Mostrando postagens com marcador dimensão. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador dimensão. Mostrar todas as postagens

sábado, 4 de janeiro de 2020

Cristo, Senhor do tempo

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Resultado de imagem para wind shadow candle
 Cristo é o Senhor do tempo pois ressignifica a história da humanidade
*Artigo de Daniel Couto

O tempo, ‘Se ninguém me pergunta, eu o sei; mas se me perguntam, e quero explicar, não sei mais nada’.(AGOSTINHO, Confissões, XI, 14, 17)


‘Os seres humanos, cada vez mais, estão sujeitos a uma nova opressão : a escravidão do tempo. Vivemos na era da velocidade, do imediatismo, da ‘falta de tempo’, da exigência de prazos, da fuga da velhice, da expectativa de vida cada vez mais estendida. Desenvolvemos transtornos psicológicos que estão intimamente relacionados às exigências hodiernas e ficamos aprisionados na inaptidão de lidar com essa ‘nova ordem’. Estamos mergulhados em saudosismos por um passado que já não mais existe e projeções de um futuro que nos parece inalcançável.

Como não podemos fugir desta realidade, precisamos, de alguma maneira, ressignificá-la a partir dos elementos da tradição. Se voltarmos o nosso olhar para a ‘maneira de viver’ de outros povos, culturas e tempos, encontraremos diversos exemplos que ajudam a interpretar a vida a partir de outras chaves. As religiões, em suas expressões e, particularmente, nas práticas rituais, buscam inserir os seres humanos na temporalidade do divino. Os cristãos têm, portanto, na figura de Jesus e na história da revelação divina, um modo de viver o tempo que ‘rompe’ com a lógica da sua época e, do mesmo modo, configura-se como modelo para nossa vida.

Antes de refletirmos sobre esse novo olhar sobre o tempo, experimentado de maneira radical pelo Galileu, é preciso entendermos que essa é uma das questões filosóficas/teológicas mais interessantes e discutidas de todos os ‘tempos’. Qual é a origem do tempo? Qual é a temporalidade na qual se insere a divindade? O tempo existe ou é apenas uma apreensão que temos sobre a realidade? O tempo pode ser explicado ou apenas vivido?

No mundo grego, tomando como exemplo a sociedade e o pensamento da Grécia Antiga, o tempo está ligado ao movimento natural do cosmos. O movimento perfeito, infinito, é o movimento circular, que determina os ciclos, pode ser tomado sobre qualquer ponto, e representa a organização do universo. O tempo, como entidade, também possui uma personalidade que, hora observa os eventos, como uma testemunha universal, ora é o próprio responsável pelo andar do ‘destino’. De certa maneira, tempo, movimentos celestes e destino sempre estiveram ligados. Lembremos, também, que o ‘tempo oportuno’ do nascimento do messias foi anunciado por meio de um movimento celeste : o aparecimento da estrela.

Aristóteles, por outro lado, busca sistematizar essa contagem temporal, dizendo que o ‘tempo é o número do movimento, segundo o antes e o depois’. O movimento do universo é ininterrupto, e o que chamamos de tempo é apenas uma medida, tomando como ponto de partida um marco. Quando determinamos essa referência podemos dizer sobre um passado, isto é, um movimento que aconteceu anteriormente ao início da contagem e um futuro, que acontecerá após a medida atual. De qualquer maneira, isso demonstra a inexistência do tempo como substância, valendo-se apenas como medida de um movimento que não depende dele.

O cristianismo, neste mesmo caminho, possui em sua narrativa mitológica, diversos elementos que nos ajudam a entender o tempo segundo a ‘medida humana’ e a ‘medida divina’. Diferente dos gregos, nós acreditamos em um Deus criador, com o universo gerado a partir de sua palavra, uma ação inicial que provoca o primeiro movimento e, consequentemente, o ‘início dos tempos’. Somente por isso ele é anterior a tudo, o princípio e o fim, pois é dele que advém toda a temporalidade, materialidade, movimento e criação. O divino está para além do tempo, pois é a criação, por ele gerada, que determina a temporalidade. O tempo está ligado, fundamentalmente, ao mundo e à nossa vida. Sobre a vida de Deus não podemos dizer do tempo, porque ela ultrapassa todas as nossas categorias.

Dentro desta perspectiva, Agostinho elucidará, já no século 3 d.C., que a única existência temporal possível é o ‘agora’. Sobre o passado não é possível fazer nada além de recordar, ele não existe senão em nossa memória. Mesmo quando relembramos ou trazemos para o presente esses fatos, o que existe é o agora da recordação, não o acontecimento rememorado. Do mesmo modo, o futuro é apenas projeção de uma situação vivida no presente. Só é possível almejar algo que conhecemos elevando as expectativas ou planejando mudanças na rota do ‘agora’. O ontem é lembrança no agora daquilo que se foi e o amanhã é projeção no agora daquilo que pode vir-a-ser.

O filósofo afirma que o que ‘parece claro e manifesto é que nem o futuro, nem o passado existem, e nem se pode dizer com propriedade, que há três tempos: o passado, o presente e o futuro. Talvez fosse mais certo dizer-se : há três tempos : o presente do passado, o presente do presente e o presente do futuro, porque essas três espécies de tempos existem em nosso espírito e não as vejo em outra parte. O presente do passado é a memória; o presente do presente é a intuição direta; o presente do futuro é a esperança.’ (Confissões, XI, 20, 1)

Portanto, como a mística cristã, pode nos ajudar a viver a temporalidade?

Talvez seja interessante recordarmos o que cantamos na proclamação do Natal : ‘Hoje nasceu para nós um salvador’. A temporalidade cristã é o agora. É no hoje, no cotidiano, na vida ordinária que a manifestação do divino acontece. Uma presença que não é rodeada de pirotecnias e alardes, mas se expressa na simplicidade e trivialidade do dia-a-dia. Jesus, uma criança, filho de mulher, pertencente a uma história e cultura pela lei e filiação paterna, ressignifica todo o tempo no agora. Ele condensa a tradição do antigo testamento e projeta todo pensamento cristão em si. No agora da pessoa de Jesus Cristo o reino acontece e o Pai se faz visível para os seres humanos. O senhor do tempo, palavra criadora, assume a temporalidade da criação, vive segundo a cronologia, o movimento, a geração e a corrupção da matéria para nos mostrar que a Palavra de Deus vive no hoje. Jesus está presente no meio dos seus porque é na ruptura do tempo, no tempo oportuno da revelação (kairós) que vivemos.

Durante séculos a tradição busca assumir essa maneira de viver apresentada pelo Filho de Deus, principalmente ao buscar respostas para os dilemas existenciais. O caminho não é deixar de lado o trabalho, as questões políticas e sociais, os conflitos e o convívio, mas entender que só existe uma oportunidade de ‘proclamar a palavra’ : o agora. O amor não é para ser vivido no amanhã, nem a caridade planejada para o ‘tempo da conversão’. Os seres humanos clamam por vida ‘agora’. As guerras precisam de intervenções de paz ‘agora’. A fome precisa ser saciada ‘agora’. A justiça e o Reino são clamores do povo que vive o ‘hoje da história’. É desta maneira que a Palavra de Deus é atemporal, a mesma ontem, hoje e sempre, porque ela sempre terá o que dizer aos nossos anseios e clamores.

Na história da humanidade, costumeiramente datada a partir do ‘evento’ Jesus Cristo, aprendemos que tudo o que vivemos, tudo o que somos, e tudo o que ainda podemos ser só é experimentado no tempo. Não seria diferente com Deus, que se faz um de nós. O ‘evento’ Jesus não somente marca uma ruptura no tempo/espaço, mas também nos mostra que cotidianamente precisamos viver essa intervenção divina. A encarnação do verbo é profundamente humana, mostrando que são os seres humanos que constroem o tempo, que são os seus senhores, assim como Jesus. Não devemos ser escravos do tempo, uma vez que ele existe apenas por causa da nossa capacidade de racionalizar o movimento, mas é o tempo que deve ser lugar oportuno da manifestação do amor. Ao redor do mundo, esférico é claro, os cristãos celebram suas liturgias, lugar da memória desse encontro entre o céu (dimensão divina) e a terra (dimensão da criação), a presença de Deus ‘hoje’ na história. Hoje o filho se encarna, hoje o Evangelho é anunciado, hoje o pão é partilhado, hoje vivemos a paixão, hoje o Cristo é condenado à morte e ressuscita e hoje somos enviados pelo mundo para restaurar a dignidade de todas as pessoas pelo amor. Cristo é o Senhor do tempo pois ressignifica a história da humanidade mostrando que a vida acontece na dimensão ordinária e cotidiana. Eu, você e todos os seres humanos vivendo, cada dia, a encarnação do amor.’


Fonte :

quinta-feira, 23 de março de 2017

A falta que faz o conversar

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Resultado de imagem para conversar
*Artigo de Evaldo D´Assumpção,
médico e escritor

‘Costumo ressaltar a diferença enorme que existe entre o ouvir – usar o aparelho anatômico da audição – e o escutar. Este, a capacidade de assimilarmos o que foi ouvido, metabolizando-o à luz dos nossos conhecimentos e valores morais, refletindo e tirando conclusões sem açodamento ou preconceitos. Como se vê, uma arte dificílima. Também ressalto a diferença substanciosa que existe entre o olhar e o enxergar. O primeiro, representando a simples utilização da estrutura ocular, comum a quase todas as espécies animais. De certa forma, corresponde ao ouvir. Todavia, ao humano realmente evoluído, o olhar é apenas o ato inicial do enxergar, que é a compreensão exata – ou a mais próxima disso – daquilo ou daquele que se coloca diante dos nossos olhos. Enxergar corresponde, de certa forma, ao escutar, pois vai muito além do órgão anatômico do sentido, para o penetrar, profundamente, no que olhamos.

E o falar, tem também suas duas dimensões, sendo ele a mera articulação racional – ou não – das palavras que conhecemos, e às vezes até mesmo daquelas que mal sabemos pronunciar, inclusive ignorando o seu significado. Percebemos isso escutando certas pessoas pernósticas, ou alguns oradores de ocasião, ávidos de exibir erudição e buscando seus sonhados minutos de glória, mas carecendo dos mais comezinhos princípios da retórica, e – que tragédia! – do idioma em que pretende colocar suas ideias (se é que as têm...). Resumindo, qualquer pessoa é capaz de falar, entretanto são poucas as que conseguem conversar. Pois no universo da comunicação ele é, de certa forma, o correspondente ao enxergar e ao escutar, sendo porém uma arte bem mais nobre, mais complexa e mais gratificante para os que interagem. Quem bem conversa, bem enxerga, melhor escuta. E somente quem vai além de todas as limitações dos órgãos anatômicos : olhos, ouvidos e boca, é que logram escutar, enxergar e conversar, fazendo-o com absoluta autenticidade, humildade e generosidade, jamais por encenações que logo são desmascaradas. E os que o fazem genuinamente, são aquelas pessoas com quem nos deleitamos disfrutar de sua companhia. São aquelas de quem nos recordamos, sempre que temos necessidade de compartilhar tristezas ou alegrias, derrotas ou vitórias. Na área profissional, são os médicos, psicólogos, advogados, sacerdotes e pastores, mestres, jornalistas entrevistadores, etc. mais requisitados – mesmo (e especialmente) não sendo figurões, pois esses geralmente são frutos artificiais do marketing, hoje bastante agressivo em quase todas as atividades. Na vida familiar, onde não há espaço para o marketing, o diferencial é a disposição interior e pessoal de cada um, para acolher os que o procuram. Nos círculos de amizade, conhecemos bem aqueles que se aprazem em escutar, que não se impacientam com a fala do outro, que têm real interesse em conhecer o que o interlocutor está compartilhando com ele. Por outro lado, são notórios e cada vez em maior número, aqueles que estão sempre ávidos a encontrar um espaço para interromper quem fala, e logo despejar falação sobre si mesmos, sobre seus feitos, sobre suas maravilhas, sobre seu modo de pensar, sobre suas predileções – e muitas vezes também de seus familiares – sem terem escutado uma só palavra do que o outro disse. Na realidade, somente ouviam em prontidão para perceber um almejado ponto final, ou pelo menos uma vírgula, na fala do outro, permitindo-lhes tomar imediatamente a palavra. As vezes o grau de ansiedade é tanto, que nem a pontuação aguardam. Simplesmente ignoram a fala do outro e iniciam a sua verborragia individualista. São os comumente denominados ‘desmancha-bolinhos’.

Outra situação onde a arte de conversar assume enorme importância, são os momentos de discussão, onde diferentes pontos de vista se chocam. Isso ocorre especialmente no âmbito familiar. Nesse momento revelam-se os bons e os maus conversadores. Os bons escutam, procurando entender o que o outro realmente quer expressar. Também enxergam cuidadosamente para ver, além das aparências, o que o corpo daquela pessoa está dizendo além das palavras. Assim superam preconceitos, prejulgamentos e agressividades. São compassivos e conseguem amenizar e até apaziguar as mais complexas situações. Já os maus conversadores, não se interessam pelos sentimentos, nem pela opinião alheia. Julgam-se os donos da verdade, só eles estão certos, ouvem ofegantes e por isso quase nada escutam, estando sempre na defensiva e enchendo os pulmões de ar para, na primeira oportunidade, contestar com todas as forças o que os outros possam ter dito. Mesmo sem ter assimilado o que disseram. Para eles, o importante é ganhar a discussão e não necessariamente chegar a um consenso que atenda a todos. E muito menos admitir que sua posição nem sempre é a melhor, nem mesmo a mais certa.

Por isso a humanidade anda tão agressiva, e as pessoas tão recolhidas à sua conversa solitária nas máquinas eletrônicas, onde falam o que querem, não precisam escutar nem cuidar da forma ou do estilo, muito menos de uma fala escorreita. Sabem que não serão interrompidas e, a qualquer desconforto, é só dar um clique e ... que pena! O sistema caiu!’


Fonte :

quinta-feira, 30 de junho de 2016

Olhar positivo

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Resultado de imagem para papa francisco armenios


‘Com a viagem à Armênia o Pontífice realizou outra visita do coração, nascida já na Argentina do costume e da amizade com os filhos exilados de uma terra áspera como as suas pedras e doce como as melodias dos seus cânticos. E de modo análogo a imagem do seu povo é «uma vida de pedra e uma ternura de mãe» sintetizou o Papa Francisco, abrindo a longa conferência de imprensa no voo de regresso a Roma com a recordação daqueles dias : «tinha tantos contactos com os armênios, ia muitas vezes às suas missas», e também «uma coisa que normalmente não me agrada fazer» como os jantares, «e vós fazeis jantares pesados!», acrescentou sorrindo.

Na visita e na conversa com os jornalistas enlaçaram-se a dimensão ecumênica e a política, mas no sentido traçado por Paulo VI numa reflexão que remonta às primeiras semanas de pontificado, nas quais precisamente a «política papal» é definida «iniciativa sempre vigilante pelo bem do alheio». Hóspede de Karekin II, em quase todos os momentos da visita, o Pontífice foi acompanhado pelo «supremo patriarca e católicos de todos os armênios». E a viagem foi selada com a assinatura de uma declaração, mais um passo num «caminho comum já muito progredido» rumo à unidade. Que, como disse o Papa, não é «uma vantagem estratégica», e muito menos submissão ou absorção, mas adesão à vontade de Cristo para oferecer ao mundo o testemunho do Evangelho.

E é a história que ensina que ao longo dos séculos o testemunho cristão dos armênios atravessou provações tremendas, até aos massacres de há um século, «trágico mistério de iniquidade» que o Papa Francisco não hesitou em definir «genocídio». Sem intenções ofensivas ou reivindicativas, mas para repetir que as atrocidades infligidas então são «os sofrimentos dos membros do corpo místico de Cristo», como escreveu João Paulo II, e por conseguinte «nos pertencem», repetiu o seu sucessor, frisando que «recordar não só é oportuno», mas é «um dever». Como explica uma frase que o Pontífice escreveu de seu punho depois de ter prestado homenagem às vítimas no memorial de Tzitzernakaberd : a memória é «fonte de paz e de futuro».

O olhar positivo do Papa Francisco, reafirmado com tranquila determinação na longa conversa com os jornalistas, funda-se sobre a fé e sabe precisamente que a memória assim purificada se torna «capaz de se encaminhar por sendas novas e surpreendentes». E foram as veredas do encontro e da reconciliação que o Pontífice pediu que os jovens percorram, enquanto na declaração comum a oração se eleva «por uma mudança do coração» de quem persegue os cristãos e as outras minorias étnicas e religiosas no Médio Oriente.

Olhar positivo que na conferência de imprensa o Papa confirmou acima de tudo : falando do papel da mulher na Igreja, do reconhecimento das culpas dos cristãos pelas faltas que se acumularam ao longo da história, do concílio Ortodoxo de Creta, do diálogo ecuménico com os protestantes e da situação da União europeia depois do referendo britânico. Amparado pelo seu predecessor que se prepara para festejar o sexagésimo quinto aniversário de ordenação sacerdotal, definido com afeto «o homem que me guarda os ombros e as costas com a sua oração».’


Fonte :
* Artigo na íntegra