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quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Perdoai-nos como perdoamos

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo do Padre Rivelino Nogueira


‘‘Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido’ é uma frase da oração do Pai-Nosso, que se encontra em Mateus 6,12. 

A frase significa que a oferta de perdão de Deus está relacionada com a vontade de perdoar os outros. Para os cristãos, perdoar os outros não é uma opção, mas um mandamento. 

‘Se, pois, ao trazeres ao altar a tua oferta, ali te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa perante o altar a tua oferta, vai primeiro reconciliar-te com teu irmão; e, então, voltando, faze a tua oferta.’ (Mt 5,23.24)

O perdão brota do amor de Deus e a necessidade de perdoar vem do amor de dele e não do merecimento humano.

A falta de perdão é uma prisão

Quem não perdoa está preso. A falta de perdão tem sido forte motivo de paralisia espiritual, imaturidade emocional e desenvolvimento de doenças físicas e emocionais. Existem pessoas que ficam presas no cativeiro da falta de perdão, sendo atormentadas em suas vidas durante anos.

Muita gente tem sofrido com a falta de perdão. Outro dia, ouvi alguém dizendo que o ressentimento é o mesmo que você tomar diariamente um pouco de veneno, esperando que quem o magoou venha a morrer. A falta de perdão produz dano maior em quem está ferido do que naquele que feriu. 

A ausência do perdão está diretamente ligada à saúde física, mental e emocional. A Sociedade de Cardiologia de São Paulo recentemente levantou essa questão, apresentando uma pesquisa com 65 pacientes sem histórico de doença cardiovascular e 65 que infartaram. Foi mostrado que existe uma relação entre não perdoar e a ocorrência de infarto agudo do miocárdio. Foram dois quesitos, ‘quebra de confiança’ e ‘rejeição/desprezo’. No primeiro, a maioria, 65% dos que tiveram infarto, não estavam dispostos a perdoar. Esse número foi de 35% no outro grupo. No segundo quesito, 54% dos que infartaram perdoariam, já entre os que não tiveram infarto o percentual subia para 72%.

Carregar consigo ressentimentos e dores que as relações humanas nos expõem pode gerar um peso paralisador.

A partir das últimas décadas, as pesquisas sobre o perdão e seu impacto na saúde das pessoas vêm se ampliando; há, inclusive, relação entre os ressentimentos e o aparecimento de doenças físicas e mentais. As amarguras e a presença do rancor podem gerar efeitos psicossomáticos no corpo, traduzindo essas dores emocionais em patologias como depressão, ansiedade, gastrite nervosa, hipertensão, obesidade, entre outras.

Por meio do perdão é possível deixar para trás a dor e o ressentimento provocados por uma mágoa.

É uma maneira de se libertar da lembrança de um acontecimento ruim para que ela não afete mais a sua vida.

O perdão é necessário para muitos processos de cura de traumas e desapego do passado.

O que a falta de perdão pode provocar?

Amargura, tristeza, raiva e baixa autoestima. Com o tempo, você pode passar a deixar ressentidas todas as pessoas à sua volta e não apenas quem lhe causou mal.

Problemas de saúde mental como ansiedade e depressão.

O medo, a amargura, os conflitos internos e o ressentimento podem dificultar a manutenção de relacionamentos saudáveis.

Apego ao passado. 

Resiliência

Aprender a perdoar ajuda a desenvolver a resiliência. Essa competência emocional está relacionada à capacidade de passar por situações estressantes sem sucumbir a seus efeitos negativos.

Quando não sabe lidar com uma adversidade, a pessoa resiliente procura ferramentas para ajudá-la a passar por isso, como, por exemplo, a psicoterapia. 

Empatia

O ato de perdoar também desenvolve a empatia, a competência emocional que envolve a compreensão das perspectivas e emoções do outro. Quando você se dispõe a perdoar alguém, precisa se colocar no lugar dessa pessoa primeiro.

Como praticar o perdão?

Praticar o perdão envolve uma série de passos que, muitas vezes, são desconfortáveis. Dependendo da situação, pode ser muito doloroso revisitar lembranças e tentar encontrar razões para perdoar quem lhe causou mal. Acima de tudo, tenha compaixão por você ao iniciar essa jornada.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://revistaavemaria.com.br/perdoai-nos-como-perdoamos.html

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Povo da rua : a busca por visibilidade e as ações transformadoras da realidade

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Cintia Lopes


‘Os desafios da Pastoral do Povo da Rua para promover dignidade aos excluidos’

‘A população de rua no Brasil aumenta a cada ano em diferentes regiões do país. Em 2023, 261 mil pessoas viviam em situação de rua no Brasil, número onze vezes maior que há dez anos. Já nos dois primeiros meses deste ano de 2024, mais 10 mil pessoas foram para as ruas, totalizando assim aproximadamente 272 mil pessoas em situação de rua, sendo que 70% dos moradores de rua são negros e 87% estão na faixa etária entre 18 e 59 anos. 

Os dados foram divulgados no último levantamento feito pelo CadÚnico, o Cadastro Único para Programas Sociais do governo federal, em março. Além disso, observa-se um crescente aumento de muitos migrantes nas ruas, como venezuelanos, haitianos, peruanos, senegaleses, cubanos, libaneses, entre tantos outros que se juntam a várias famílias brasileiras em situação de rua. É notório que a população está indo cada vez mais cedo para as ruas e permanecendo aí longos períodos. Quais seriam as principais causas para tantas pessoas nas ruas especialmente nos grandes centros urbanos?

É preciso observar que a violência estrutural que acomete parte da população brasileira é muito anterior à pandemia da covid-19, ainda que após o período pandêmico tenha havido um aumento de famílias inteiras e de mulheres nas ruas. Especialistas apontam que as principais causas são nesta ordem : conflitos familiares e comunitários, perda ou precarização de moradia, perda ou precarização de trabalho e o uso prejudicial de álcool e outras drogas são as principais causas que levam as pessoas à situação de rua no país, o que indica que é um problema principalmente relacionado a políticas públicas e econômicas.

Para atuar pelos direitos e necessidades dessa parcela da sociedade, que muitas vezes representa os excluídos, a Pastoral do Povo da Rua tem como missão criar vínculos com a população em situação de rua e identificar os potenciais de vida desenvolvendo ações que transformem essa exclusão em realidade de vida para todos, como reforça Ivone Maria Perassa, coordenadora nacional da Pastoral do Povo da Rua e há onze anos nela atuando. Ela explica que uma das principais funções da coordenação é fortalecer a atuação dos agentes da pastoral em escala nacional e contribuir com a formação para que os agentes consigam, de fato, junto com a rua pensar em ações transformadoras da realidade. ‘Por muito tempo e diversas vezes, quem atua com população de rua a vê composta por pessoas que precisam de comida, roupa, água e cobertor e aí geralmente ficam nessas ações. Na pastoral, nós consideramos que essas são ações emergenciais de que todo ser humano necessita, como comer, beber, dormir, tomar banho, mas não podemos ficar somente nelas’, pondera Ivone.

Ao longo de mais de quarenta anos, a pastoral contribui especialmente para que a população de rua se fortaleça, conheça seus direitos, organize-se em pequenos grupos ou comunidades e consiga dar seus passos de forma organizada na defesa dos seus direitos ou na proposição de políticas públicas. Dentre as conquistas, vale destacar a atuação no campo da política pública – com as criações de conselhos, comitês, portarias que garantem os direitos da população de rua tornando-a mais visível. ‘A visibilidade surge quando se está organizado. Essa é uma ação que a pastoral tem focado muito : fortalecer a organização dessa população para que possa sair dessa situação’, detalha Ivone, que explica ainda que ‘hoje a população de rua consegue entrar e fazer debate, dialogar com o judicial, com o ministério público, com o Executivo, com o Legislativo. Consegue ser respeitada ou ser ouvida enquanto em tempos passados eram barrados na porta’.

Dentre os projetos encabeçados pela pastoral, o ‘Moradia primeiro para população de rua, criado em 2019, tem como objetivo incluir pessoas em situação crônica de rua e proporcionar uma vida digna e reestruturada. Outro propósito é mostrar aos municípios que incluir a população na moradia é mais econômico e com resultados eficazes’, exemplifica a coordenadora.

O alto custo de vida e o desemprego crescente também contribuem para que a rua seja o destino de famílias inteiras : ‘A rua virou uma opção porque é o lugar em que as pessoas optam por viver já que não dão conta de pagar com o que recebem a comida, a moradia, o remédio e outras despesas. Após a pandemia, muitas outras pessoas com transtornos mentais, depressão profunda, sequelas respiratórias e que não são idosas não se sentem mais úteis na vida’, diz Ivone. À medida que as pessoas não dão conta de viver e de trabalhar temos um problema social e econômico. ‘Presenciamos uma crise pela falta de programas de moradias coletivas adequadas e residências terapêuticas para aqueles com transtornos mentais. Moradias dignas para essa população com um custo social, ofertas de trabalho que sejam de acordo com essa realidade de uma população que não tem um acesso tão ágil às tecnologias’, reflete ela. 

Hoje, a metade das vagas disponíveis nas moradias públicas – sejam em abrigos, albergues, casas de acolhimento – está como residências fixas. ‘São idosos, pessoas deficientes que estão lá porque não têm outro local para ir. Os equipamentos públicos que deveriam ser rotativos estão ocupados por residências coletivas fixas e precárias’, alerta Ivone.

Os municípios, de um modo geral, investem nos chamados programas de higienização, que é a expulsão das pessoas das suas cidades, de forma discreta, com o recolhimento de pertences e, por vezes, com atos de violência. O problema é então transferido, já que a migração acontece para municípios de pequeno e médio porte. ‘O grande desafio é fazer com que o poder público invista em programas que sejam de inclusão e de estruturação dessas vidas, focando projetos de geração de renda e inclusão na moradia. Entendemos que é a porta de saída para essa população’, diz ela. 

Uma das vozes mais atuantes e reconhecidas na luta contra a invisibilidade do povo em situação de rua é o Padre Júlio Lancellotti, vigário episcopal para a Pastoral do Povo da Rua da Arquidiocese de São Paulo (SP). Muitos dos projetos desenvolvidos por ele em conjunto com a pastoral são criticados por políticos conservadores e por uma parcela da sociedade. Ivone frisa : ‘O Padre Júlio tem tido uma força de expressão fundamental. Ele é firme naquilo que acredita, tem garra, resistência, consciência política, além de ser respeitado. Essa pressão que o Padre Júlio recebe é semelhante à que grupos que desenvolvem trabalhos diretos na rua com abordagem, entrega de alimentos, de roupas e cobertas têm sofrido no Brasil inteiro, por isso, nossa luta maior é por políticas públicas estruturantes’.

Os cidadãos comuns, especialmente cristãos católicos, podem ajudar efetivamente essa corrente de solidariedade e acolhimento dentro de suas próprias realidades, cidades, bairros onde moram. ‘Identifiquem pessoas em sofrimento nesse grau de abandono que é a situação de rua. Não se fechem. Conversem e ouçam o que elas têm a dizer. Se não tiverem nada mais para ofertar, a orientação é contatar as autoridades dos municípios para avaliar as possibilidades de casas de acolhimento e abrigos. A participação dos cristãos no suporte emergencial, em socorro à vida, é necessária em todos os momentos’, finaliza Ivone’.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://revistaavemaria.com.br/povo-da-rua-a-busca-por-visibilidade-e-as-acoes-transformadoras-da-realidade.html


domingo, 3 de março de 2024

Três religiosas do Burkina Faso em missão no deserto argelino

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo da Vatican News


As três Irmãs, enviadas pela sua Congregação de Notre-Dame du Lac, não sabiam o que se esperava delas nesta cidade onde não há cristãos. As comunidades católicas ‘mais próximas’ estão localizadas a cerca de 350 quilometros de distância.

No Burkina Faso, dizem, quando uma religiosa é enviada para algum lugar, é-lhe atribuída uma tarefa específica, é-lhe dito exatamente o que precisa de fazer. Em Timimoun têm de substituir as Irmãs Missionárias de Nossa Senhora de África (Irmãs Brancas) que mudaram para uma outra região da Argélia. A princípio, cada atividade do dia a dia parecia um verdadeiro desafio. No entanto, decidiram arregaçar as mangas e começar a trabalhar, dando continuidade à atividade missionária iniciada pelas Irmãs Missionárias de Africa.

Irmã Pauline está envolvida na promoção da condição da mulher entre as mulheres de duas aldeias próximas. Reunidas numa casa, estas mulheres aprendem a costura. Outra irmã, também chamada Pauline, é responsável pelo apoio escolar às crianças da cidade, mas garante que a atividade escolar pode ser confiada a outras pessoas da cidade, por exemplo, professores aposentados, e decide trabalhar ao lado da irmã Bernadete para cuidar de pessoas com deficiência, porque é precisamente a assistência aos portadores de deficiência a vocação inicial das três Irmãs burquinabês.

Por isso, a Irmã Bernadette, a superiora, tenta compreender, em primeiro lugar, quantas famílias têm um filho com deficiência. Com o passar do tempo, as coisas mudam. Na primeira fase, os cuidados são realizados em casa; há poucas crianças, então as Irmãs também cuidam de alguns adultos.

O ponto de viragem aconteceu quando foi criada uma associação argelina para pessoas com deficiência, para apoiar as atividades das religiosas. O número de pedidos explodiu : hoje a associação atende 120 crianças menores de 15 anos. Até cinco voluntários ajudam as Irmãs no cuidado desses jovens, que são visitados duas ou três vezes por semana.

Para as três Irmãs, cada dia passado em Timimoun é também uma oportunidade para confirmar o seu batismo. No início, a população local ficou surpreendida por não serem muçulmanas e encorajou-as a converterem-se. Agora a sua presença como católicas é tolerada. A sua vida de oração é conhecida de todos, e as famílias em dificuldade pedem muitas vezes para as Irmãs rezarem por elas.

As religiosas olham para o futuro com confiança e podem contar com uma nova ‘recruta’, a Irmã Suzanne. ‘Ela tem sorte’, brinca a irmã Bernadette, ‘pelo menos antes de vir, pôde ter aulas de árabe e beneficiar de uma formação sobre a realidade do País, no Centro de Estudos da Arquidiocese de Argel’.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.vaticannews.va/pt/africa/news/2024-02/tres-religiosas-do-burkina-faso-em-missao-no-deserto-argelino.html

sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Direto do confessionário: por que a compaixão é desgastante?

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo do Padre Taylor Colwell


‘Uma mudança importante na vida de um padre recém-ordenado é começar a ouvir confissões. Embora o tempo gasto no confessionário possa variar de uma a várias horas por semana, mesmo apenas uma hora dedicada ao ofício pode ser bastante desgastante, especialmente no início. Mesmo assim, é um grande exercício de compaixão.

É um privilégio e uma graça singular oferecer o sacramento. Já testemunhei muitas confissões comoventes e profundamente edificantes no meu curto período como sacerdote. Ao mesmo tempo, é realmente desgastante. Muitas vezes saio com uma leve dor de cabeça e uma sensação de tensão física geral. 

Mas por que ouvir confissões pode deixar um padre tão exausto? Um fator é, certamente, o foco necessário para ouvir com precisão as informações sensíveis e importantes transmitidas por outra pessoa sobre sua vida mais íntima. Outro ponto é a expectativa de que o sacerdote dirija algumas palavras de conselho úteis ao penitente, embora estas devam ser breves e modestas.    

A verdadeira razão, a meu ver, é o esforço do coração, da mente e da alma que ocorre quando compartilhamos dos fardos de outra pessoa. Sempre que nos permitimos participar das lutas dos outros, ouvindo atentamente e expressando a nossa compaixão, isso tem um certo preço. Tal compaixão significa abrir-nos para receber o fardo do outro como se fosse nosso. 

Isso acontece muitas vezes nas relações com familiares e amigos próximos, aqueles que recorrem a nós quando estão em dificuldades. Também pode acontecer que conhecidos ou mesmo estranhos nos procurem num momento de vulnerabilidade, quando a sua luta se torna evidente. Sempre que isso ocorre há um preço a ser pago, porque permitir que outra pessoa transfira o fardo para os nossos ombros faz com que esse fardo seja nosso também. Não é mais apenas um problema ‘deles’. 

Embora o papel do confessor seja principalmente teológico e sacramental, também é humano. O sacerdote atua como representante de Jesus, recebendo os pecados do penitente e concedendo o perdão do Senhor — mas só pode fazê-lo como homem. Em cada confissão, há um homem sentado do outro lado da tela, que se abriu a todos e concordou em assumir seus fardos, mesmo que apenas por alguns momentos.

Ouvir confissões, com todas as suas particularidades teológicas e pastorais, é também um exercício de ampla experiência humana de compaixão. 

Não tenha medo de continuar se abrindo à compaixão. Embora possa ser desgastante, é uma parte essencial de uma vida plenamente humana e cristã.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/2023/08/30/direto-do-confessionario-por-que-a-compaixao-e-desgastante/

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

Compaixão cura

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,

Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG

Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

 

‘A compaixão é um forro divino no coração humano capaz de tornar a interioridade uma tenda alargada. Sem a compaixão o coração se estreita e passa a hospedar o que adoece. Embora a doença seja um componente da experiência humana, a cura torna-se mais difícil sem a compaixão. Eis algumas lições do Papa Francisco, em mensagem pelo Dia Mundial do Doente. Lições pertinentes e fortes, particularmente neste contexto da história tão fragilizado por muitos adoecimentos. Não se pode correr o risco de camuflar o enorme desafio dessa fragilidade, muitas vezes experimentada na própria pele. Cabe, assim, enfrentar com humildade a doença, valendo-se de eficazes remédios : a proximidade, a ternura e a compaixão.

É preciso cultivar a humildade para superar processos de disputa e confrontos. Exercitar a compaixão no próprio coração, capacitando-se para o cuidado de si e do semelhante. Deus é esse amor cuidadoso. Ele oferece o seu zelo sem nada pedir em troca. Cada um de seus filhos e filhas precisa seguir o seu exemplo, buscando amorosamente cuidar uns dos outros, para, assim, despertar um essencial sentido de cura, ajudando a vencer desencontros, doenças e fragilidades tão comuns à condição humana. Compreende-se que crer autenticamente significa abrir-se à aprendizagem da solicitude de Deus dedicada à humanidade. Solicitude não é resposta a um favor recebido ou a um ‘mimo’ partilhado. O Papa Francisco sublinha o quanto é primordial aprender com Deus o significado de caminhar juntos e não se deixar contagiar pela ‘cultura do descarte’, nem tampouco medir a oferta da solicitude pelos critérios das afinidades e da concordância ideológica.

A compaixão ultrapassa as medidas das afinidades. Faz valer a inegociável relevância de cada pessoa, exigindo uma consideração de que o próximo, irmão e irmã, não pode ser descartado, pois é merecedor de cuidados e de incondicional respeito. Não há outro modo para enfrentar o isolamento que faz tão mal ao coração humano. Por isso mesmo, posturas que negam a vivência da fraternidade merecem análise e advertência. O ser humano não pode ser pautado pelo que se opõe à fraternidade, com julgamentos motivados pelo desejo de vingança, por uma incapacidade em perdoar e enxergar que todos são irmãos e irmãs uns dos outros. Seus juízos podem até parecer coerentes com a realidade, mas estão na contramão do que é verdadeiro, constituindo um risco tirânico e perverso para o bem comum.

O Papa Francisco, em sua mensagem, sublinha o quanto é importante reconhecer o abandono enfrentado por muitas pessoas. E indica a importância de se prestar atenção ao sentido central do movimento interior da compaixão, fazendo brotar a atitude única e incomparável da solicitude, mesmo nas situações em que o necessitado é um desconhecido, ou até mesmo um adversário. Nesse horizonte é sempre oportuno retomar a lição interpelante do Samaritano. Ele disponibiliza tudo o que possui e recomenda : ‘Trate bem dele’. Reconhece-se que a compaixão é exigência quando se toma consciência da vulnerabilidade humana.

Importante também é a advertência para não se cometer a covardia de abandonar quem precisa, aprendendo a não se deixar envolver por mágoas. Somente a compaixão, em qualquer circunstância, tem propriedades para tratar o outro como irmão. Sem um coração compassivo, perde-se a paz com Deus, pois há uma incapacitação para o relacionamento fraterno. Há de se cuidar para que critérios e juízos contaminados por mágoas e disputas não definam a consideração pelo outro. Ao faltar a compaixão dá-se lugar a escolhas comprometidas, reações injustificadas, que obscurecem o luminoso reconhecimento da sacralidade de cada pessoa – filho e filha de Deus.

O primeiro passo para revestir a própria interioridade com o tecido da compaixão é sempre ser grato. Esquecida e não praticada a gratidão, deixa-se de alcançar a conquista espiritual da compaixão. Bem diz o Papa Francisco na Carta Encíclica Fratelli Tutti : a parábola do Bom Samaritano mostra como se pode refazer uma comunidade. Cada pessoa contribui para fazer surgir essa comunidade renovada quando assume as dores do próximo como se fossem as suas próprias dores. Vale, pois, ser eterno aprendiz da compaixão para dissipar ódios e restaurar inteirezas, levando a cura ao próximo e ao próprio coração adoecido.’

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticias/?id=1601416

terça-feira, 15 de novembro de 2022

Da Índia à Sicília, passando por Uganda: a missão de Irmã Veera

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
A religiosa faz parte das Irmãs da Caridade e da Cruz

*Artigo da Irmã Margaret Sunita Minj


Em agosto de 2019, passei duas semanas com a Ir. Veera Bara em Caltanissetta, Sicília. Andávamos pelas ruas, os migrantes chamavam-na de longe e quando nos aproximávamos, cumprimentavam-na carinhosamente chamando-lhe ‘mamã’.

A irmã Veera, das Irmãs da Caridade e da Cruz, começou a trabalhar lá com refugiados em 2015; ela ensina-lhes italiano, ajuda-os a obter os documentos necessários e assistência médica em caso de doença. Os migrantes não sabem o seu verdadeiro nome : eles simplesmente lhe chamam ‘mamã’.

Quando lhe perguntei onde encontrou coragem para assumir o desafio desta tarefa, a irmã Veera respondeu : «O lema do nosso fundador, padre Teodósio Florentini, diz ‘nas necessidades dos tempos lemos a vontade de Deus’, e isto ajuda-me a ir além das barreiras religiosas e culturais, dá-me coragem para avançar e ajudar os outros. A Beata Madre Maria Theresia Scherer, co-fundadora da nossa congregação, costumava dizer : ‘Tudo é possível com o Senhor e para o Senhor’».

A família de Irmã Veera

A Irmã Veera nasceu a 13 de julho de 1957 em Neematoli, Farsabahar, distrito de Chhattisgarh. Ela tem dois irmãos e uma irmã mais velha. O pai faleceu seis meses após o seu nascimento. A sua família reunia-se em casa para recitar orações da noite e Veera participava no trabalho de divulgação para os jovens. Por vezes, ela guiava as orações e os cânticos na sua aldeia. Uma vez lançadas as sementes da vida religiosa, após ter frequentado uma das suas escolas, em 1978 ela entrou na congregação das Irmãs da Santa Cruz e emitiu o seu primeiro voto a 8 de dezembro de 1982.

A irmã Veera aceitou ir como missionária para o Uganda e partiu para a sua nova missão em outubro de 1993, juntamente com três outras religiosas. O desafio de se amalgamarem com o novo ambiente, a nova língua, cultura e com as pessoas era exigente. «Tudo isto me ensinou a ser mais paciente, mais corajosa, a ter um espírito missionário», diz ela. O acolhimento, o apoio e o amor que recebeu das irmãs, dos nativos e dos superiores ajudaram-na a realizar, nos 22 anos no Uganda, várias tarefas como agente pastoral e social, animadora vocacional, formadora, superiora e conselheira.

A Irmã Veera em Uganda


A missão na Sicília, comunidade inspirada pelo Papa

Em 2015, uma nova missão aguarda a irmã Veera: foi chamada para a Sicília, numa comunidade intercongregacional e internacional. Esta comunidade foi criada a pedido do Papa Francisco que, em 2013, tinha ouvido o grito dos migrantes em Lampedusa. Na altura, o Papa expressou o desejo de que as religiosas da União internacional das superioras-gerais trabalhassem em conjunto entre os migrantes. E assim, no cinquentenário da criação da UISG, em 2015, as superioras-gerais decidiram abrir dois centros na Sicília para ajudar os refugiados. Religiosas de diversas congregações foram convidadas a formar uma comunidade na qual trabalhar juntas : a escolha foi de 10 religiosas de 9 países e 8 institutos. A irmã Veera, juntamente com outras 9 religiosas, chegou a Roma em setembro de 2015 para receber formação de base na língua italiana. A 2 de dezembro, após a audiência geral, o grupo recebeu a bênção do Papa Francisco para o início da sua nova missão na Sicília.

As 10 religiosas que formam a comunidade junto à Irmã Pat Murray (no centro)

De novo, tudo é novo - o lugar, como começar, desafios desconhecidos... Impelida pelo carisma e pelo lema da sua congregação, a irmã Veera dá um passo após outro. Foi-lhe pedido que assistisse 20 mulheres nigerianas alojadas num convento local. Esta experiência ensinou-lhe realmente muito sobre o tráfico de pessoas : aquelas jovens, destruídas física, mental e espiritualmente, precisam de alguém que as ouça, compreenda e ame como são.

Em outubro de 2016, a irmã Veera transferiu-se para Caltanissetta. Depara-se com a visão de cerca de 170 refugiados muçulmanos que vivem ao ar livre, sob abrigos feitos de arbustos, sem água, alimentos, medicamentos, com o mínimo indispensável de roupa e higiene inexistente. A necessidade urgente de bens de primeira necessidade fá-la esquecer as suas pequenas dificuldades. A presença da religiosa faz com que os refugiados compreendam que Alá está com eles, e a esperança começa a renascer nos seus corações despedaçados. A sua confiança, o respeito, a preocupação e o amor que sentem por ela libertam-na do temor que tinha antes de os encontrar : pelas ruas, nos campos de refugiados, nos hospitais, nas famílias, nas igrejas. Em abril de 2017, aceitou outro desafio: começou a ensinar italiano aos refugiados. Surpresa: em poucos dias, a sua classe chega a ter 25-30 jovens que apreciam o seu método de ensino. A irmã Veera tornou-se também mediadora entre os migrantes e os líderes religiosos, médicos, advogados, polícia e autoridades escolares em Caltanissetta. Em tudo isto, tornou-se realidade o que o seu falecido irmão lhe previra : «Deixaste a tua família, mas encontrarás muitas casas e pessoas que te amam. Onde quer que vás, encontrarás a tua família, encontrarás irmãos e irmãs». A irmã Veera começou a sentir-se parte destas famílias migrantes e partilha a sua pobreza e as suas labutas.

«Sinto-me feliz - disse a irmã Veera - quando as famílias dos migrantes me consideram uma deles e partilham comigo as suas alegrias e tristezas. As crianças, filhos dos migrantes paquistaneses e africanos, os jovens, todos me chamam ‘mamã’».

Depois de cinco anos de serviço entre os refugiados na Sicília, a irmã Veera regressou ao Uganda, onde continua a sua missão.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2022-11/sisters-project-veera-bara-uisg-migrante-irmas-carita-ingenbohl.html

domingo, 21 de novembro de 2021

O que dizer a uma pessoa que está morrendo?

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Marzena Devoud,

jornalista


‘Como podemos ajudar um ente querido no estágio final de sua vida? Como podemos acompanhá-lo durante seus últimos dias?

‘Embora seja impossível se colocar no lugar da pessoa, sabemos que um dos maiores medos de quem está morrendo é estar sozinho no momento definitivo. Para alguém no final da vida, toda segurança se esvai. A pessoa não pode mais confiar em seus talentos, em sua experiência nem em sua conta bancária. Essa solidão real causa um último sentimento de angústia’, diz o padre Paul Denizot, reitor do Santuário Nossa Senhora de Montligeon (França), um centro de oração pelos falecidos, que traz conforto às pessoas de luto ou sofrendo.

O que podemos dizer a um ente querido que está vivendo os últimos dias de sua vida? Aqui estão 7 orientações sobre como ser verdadeiro e amoroso nesta circunstância difícil.

1. Não finja que nada está acontecendo

É muito importante não fingir que está tudo bem, ou seja, ficar dizendo à pessoa coisas como : ‘vai dar tudo certo’, ‘tenho certeza que você vai melhorar’ etc. Se a morte realmente está no horizonte, receber uma linguagem falsa pode ser muito difícil para a pessoa que está morrendo.

Na maioria das vezes, mesmo que possam ver que seus entes queridos estão evitando o assunto, eles não se sentem fortes o suficiente para quebrar o tabu. Se você acha que seu ente querido está pronto para falar sobre a morte, não tenha medo de iniciar essa conversa a sério, enquanto ainda há tempo para falar sobre as questões importantes.

2. Coloque sua própria tristeza em segundo plano

Às vezes, os entes queridos podem ficar tão desesperados que chegam a gritar para a pessoa que está morrendo : ‘você não pode morrer’ ou ‘preciso que você viva!’ Esse tipo de situação é muito dramática para a pessoa no final da vida.

Quando o momento da morte se aproxima, os sentimentos do acompanhante e dos familiares devem ficar em segundo plano. Ajudar quem está enfrentando a proximidade da morte significa acompanhá-lo com amor e ternura, bem como com muita calma e o máximo de paz interior possível.

3. Esteja presente, como Maria

A doença nos desestabiliza e às vezes não temos palavras de conforto. Neste caso, o reitor do santuário de Montligeon nos aconselha a simplesmente estar presente e a dar à pessoa doente a possibilidade de falar sobre suas angústias e esperanças:

Você tem que ouvir, simplesmente estar presente. Sua presença mais solidária não vem com conversas animadas ou argumentos teológicos, mas em silêncio. Às vezes, quando você está com muita dor, a presença de um amigo que apenas segura sua mão, sem dizer nada, pode ser muito reconfortante. Podemos comparar essa presença silenciosa com a de Maria aos pés da Cruz. Maria fica em silêncio antes da morte de seu Filho. Ela não o encoraja dizendo : ‘você vai conseguir!’ ou ‘você se lembra do que prometeu?’ Não, Maria chora e fica em silêncio. Ela permanece ao lado de quem tanto ama.

4. Pergunte gentilmente : ‘Como você está se sentindo?’

Ao acompanhar uma pessoa no final da vida, é essencial ouvi-la com a máxima delicadeza. Para surpresa de seus entes queridos, alguns pacientes abrem seu coração. Então, de repente, encontramo-nos conversando com eles com uma sinceridade que pode nos surpreender.

Neste caso, a pergunta : ‘como você está se sentindo?’ pode ser libertadora : permite que o paciente fale de coração a coração com aqueles ao seu redor.

Por outro lado, às vezes isso é impossível. Se este for o caso, você não deve pressionar seu ente querido, mesmo que você sinta a necessidade de falar sobre essas coisas.

5. Fale sobre a família

Se a pessoa no leito de morte romper o silêncio e isso ocasionar uma conversa de coração a coração, não hesite em falar sobre a família dela, para quem a proximidade da morte muitas vezes será uma provação terrível. Quando a pessoa à beira da morte pensar sobre a tristeza de seu cônjuge e filhos, seu próprio medo da morte ficará em segundo plano. A pessoa doente se tornará mais uma vez um cônjuge ou um pai/mãe que pensa nos outros e não apenas em sua própria morte.

Às vezes, grandes milagres acontecem no último momento da vida’, diz o padre Paul Denizot. Como sacerdote, ele tem o hábito de fazer uma pergunta a quem ele acompanha na etapa final da vida : ‘existem coisas com as quais você ainda não está em paz?

Em particular, ele se lembra de um homem que lhe pediu para ajudá-lo a colocar sua vida em ordem. Este homem, que era divorciado e havia abandonado a Igreja havia 40 anos, expressou um forte desejo, antes de morrer, de pedir perdão à esposa e aos filhos.

6. Leia os Salmos

Se a pessoa no final da vida não estiver demonstrando abertura ou não quiser conversar, você pode sugerir (sempre com grande sensibilidade) a leitura de um salmo ao lado dela.

Os salmos têm grande força porque expressam emoções humanas e as confiam a Deus. Assim, eles acabam representando nossos sofrimentos diante da morte’, explica o reitor de Montligeon.

Quando meu pai estava vivendo seus últimos dias, ele queria que eu recitasse para ele salmos como ‘De profundis’ (Das profundezas eu clamo a Ti, ó Senhor) ou ‘O Senhor é meu pastor’.

7. Diga ‘Eu te amo’

Para os católicos, há muitas orações (como o Terço ou ladainhas à Virgem Maria e aos santos) e sacramentos (confissão, comunhão, unção dos enfermos), bem como bênçãos que podem ajudar quem está no leito de morte. Se a pessoa no final da vida não é católica, podemos simplesmente dizer-lhe : ‘Eu te amo’.

Podemos até simplesmente dizer isso em nossos pensamentos, olhando para a pessoa, segurando sua mão ou acariciando seu rosto. Diante da morte, o que mais importa é que a pessoa se sinta amada.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://pt.aleteia.org/2021/11/17/o-que-dizer-a-uma-pessoa-que-esta-morrendo/

sábado, 17 de julho de 2021

Ensinamento com a marca da compaixão

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 

*Artigo d0 Padre Adroaldo Palaoro, SJ

 

‘Os discípulos regressaram da missão à qual Jesus os tinha enviado e Herodes acabara de assassinar João Batista. Jesus se retirou para descansar com os discípulos, do outro lado do lago. Precisavam tomar distância, conversar juntos e de maneira tranquila sobre esse momento dramático, em um espaço sossegado, mais íntimo e profundo, sem a urgência permanente que a pressão do povo introduzia em suas vidas e não tendo tempo nem para comer. Não eram pessoas das cidades importantes que procuravam Jesus. Diz o texto de Marcos que saíram ‘de todos os povoados’ e foram ‘correndo’, com pressa, com expectativa e esperança, ansiosas para encontrar-se com Ele.

Ao ver a multidão, Jesus se comoveu até as entranhas, porque ‘andava como ovelhas sem pastor’, com fome, oprimida pelos impostos, desconcertada diante do presente e com medo difuso diante do futuro ameaçador e inseguro. E Ele começou a ensinar-lhes longamente, muitas coisas, de tal maneira que as horas foram passando sem se darem conta.

Jesus não só transmite um ensinamento, senão que cria uma relação nova com o povo e de uns com outros, segundo o espírito do Reino. Todos somos feitos para nos encontrar com um Tu inesgotável, que ilumine nossa existência e nos transforme inteiramente, de tal maneira que sejamos capazes de estabelecer relações novas com nossa própria história pessoal, com os outros e com toda a criação.

O ensinamento de Jesus revela-se, antes de tudo, como um encontro inspirador que o move a se aproximar de todas as pessoas, revelando-lhes a dignidade infinita que cada uma carrega dentro de si. Trata-se de um encontro que não vem envolvido em roupagens exóticas nem em rituais frios; sua grandeza se expressa numa proximidade tão simples e humana, onde a interação de sentimentos e afetos engrandece a todos.

Nesse sentido, o novo ensinamento de Jesus tem a marca da compaixão. Um dos sintomas de desumanização, que está revelando seu triste rosto no contexto atual, é o fato de deixar-nos de vibrar com o que os outros vivem, viver como alheios uns dos outros, blindar-nos uns frente aos outros, ou seja, incapacitar-nos para a compaixão.

A compaixão está cada vez mais ausente da esfera pública e de nossas relações com o outro diferente e com o outro distante que sofre. Aqui está a chave da incapacidade de nossa sociedade para responder aos desafios atuais.

Vivemos num contexto social onde somos ameaçados por uma forma sutil de apatia. Aqui a compaixão se quebra com excessiva facilidade, se atrofia e se transforma em ‘sem-paixão’. Com isso, as nossas relações se desumanizam.

Tal ‘sem-compaixão’ é uma enfermidade social, um problema coletivo, algo que vai se fechando mais e mais, de tal modo que as pessoas vibram com menos gente, em círculos íntimos, e unicamente com quem faz parte do seu ‘gueto’.

Acostumamo-nos com a lógica deste mundo, que esvazia nossa capacidade de nos surpreender ou de nos inquietar; impermeabilizamos o coração frente à magnitude das feridas sociais, conformando-nos em responder ‘não há nada que fazer’. Vão desaparecendo os horizontes de sentido que incluem a alteridade. Qualquer implicação com o outro implica suspeita, frieza, distancia, preconceito...

Não basta a sensibilidade ou o sentimento. Não ficamos indiferentes quando a dor dos outros entra em nossas salas de estar. Mas, tão rápido como chega, o sentimento se vai, e não nos mobiliza porque não tem pontos de conexão com a realidade da exclusão.

A ‘privatização da vida’, a sensação de impotência diante das tragédias, a distância midiática (informação fria da realidade que não nos afeta e não desperta nossa paixão), a distância física, a não-comunicação (não há tempo para falar e escutar, os eletrônicos povoam nossos silêncios, o ativismo impede dedicar-nos uns aos outros), a falta de motivação (por quê deixar o outro invadir minha vida ou encher-me de inquietação?), a dificuldade para compreender a diferença (transitamos nos círculos de iguais ou semelhantes, compartilhamos gostos, modas, inquietudes, status, temos problemas comuns e metas similares, usamos produtos parecidos, lemos os mesmos livros e vemos os mesmos filmes), etc..

Quem olha para as manchetes de notícias, as escolhas e comportamentos atuais, talvez se deixe convencer de que a compaixão está perdendo a referência no elenco dos sentimentos humanos mais nobre. Afinal, produtividade, eficiência, competitividade, revelam-se pobres de atitudes compassivas.

No entanto, somos seguidores(as) do Compassivo; Jesus não passa friamente por nada. Ele não passa indiferente ao lado da fome, da doença, da exclusão, da morte, não passa friamente ao lado das multidões que vivem como ovelhas sem pastor. Seu sentimento está sempre engajado : Ele é o homem da prontidão de sentimentos, que deixa transparecer uma profunda sensibilidade. Sente-se tocado pela dor e miséria.

E jamais fica em sentimentalismos supérfluos; sua empatia e simpatia extravasam-se em ações comandadas pela compaixão : ela flui e jorra de seu coração.

Os Evangelhos destacam os profundos sentimentos de humanidade, compaixão, empatia, ternura e solidariedade misericordiosa de Jesus. Muitas vezes é mencionado que o Senhor foi ‘comovido até as entranhas’ e teve ‘frêmitos de compaixão’; trata-se de sentimento eminentemente humano.

Até podemos fazer referência origem etimológica da palavra compaixão. E aqui é muito pouco o apelo ao vocábulo latino cum-passio (padecer com). É preciso um novo passo. Para ‘compaixão’ é preciso ir até o grego antigo. Lá a compaixão está ligada às disposições maternas de conservar a vida. Naquela língua os termos ‘compaixão’ e ‘útero’ são equivalentes. Assim como o ventre materno acolhe a vida, envolve-a, protege-a e a faz nascer, algo semelhante fez o Senhor ao aproximar-se daquelas ‘ovelhas sem pastor’ : suscitou-lhes a esperança com expressões de amor fraterno. Foi uma aproximação generativa, isto é, gerou impulsos para uma nova vida.

Num mundo em que o anonimato impera e uma falta de compromisso com o outro parece predominar, é preciso ativar a compaixão, que começa pela capacidade de fixar o olhar nos rostos, desmontando os pré-juízos, ou pela possibilidade de perguntar ao outro por sua vida, seus sonhos, suas preocupações, seus desejos e sua dor. Procurar entender seus motivos sem passar logo a interpretá-los, a etiquetá-los ou a julgá-los. Aprender a escutar suas histórias e a acompanhar suas inquietações.

A moção de compaixão permite que do coração humano brote a ‘excentricidade’.

A experiência cristã não nos imuniza contra a contaminação do ‘amor próprio, querer e interesse’; mas a pulsão solidária e compassiva para com o pobre e excluído, permanente e profunda, se converte na fornalha que purifica a insaciável autoafirmação e interesses que todos temos, e vai gestando, pouco a pouco, personalidades excêntricas, livres do domínio despótico do ego.

Texto bíblico : Mc 6,30-34

Na oração : Ser compassivo implica buscar e ativar uma disposição em sair das fronteiras do conhecido e do habitual, dos circuitos familiares e das dinâmicas mais rotineiras, para entrar em sintonia com as pessoas que são vítimas de estruturas sociais e políticas que geram miséria, dor e exclusão.

  • Compaixão ou indiferença? Eis o desafio! Qual delas se manifesta com mais constância em seu dia-a-dia?’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1527923/2021/07/ensinamento-com-a-marca-da-compaixao/