral em tempos de pandemia

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)        

 
Em vista do bem mais universal, jesuítas buscaram preservar a saúde de seus membros

*Artigo do Padre Aaron Pidel, SJ 

Tradução : Ramón Lara


Experiência com a ‘Peste de Milão’ ilustra o discernimento necessário para a suspensão ou não de ministérios

 

‘Quando a Igreja Católica optou por se tornar virtual para seus encontros da Semana Santa no ano passado, tive dúvidas sobre a escala de valores relativa que isso implicava. Jesus certamente nos ensina a priorizar a saúde espiritual sobre as questões temporais : ‘E não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei antes aquele que pode fazer perecer no inferno a alma e o corpo’ (Mt 10,28). Além disso, como jesuíta, estou angustiado pelas histórias de padres mais velhos, nossos antecessores, que se colocaram em perigo para levar a palavra de Deus aos fiéis no passado. ‘Para que servem os filhos de Loyola’, perguntou o bem-aventurado Miguel Pró numa carta escrita pouco antes do seu martírio, ‘se fogem ao primeiro sinal?’. O cancelamento dos sacramentos e ministérios por causa do coronavírus refletiria uma perda de fé ou pelo menos de coragem?

Com essa questão um tanto inquietante em mente, comecei a estudar o registro histórico, especialmente a resposta pastoral dos jesuítas na Itália à chamada Peste de São Carlos em Milão (1576-78). O que encontrei me surpreendeu. Mesmo no contexto da peste, os jesuítas restringiram as ofertas sacramentais para preservar a vida temporal, embora não a vida por si mesma. Mas, ao moderar estrategicamente sua ousadia, eles começaram a brigar com ninguém menos do que com São Carlos Borromeu. O ‘estudo de caso’ pode fornecer um padrão mais indulgente para avaliar a resposta pastoral da Igreja contemporânea.

Antes de descrever em detalhes a estratégia pastoral dos jesuítas e sua lógica, é importante observar algumas semelhanças e diferenças importantes entre la peste di San Carlo e nossa nova pandemia de coronavírus. Às vezes, presume-se que os primeiros modernos não tinham noção do contágio interpessoal e, portanto, do perigo que os ministros no meio da praga representavam, não apenas para eles mesmos, mas para os outros. Isto é falso. No século 16, o conselho de saúde milanês subscreveu a teoria do contágio, tomando isso como a justificativa para confinar os doentes em um hospital isolado (um lazaretto) fora das muralhas da cidade. A peste de Milão revelou-se muito mais virulenta do que a Covid-19. A maioria estima que ao longo de 18 meses, atingiu cerca de 17 mil milaneses, cerca de 15% da população da cidade. O número proporcional de mortes nos Estados Unidos seria de quase 50 milhões. Em suma, os jesuítas milaneses enfrentaram uma crise de saúde que, embora análoga à nossa, pertencia a outra ordem de magnitude.

Como os jesuítas em Milão reagiram a uma peste considerada altamente contagiosa? De acordo com o livro Plague? Contos jesuítas de doenças epidêmicas no século 16, de A. Lynn Martin, os religiosos adotaram o que era mais ou menos a política jesuíta ‘oficial’ para a pastoral no tempo da peste. Com a bênção do superior geral jesuíta, Everard Mercurian, isolaram a maioria dos jesuítas enquanto dedicavam alguns sacerdotes aos ministérios espirituais vitais para as vítimas da peste, especialmente a confissão. Naquela época, Milão tinha comunidades jesuítas vinculadas ao Collegio di Brera e à paróquia de San Fedele. Os religiosos mantiveram os professores e acadêmicos na faculdade, de longe o grupo maior, mas deixaram um punhado de voluntários na Casa di San Fedele para cuidar das vítimas da peste. Dois dos voluntários jesuítas caíram na peste quase imediatamente, e outros então se ofereceram para ocupar seu lugar. Embora os jesuítas não se esquivassem do heroísmo, canalizavam seus impulsos heroicos para colher os maiores dividendos espirituais de seu investimento na vida.

Essa resposta, entretanto, não agradou a todos. São Carlos Borromeu, então cardeal e arcebispo de Milão, censurou amargamente a Ordem Religiosa ao saber que os jesuítas de San Fedele não estavam junto aos enfermos, mas apenas ouvindo suas confissões. Um dos jesuítas do colégio, Bernardino Viottino, revelou em uma carta escrita ao padre Mercurian que tentou em vão apaziguar o arcebispo junto às autoridades teológicas. Tendo aduzido fortes opiniões contra a existência de uma estrita obrigação de dispensar a Comunhão às vítimas da peste, Viottino concluiu : ‘Monsenhor, ensinamos a doutrina que recebemos dos santos doutores e nada mais’. O cardeal Borromeo respondeu : ‘Você não é bispo e não cabe a você dizer o que devemos fazer. Não gosto desta doutrina e não a quero’. Sem dúvida, o arcebispo preferiu a abordagem dos capuchinhos, que enviaram seus frades em massa para ministrar no lazaretto, perdendo 10 ao todo. A Companhia de Jesus claramente usou critérios diferentes para determinar o escopo de sua resposta.

Que princípios guiaram sua deliberação? Os dois mais significativos eram a indiferença, no sentido jesuíta, e o bem mais universal. A indiferença jesuíta encontra expressão clássica no Princípio e fundamento, a consideração introdutória no livro dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio. Depois de observar que o propósito das pessoas humanas é ‘louvar, reverenciar e servir a Deus nosso Senhor, e por este meio salvar suas almas’, o Princípio e fundamento chega a uma conclusão bastante estimulante : ‘é necessário fazer-nos indiferentes a todas as coisas criadas, em tudo o que é concedido à liberdade do nosso livre arbítrio, e não lhe está proibido; de tal maneira que, da nossa parte, não queiramos mais saúde que doença, riqueza que pobreza, honra que desonra, vida longa que vida curta, e consequentemente em tudo o mais; mas somente desejemos e escolhamos o que mais nos conduz para o fim para que somos criados’. Essa indiferença à saúde implica, é claro, que um bom jesuíta arriscará sua saúde quando a salvação de almas o exigir. Mas a indiferença à doença, também implícita, significa que um bom jesuíta também não insistirá na autoimolação imprudente. A opção a ser escolhida deve depender unicamente de seu fim : o serviço divino.

De acordo com as constituições jesuítas, porém, este serviço divino maior é praticamente sinônimo do ‘bem mais universal’ : ‘Quanto mais universal é o bem, mais divino’. Este segundo princípio estabelece que os superiores jesuítas, olhando para a Igreja ‘universal’ ao invés de uma única região, devem priorizar missões que atendam às necessidades espirituais mais urgentes ou tenham uma influência espiritual de maior alcance.

Dado esse padrão na escolha das missões, facilmente se percebe por que os jesuítas chegaram a um julgamento prudente diferente daquele do cardeal Borromeo, cujo único horizonte pastoral permaneceu sendo sua diocese infestada de pragas. Como membros de uma ordem religiosa internacional, em contraste, o horizonte dos jesuítas incluía um empreendimento educacional extenso, mas cronicamente insuficiente. Em 1575, os jesuítas tinham 3.905 membros e 210 escolas, muitos deles em regiões de campo de batalha religiosa como a Alemanha. Diante desta situação, continuaram favorecendo a política que Juan de Polanco propôs a São Pedro Canísio já em 1562 :

A escassez de membros que temos na Alemanha obriga-nos a conservá-los da melhor maneira possível para o serviço divino e o bem comum. Embora devamos preferir o bem da alma alheia à nossa própria vida, não devemos expor a vida de um servo eficaz apenas para o consolo de uma pessoa, porque se o servo viver, poderá ajudar muitas almas.

Tendo responsabilidades diferentes das do cardeal Borromeo e ministérios tradicionais diferentes dos praticados pelos capuchinhos, os superiores jesuítas julgaram que o ‘bem mais universal’ seria mais bem servido pelo espírito de prudência e conservação do corpo docente da Ordem.

Em comparação com a abordagem dos jesuítas milaneses às doenças epidêmicas, a resposta da nossa Igreja contemporânea mostra diferenças instrutivas e semelhanças reconfortantes. Do lado das diferenças, os jesuítas milaneses priorizaram a confissão como o sacramento mais coerente com sua segurança. Os jesuítas teriam ficado intrigados ao ver como algumas paróquias durante a pandemia efetivamente suprimiram a confissão ou a restabeleceram por último, depois de todos os outros sacramentos.

Do lado das semelhanças, os jesuítas do século 16, assim como os pastores contemporâneos, não hesitaram em restringir os serviços sacramentais quando confrontados com doenças epidêmicas. Embora alguns, sem dúvida, acabem se afastando do apego excessivo à vida terrena, há boas razões para pensar que muitos permaneceram verdadeiramente indiferentes. Considerando imparcialmente que sua longevidade serviria melhor ao ‘bem mais universal’, eles exibiam uma espécie de autopreservação altruísta. Gosto de pensar que muitos na Igreja contemporânea, ordenados ou leigos, também são motivados por esta indiferença inaciana.

A estratégia pastoral jesuíta do século 16 sugere como se pode enquadrar a escala de valores do Evangelho com uma redução dos sacramentos em tempos de praga. Para aqueles jesuítas, a suspensão sacramental refletia não um medo excessivo do que pode ‘matar o corpo’, mas um julgamento prudente sobre o que pode salvar mais almas. Até o beato Miguel Pró admitia esse critério. Logo após perguntar retoricamente se os ‘filhos de Loyola’ poderiam fugir da luta algum dia, ele se conteve com humildade : ‘Não estou falando em geral; entendo que alguns certamente devem ser poupados, porque serão muito úteis algum dia’.

As palavras de Miguel Pro, portanto, têm duas formas. Lembram aos cristãos que optar pela autopreservação nem sempre é ‘vender’ ou diluir o Evangelho. Mas também lembram aos cristãos que, do ponto de vista do Evangelho, o objetivo de se abster dos sacramentos por um período não é viver mais; mas vivendo mais, sermos mais úteis.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1484257/2020/11/jesuitas-apresentam-guia-para-a-pastoral-em-tempos-de-pandemia/

segunda-feira, 29 de junho de 2020

Astrônomo do Vaticano se torna o 11º jesuíta que dá nome a um asteroide

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)        

  O padre jesuíta Chris Corbally, astrônomo do Observatório do Vaticano, celebra a missa para os membros da Oficina de Fé e Astronomia da instituição no Centro de Renovação Redentorista 13 de janeiro de 2016, em Tucson, Arizona

O padre jesuíta Chris Corbally, astrônomo do Observatório do Vaticano, celebra a missa para os membros da Oficina de Fé e Astronomia da instituição no Centro de Renovação Redentorista 13 de janeiro de 2016, em Tucson, Arizona

*Artigo de Dennis Sadowski,

publicado originalmente por Crux

Tradução : Ramón Lara

 

‘Mais um jesuíta passou a ter um asteroide com seu nome. O padre Chris Corbally, um astrônomo estelar do Observatório do Vaticano, teve seu nome associado a um corpo rochoso no cinturão de asteroides que orbita o sol em pouco menos de quatro anos. 

A honra foi uma surpresa, disse Corbally. ‘Eu não sou o tipo de asteroide’, como outros dos seus colegas do observatório, disse . ‘Para mim, foi uma completa surpresa. É uma maravilha’. 

O asteroide em particular, designado com o código 119248 Corbally, tem mais de 1,6 metros. Foi descoberto em 10 de setembro de 2001 por Roy Tucker, um engenheiro sênior recém-aposentado do Imaging Technology Laboratory da Universidade do Arizona. 

Tucker trabalhou extensivamente com os astrônomos do Vaticano. Seu trabalho incluiu a construção e manutenção de câmeras de dispositivos acoplados a carga, usadas para imagens digitais de objetos celestes no Laboratório de Tecnologia Avançada do Vaticano, bem como em telescópios usados por Corbally no Observatório Steward da Universidade do Arizona. 

Nomear um asteroide requer a aprovação de um comitê da União Astronômica Internacional (IAU). Uma vez nomeado, uma breve citação sobre a pessoa que está sendo homenageada é publicada em uma circular do Minor Planet Center da IAU. 

Os asteroides são pequenos corpos rochosos que orbitam o sol. Milhares deles estão localizados no cinturão de asteroides entre as órbitas de Marte e Júpiter. Mas alguns têm órbitas que os levam a outros locais do sistema solar. 

Nascido em Londres, Corbally, 74 anos, trabalha na equipe do Observatório do Vaticano desde 1983. Ele ingressou no observatório após concluir o doutorado em astronomia pela Universidade de Toronto. Foi vice-diretor do Grupo de Pesquisa do Observatório do Vaticano até 2012. 

Corbally tem uma ampla gama de interesses de pesquisa. Eles abrangem vários sistemas estelares, classificação espectral estelar, atividade em estrelas do tipo solar, estrutura galáctica e regiões de formação estelar e tecnologia de telescópios. 

Eu sou um homem muito das estrelas. Mas percebendo que as estrelas estão em nossa galáxia, também estou interessado na estrutura da galáxia e na história das populações de estrelas nela. Minha maneira de investigar tudo isso é através das estrelas individuais’, disse o astrônomo. 

A pesquisa atual do jesuíta concentra-se nas características da senciência humana no contexto da evolução. [A senciência é a capacidade de sentir, de entender ou de perceber algo por meio dos sentidos. Alguns biólogos acreditam na senciência dos golfinhos]. 

Uma pesquisa do Observatório do Vaticano descobriu pelo menos 10 asteroides com nomes de jesuítas, incluindo Santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus.  

Outros asteroides foram nomeados com os nomes de jesuítas contemporâneos de Corbally : o irmão Guy Consolmagno, diretor do Observatório do Vaticano e presidente de sua fundação, o padre Richard Boyle e o padre Jean Baptiste Kikwaya, astrônomos do observatório, e o padre Robert Macke, cientista pesquisador e curador de meteoritos do observatório.  

Além disso, outros asteroides foram nomeados pelo padre George Coyne, o diretor do observatório que morreu no dia 11 de fevereiro deste ano; o padre Christopher Claviu, cujas medidas matemáticas ajudaram a desenvolver o calendário gregoriano; o padre Roggiero Boscovich, um matemático do século 18; o padre Maximilian Hell, que determinou o paralaxe solar a partir das observações de Vênus enquanto transitava em frente ao sol em 1769; e o padre Angelo Secchi, diretor do observatório do Colégio Romano durante o século 19.’ 

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1456067/2020/06/astronomo-do-vaticano-se-torna-o-11-jesuita-que-da-nome-a-um-asteroide/


quarta-feira, 30 de julho de 2014

Santo Inácio de Loiola, Presbítero

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)


Nasceu em Loiola na Cantábria (Espanha), em 1491; viveu primeiramente na corte e seguiu a carreira militar. Depois, consagrando-se totalmente ao Senhor, estudou teologia em Paris, onde reuniu os primeiros companheiros com quem mais tarde fundou, em Roma, a Companhia de Jesus. Exerceu intensa atividade apostólica não apenas com seus escritos, mas formando discípulos que muito contribuíram para a reforma da Igreja. Morreu em Roma no ano de 1556.


A Liturgia das Horas e a reflexão no dia de Santo Inácio de Loiola,
Presbítero :

Ofício das Leituras

Segunda leitura
Da Narrativa autobiográfica de Santo Inácio, recolhida de
viva voz pelo Padre Luís Gonçalves da Câmara
(Cap.1,5-9:Acta Sanctorum Iulii,7 [1868],647)  (Séc.XVI)

Provai os espíritos a ver se são de Deus
Inácio gostava muito de ler livros mundanos e romances que narravam supostos feitos heróicos de homens ilustres. Assim que se sentiu melhor, pediu que lhe dessem alguns deles, para passar o tempo. Mas não se tendo encontrado naquela casa nenhum livro deste gênero, deram-lhe um que tinha por título A vida de Cristo e outro chamado Florilégio dos Santos, ambos escritos na língua pátria.

Com a leitura freqüente desses livros, nasceu-lhe um certo gosto pelos fatos que eles narravam. Mas, quando deixava de lado essas leituras, entregava seu espírito a lembranças do que lera outrora; por vezes ficava absorto nas coisas do mundo, em que antes costumava pensar.

Em meio a tudo isto, estava a divina providência que, através dessas novas leituras, ia dissipando os outros pensamentos. Assim, ao ler A vida de Cristo Nosso Senhor e dos santos, punha-se a pensar e a dizer consigo próprio : ‘E se eu fizesse o mesmo que fez São Francisco e o que fez São Domingos?’ E refletia longamente em coisas como estas. Mas sobrevinham-lhe depois outros pensamentos vazios e mundanos, como acima se falou, que também se prolongavam por muito tempo. Permaneceu nesta alternância de pensamentos durante um tempo bastante longo.

Contudo, nestas considerações, havia uma diferença: quando se entretinha nos pensamentos mundanos, sentia imenso prazer; mas, ao deixá-los por cansaço, ficava triste e árido de espírito. Ao contrário, quando pensava em seguir os rigores praticados pelos santos, não apenas se enchia de satisfação, enquanto os revolvia no pensamento, mas também ficava alegre depois de os deixar.

No entanto, ele não percebia nem avaliava esta diferença, até o dia em que se lhe abriram os olhos da alma, e começou a admirar-se desta referida diferença. Compreendeu por experiência própria que um gênero de pensamentos lhe trazia tristeza, e o outro, alegria. Foi esta a primeira conclusão que tirou das coisas divinas. Mais tarde, quando fez os Exercícios Espirituais, começou tomando por base esta experiência, para compreender o que ensinou sobre o discernimento dos espíritos.


Fonte :
‘In Liturgia das Horas III’, 1460, 1461

              

domingo, 8 de junho de 2014

São José de Anchieta, Presbítero

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)


Nasceu a 19 de março de 1534 em Tenerife, nas Ilhas Canárias. Tendo entrado na Companhia de Jesus, foi enviado Às missões do Brasil. Ordenado sacerdote, dedicou toda a sua vida à evangelização das plagas brasileiras. Escreveu na língua dos indígenas uma gramática e, depois, um catecismo. Foi agraciado com o epíteto de “apóstolo do Brasil”. Faleceu a 9 de junho de 1597.


A Liturgia das Horas e a reflexão no dia de São José de Anchieta, Presbítero :

Ofício das Leituras

Segunda leitura
Das Cartas do Bem-aventurado José de Anchieta
ao Prepósito-Geral Diego Láyñez
(Carta de 1º de junho de 1560; cf. Serafim da Silva Leite SJ,
Cartas dos primeiros jesuítas do Brasil, vol. 3 (1558- 1563),
São Paulo 1954, p.253-255)     (Séc. XVI)

Nada é árduo aos que têm por fim somente a honra de Deus
e a salvação das almas
De outros muitos poderia contar, máxime escravos, dos quais uns morrem batizados de pouco, outros já há dias que o foram; acabando sua confissão vão para o Senhor. Pelo que, quase sem cessar, andamos visitando várias povoações, assim de Índios como de Portugueses, sem fazer caso das calmas, chuvas ou grandes enchentes de rios, e muitas vezes de noite por bosques mui escuros a socorrermos aos enfermos, não sem grande trabalho, assim pela aspereza dos caminhos, como pela incomodidade do tempo, máxime sendo tantas estas povoações e tão longe umas das outras, que não somos bastantes a acudir tão várias necessidades, como ocorrem, nem mesmo que fôramos muito mais, não poderíamos bastar. Ajunta-se a isto, que nós outros que socorremos as necessidades dos outros, muitas vezes estamos mal dispostos e, fatigados de dores, desfalecemos no caminho, de maneira que apenas o podemos acabar; assim que não menos parecem ter necessidade de ajuda os médicos que os mesmos enfermos. Mas nada é árduo aos que têm por fim somente a honra de Deus e a salvação das almas, pelas quais não duvidarão dar a vida. Muitas vezes nos levantamos do sono, ora para os enfermos, ora para os que morrem.

Hei me detido em contar os que morrem, porque aquele se há de julgar verdadeiro fruto que permanece até o fim; porque dos vivos não ousarei contar nada, por ser tanta a inconstância em muitos, que não se pode nem se deve prometer deles coisa que haja muito de durar. Mas bem- aventurados aqueles que morrem no Senhor (Ap 14,13), os quais livres das perigosas águas deste mudável mar, abraçada a fé e os mandamentos do Senhor, são transladados à vida, soltos das prisões da morte, e assim os bem-aventurados êxitos destes nos dão tanta consolação, que pode mitigar a dor que recebemos da malícia dos vivos. E contudo trabalhamos com muita diligência em a sua doutrina, os admoestamos em públicas predicações e particulares práticas, que perseverem no que têm aprendido. Confessam-se e comungam muitos cada domingo; vêm também de outros lugares onde estão dispersados a ouvir as Missas e confessar-se.


Fonte :
‘In Liturgia das Horas II’, 1625, 1626



quarta-feira, 2 de abril de 2014

São José de Anchieta, rogai por nós!

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

* Cardeal Dom Orani João Tempesta, O. Cist.,
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ


‘Um homem de Deus que soube acolher o chamado vocacional e viver nos inícios do Brasil protagonizando a fundação de colégios, cidades, entre as quais a do Rio de Janeiro. O Papa Francisco nos dá esse belo presente!

São dias de alegria indizível estes em que, de corações agradecidos, vivemos a canonização do Beato José de Anchieta (1534-1597), sacerdote jesuíta que, tanto no campo material quanto no espiritual, muito trabalhou pelo Brasil e, por esta razão, recebeu com carinho e justiça o codinome de “Apóstolo do Brasil”.

Antes de penetrarmos diretamente na vida desse grande homem de Deus, atentemo-nos para o rico significado catequético do momento em que estamos celebrando : uma canonização. Daí a questão : qual é, na Igreja, o real significado dos verbos beatificar e canonizar?

Beatificar é celebrar, em Roma ou fora dela, um ato solene no qual o Papa, pessoalmente ou através de um legado seu, declara que o (a) Servo(a) de Deus pode ser venerado(a) como Bem-Aventurado(a) ou Beato(a) por meio de uma festa em lugares delimitados como, por exemplo, as cidades em que viveu, atuou, morreu.

Canonizar é a ação pela qual o Papa declara que o(a) Bem-Aventurado(a) é Santo(a) ao inscrevê-lo no cânon (catálogo) dos santos, por isso se fala em canonização, termo utilizado pela primeira vez no século XII, em uma carta de Udalrico, Bispo de Constança, ao Papa Calixto II (1119-1124).

Tanto a beatificação quanto a canonização são funções reservadas ao Santo Padre – especialmente, de modo formal, a partir do século XII, com o Papa Alexandre III (1159-1181) –, embora as cerimônias correspondentes possam ser oficiadas por um delegado papal. Requer-se, para se declarar que alguém é beato(a) ou santo(a), a comprovação das virtudes heróicas do(a) candidato(a) nesta vida, de modo que ele(ela) mereça, por graça divina, gozar, atualmente, da visão de Deus face a face no céu. De lá, pode ser invocado oficialmente para interceder por nós e nos servir de modelo enquanto caminhamos nesta Terra rumo à Pátria definitiva.

Via de regra, são exigidos dois milagres – geralmente de recuperação completa da saúde –, como sinais comprobatórios da santidade do(a) Servo(a) de Deus em questão : um para a beatificação e outro para a canonização. Todavia, pode acontecer – como é o caso de Anchieta – o que chamamos de “canonização equipolente ou equivalente” e, para que ela ocorra, devem ser preenchidos três requisitos básicos : 1) a prova do culto antigo ao candidato a santo; 2) o atestado histórico incontestável da fé católica e das virtudes do candidato; 3)  a fama ininterrupta de milagres intermediados pelo candidato.

Isto posto, resta-nos regozijarmos, enquanto católicos e brasileiros, pela inscrição do nosso querido José de Anchieta no catálogo dos Santos por determinação do Santo Padre, o Papa Francisco, 34 anos depois de ser declarado Beato pelo Papa João Paulo II, em 22 de junho de 1980, ainda que o processo de beatificação tenha sido iniciado no já distante século XVII.

José de Anchieta nasceu em São Cristóvão, Tenerife, uma das ilhas espanholas do Arquipélago das Canárias, em 19 de março de 1534, dia dedicado, no calendário litúrgico, a São José, patrono da Igreja. Daí o seu nome de Batismo ser José de Anchieta.

Após estudar no famoso Colégio de Artes de Coimbra, ingressou, aos 17 anos, na Companhia de Jesus, dos Jesuítas, Ordem fundada por Santo Inácio de Loyola, em 1539 e aprovada pelo Papa Paulo III, em 1540. Recebeu aí boa formação em filologia e literatura e, sobretudo, aprendeu que vivemos neste mundo para “conhecer, amar e servir a Deus e, mediante isso, salvar nossa alma”. Aqui, tudo o que fizermos deve ser “Para a maior glória de Deus”.

Contudo, tão logo se fizera jesuíta foi provado com uma grave doença ósteo-articular, com fraqueza e dores em todo o corpo, durante dois anos, razão pela qual os superiores, após ouvirem os médicos, decidiram enviá-lo ao Brasil na esperança de que o bom clima da terra lhe fizesse bem. Era a ação providencial de Deus em sua vida e na dos brasileiros, daqueles e dos nossos tempos.

Chegou à Bahia de Todos os Santos, Salvador, em 13 de julho de 1553, com apenas 19 anos de idade, como irmão jesuíta, com um único objetivo : salvar almas para Cristo. De lá, deveria ir, junto com o Pe. Manuel da Nóbrega, seu superior, para a Capitania de São Vicente, litoral de São Paulo, a fim de catequizar indígenas e colonos. Como a viagem era também por mar, um fato inesperado aconteceu : no Sul da Bahia uma forte tempestade surpreendeu as duas embarcações e o barco em que estava Anchieta acabou ficando encalhado nos recifes.

Enquanto o veículo de viagem era consertado, conta-se que Anchieta, consciente de que depois da vinda de Cristo “o tempo se fez breve” (1Cor 7,29), foi à procura dos silvícolas da região e começou a lhes falar de Deus. Em uma dessas caminhadas, levaram-no até uma indiazinha que, doente, se encontrava em seus últimos dias nesta Terra. O padre a instruiu na fé e a batizou, dando-lhe o nome de Cecília. Era o primeiro sacramento que “o Apóstolo do Brasil” ministrava em seu tão vasto território de missão.

Chegando, finalmente, a São Vicente, Anchieta não parava um só instante : fazia contato com os habitantes do lugar para falar-lhes de Deus e, ao mesmo tempo, plantar as bases de uma vida mais digna e justa para todos. Não se limitou, porém, apenas à região praiana, mas, ao contrário, subiu a Serra do Mar, chegou ao Planalto de Piratininga e, no dia 25 de janeiro de 1554, festa da Conversão de São Paulo Apóstolo, participou da fundação do colégio da vila de São Paulo de Piratininga, onde também lecionou. Ao lado do colégio, construiu-se uma capela na qual foi celebrada a primeira Missa, em 25 de agosto daquele mesmo ano. Estava, assim, nascendo o núcleo da cidade que, com o passar dos anos, se tornaria uma das maiores metrópoles do mundo: São Paulo.

Foi superior da Capitania de São Vicente e também provincial dos jesuítas por 10 anos, ou seja, de 1577 a 1587. Logo aprendeu a língua tupi, falada pelos indígenas, e elaborou a primeira gramática tupi-guarani, traduzida para o alemão e o latim. Nosso santo criou, desse modo, uma língua-geral, que foi usada no Brasil até 1750, ano em que foi imposta a língua portuguesa. Compôs músicas, versos, danças e teatros em linguagem indígena. É chamado o “pai do teatro brasileiro” e grande nome da cultura nacional. Dentre seus dez livros está o que leva o título de “Poemas à Virgem Maria”, cuja maior parte foi redigida nas areias de Iperoig (hoje Ubatuba, SP), no período em que ficou refém dos índios tamoios. Escrevia em português, espanhol, latim e tupi-guarani.

Parecia arder em Anchieta as palavras de São Paulo, o Apóstolo das gentes : “Ai de mim se eu não anunciar o Evangelho” (1Cor 9,16). Daí ele valorizar a espontaneidade dos silvícolas que buscavam conhecer e praticar a fé católica, segundo se depreende das correspondências que o religioso mantinha com seus superiores na Europa. Em carta ao Padre Diogo Laínes, geral dos jesuítas, datada de 1565, Anchieta, ainda refém dos índios em Iperoig, relata que todas as manhãs, Pindobuçu, o chefe da tribo, ia visitá-lo para perguntar coisas sobre Deus. O religioso lhe mostrava, então, imagens de uma Bíblia ilustrada que possuía e isso causava muita admiração no índio que, na manhã seguinte, voltava para aprender mais (cf. Cartas. São Paulo: P.H.A Viotti, 1984, p. 222, vol. 6 das Obras Completas). Ao se referir aos tupis de São Paulo, o religioso jesuíta diz que eles “voluntariamente (...) vivem como cristãos, correspondendo plenamente ao esforço de seus catequistas” (Cartas, Jes. III, 316-317).

Nota-se, por esses dados, que poderíamos multiplicar o quanto Anchieta, agora nosso santo, viveu o ardor missionário que motivava os religiosos europeus a rumarem para as Américas, segundo se lê, com muita clareza, nesta constatação : “A única conversão que os evangelizadores pretendiam (e, em boa parte, conseguiram) era a conversão no plano sobrenatural : aceitação interna, sustentada pela graça de Deus, da fé na revelação divina, seguida da mudança de vida no intuito de ajustá-la aos preceitos divinos, como preparação para a vida eterna. Esta foi a suprema missão que Cristo confiou à sua Igreja : ‘Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a todas as criaturas. Quem crer e for batizado será salvo, quem não crer, será condenado’ (Mc 16,15s)” (João E. M. Terra. Catequese de índios e negros no Brasil colonial. Aparecida: Santuário, 2000, p. 38).

Esse ideal voltado ao sobrenatural não fez, no entanto, de Anchieta um alienado das coisas deste mundo. Ele bem parecia antever aquilo que, cerca de 410 anos depois, o Concílio Vaticano II (1962-65) ressaltaria na Gaudium et Spes : “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração. Porque a sua comunidade é formada por homens, que, reunidos em Cristo, são guiados pelo Espírito Santo na sua peregrinação em demanda do reino do Pai, e receberam a mensagem da salvação para comunicá-la a todos. Por este motivo, a Igreja sente-se real e intimamente ligada ao gênero humano e à sua história.” (n. 1). Daí, em 1555, por ocasião das invasões francesas ao Rio de Janeiro, ele esteve ao lado de Estácio de Sá, então governador, ajudando a conscientizar o povo de que não deviam aceitar os intrusos, pois eles planejavam dividir nossa gente.

Segundo o Postulador da causa, Padre César Augusto dos Santos, SJ : “Em 1º de novembro de 1566, Mem de Sá, o visitador, padre Inácio de Azevedo, o provincial, padre Luís da Grã, o segundo bispo do Brasil, Dom Pedro Leitão, José de Anchieta e outros jesuítas partem para o Rio de Janeiro, chegando à cidade no dia 19 de janeiro de 1567. Eles partiram na armada enviada pelo rei de Portugal, comandada pelo capitão Cristóvão de Barros. Imediatamente no dia seguinte à sua chegada, Mem de Sá, confiante na intercessão do padroeiro da cidade, São Sebastião, cuja festa litúrgica era naquele dia, desfechou um assalto ao forte que estava no atual Outeiro da Glória, o forte de Ibiraguaçu-mirim. Conta Anchieta, em sua “Informação do Brasil e suas Capitanias”, que depois de destruir dois fortes, Ibiraguaçu-mirim, na foz do rio da Carioca e Paranapucuí, na Ilha de Maracajá, atual Ilha do Governador, Mem de Sá mudou a cidade para o Morro de São Januário, depois chamado Morro do Castelo, de onde se tinha uma visão privilegiada da entrada da barra. No início do século 20, o morro foi demolido e o local ficou conhecido como Castelo ou Esplanada do Castelo. No ataque a Ibiraguaçu-mirim, Estácio de Sá, verdadeiro baluarte durante os dois anos da cidade, foi mortalmente ferido, vindo a falecer no dia 20 de fevereiro. Anchieta, que o acompanhou muito de perto, assim escreveu sobre esse capitão : “tão amigo de Deus, tão manso e afável, que nunca descansa de noite e de dia, acudindo a uns e a outros, sendo o primeiro nos trabalhos...” 

Contudo, como já vimos nesta reflexão, o que mais se destacava em Anchieta era o seu zeloso sacerdócio ministerial. Queria ele consumir-se como a chama de uma vela para o bem de todos, ministrando os Sacramentos, lecionando – aos índios pequenos ensinava latim e aos jesuítas europeus dava aulas de tupi – ajudando na edificação de vilas onde o povo pudesse viver dignamente. Morreu com 63 anos, no povoado que ele mesmo havia ajudado a edificar em 1569, Iritiba (hoje Anchieta, ES), na Capitania do Espírito Santo. Era o dia 9 de junho de 1597.

A partir daí, muitas pessoas passaram a recorrer ao “Apóstolo do Brasil” a fim de que ele intercedesse junto a Deus por elas. Nasceram disso muitos relatos de graças alcançadas pela intercessão de Anchieta entre nós, especialmente no campo da restituição da saúde, bem como a narração de fatos lendários e pitorescos como este : “Durante a vida do Pe. Anchieta (1534-1597), um barqueiro garantia a quantos quisessem ouvir. A barca em que viajava o Pe. Anchieta afundou. O padre ficou retido no fundo pela barca virada. E o barqueiro, até uma hora depois, viu o Pe. Anchieta tranquilamente lendo seu breviário lá, embaixo da água. Quando o retiraram, nem o padre, nem o livro haviam se molhado” (Oscar G. Quevedo. Milagres, a ciência confirma a fé. S. Paulo : Loyola, 2000, p. 296).

Não importa debater aqui se tal fato ocorreu ou não, o que nos interessa é frisar o quanto o povo tinha Anchieta na conta de santo. Tão santo que Deus como que o “plastificara” contra os acidentes naturais... Contudo, importa frisar que a santidade nem sempre vem acompanhada de grandes portentos. Ela pode ser fruto de uma vida simples, escondida em Cristo, mas que faz, cotidianamente, a vontade do Pai. Mais: a narrativa nos traz uma lição : ainda que debaixo das águas do mar da vida que querem nos afogar, não percamos a serenidade, seguremos firmes nas mãos de Deus e sigamos adiante, certos de que Ele não chama ninguém à mediocridade, mas, sim, a ser santo como Ele mesmo é santo (cf. Lv 19,2; Mt 5,48).

Para atingir esta tão ousada meta é que, agora, pedimos confiantes : São José de Anchieta, Apóstolo do Brasil, rogai por nós!’


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.zenit.org/pt/articles/sao-jose-de-anchieta-rogai-por-nos