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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Suicídio de padres no Brasil: o que está acontecendo?

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Francisco Vêneto,

jornalista 


‘O suicídio de padres no Brasil tem se tornado um assunto preocupantemente frequente.

Neste último dia 1º de fevereiro, o corpo sem vida do padre Geraldo de Oliveira, de 77 anos, foi encontrado entre os bancos da igreja de São Sebastião, em Surubim, Pernambuco, ao lado de um frasco e de uma carta na qual declarava sentir-se desprezado pela própria comunidade.

O bispo da diocese de Nazaré da Mata, dom Francisco de Assis, prestou solidariedade ‘aos seus familiares, ao clero, à paróquia São Sebastião, em Surubim, e ao povo de Deus’, acrescentando tratar-se de um ‘momento de grande dor’. Dom Francisco afirmou ainda que, ‘como seguidores de Jesus, caminho, verdade e vida, cremos na vida eterna e na superioridade do amor de Deus, a quem recomendamos esse nosso irmão, confiando-lhe também as preces de todos os nossos diocesanos’.

Só ao longo de 2021 e início de 2022, já foram ao menos 10 casos confirmados de suicídios de padres no Brasil.

Em novembro de 2021, repercutiu intensamente no país um contundente comentário sobre a gravidade deste panorama e sobre a carência de acompanhamento e apoio aos padres nos seus momentos de maior fragilidade emocional. 

O clero está despertando para as próprias necessidades?

Sobre o mais recente episódio de suicídio de um padre brasileiro, o bispo de Barretos, SP, dom Milton Kenan Junior, escreveu uma mensagem aos sacerdotes na qual registra que há membros do clero que, a seu ver, tendem a ‘rotular, desprezar, ignorar, boicotar… porque aquele irmão não pensa como eu, porque o outro ousa ser diferente’.

Sem justificar o ato desesperado e extremo de dar fim à própria vida, o bispo assegurou que muitos se suicidam ‘porque não encontraram quem se sentasse com eles para ouvi-los; porque não encontraram alguém que os olhasse sem julgá-los’. Dom Milton exortou os padres a mudarem este cenário para evitar a multiplicação de casos como o do padre Geraldo, que, nas palavras do bispo, ‘depois de 50 anos de sacerdócio procurou a dignidade na morte por própria conta’.

Suicídio de padres no Brasil : afinal, por quê?

Segundo o padre José Rafael Solano Durán, de Londrina, PR, encontramos hoje ‘presbíteros, diáconos e bispos desencantados; homens que já não se sentem mais atraídos por nada e muito menos por ninguém. Neste caso, por Cristo’. O padre José Rafael, que é doutor em Teologia Moral, acrescenta, segundo matéria do site Gaudium Press, que, ‘para muitos, fazer parte do clero é muito mais do que um problema, um dilema. Homens capazes de pensar e refletir, mas incapazes de decidir. Quem não sabe decidir perde o horizonte do fundamental e chega a um ponto no qual situações inesperadas o absorvem, se tornando simplesmente alguém que vive segundo as decisões dos outros’.

Entre essas ‘decisões dos outros’ há desde casos de falsa vocação, induzida sem discernimento sério e responsável por parte de familiares ou mesmo de formadores em seminários, até pressões desproporcionais relacionadas não apenas com a vida sacramental dos fiéis, mas também com questões administrativas sem estrutura de apoio. Não se podem ignorar, tampouco, as cada vez mais frequentes situações de clamorosa injustiça decorrente de falsas acusações de assédio sexual ou moral : tornou-se preocupantemente comum generalizar contra a totalidade do clero como se todos fossem predadores abomináveis, quando a grande maioria dos sacerdotes não tem culpa nem corresponsabilidade alguma pelos crimes hediondos perpetrados por uma minoria de bandidos de batina.

Um histórico preocupante de estresse e depressão

Embora o acúmulo de casos de suicídio de padres tenha sido particularmente chocante em 2021 e os sinais de alerta continuem intensos em 2022, não é de hoje que este quadro se registra na Igreja brasileira.

Em novembro de 2016, por exemplo, uma sequência de três suicídios dentro do período de apenas 15 dias chamou as atenções da mídia. O padre Ligivaldo dos Santos, de Salvador, se atirou de um viaduto aos 37 anos de idade. O padre Rosalino Santos, de Corumbá, MS, tinha 34 anos quando publicou no Facebook uma foto de quando era criança, legendada com frases soltas como ‘Dei o meu melhor’ e ‘Me ilumine, Senhor’ – dois dias depois, o seu corpo sem vida foi encontrado pendendo de uma forca. Pouco depois, o terceiro sacerdote brasileiro a dar fim à própria vida dentro daquela quizena foi o pároco Renildo Andrade Maia, de Contagem, MG : ele tinha apenas 31 anos.

Psicologia e sacerdócio

Na época, o psicólogo Ênio Pinto, autor do livro ‘Os Padres em Psicoterapia’, destacou que ‘a vida religiosa não dá superpoderes aos padres. Pelo contrário, eles são tão falíveis quanto qualquer um de nós. Em muitos casos, a fé pode não ser forte o suficiente para superar momentos difíceis’. Ênio tem noção do que diz, já que trabalhou durante muitos anos no Instituto Terapêutico Acolher, em São Paulo, fundado no ano 2000 especificamente para oferecer atendimento psicoterápico a padres, freiras e leigos a serviço da Igreja.

A mesma visão foi compartilhada pelo também psicólogo William Pereira, autor do livro ‘Sofrimento Psíquico dos Presbíteros’. Para ele, ‘o grau de exigência da Igreja é muito grande : espera-se que o padre seja, no mínimo, modelo de virtude e santidade. Qualquer deslize, por menor que seja, vira alvo de crítica e julgamento. Por medo, culpa ou vergonha, muitos preferem se matar a pedir ajuda’.

Já na época foram apontados como possíveis fatores de peso para o suicídio de padres no Brasil o excesso de trabalho, a falta de lazer e a perda de motivação.

Estresse, ansiedade, depressão e sacerdócio

De fato, uma pesquisa realizada ainda em 2008 pela organização Isma Brasil, voltada a estudar e tratar do estresse, já indicava que a vida sacerdotal era uma das ocupações mais estressantes : dos 1.600 padres e freiras entrevistados naquele ano, 448 (28%) se disseram ‘emocionalmente exaustos’, um percentual superior ao dos policiais (26%), dos executivos (20%) e dos motoristas de ônibus (15%). Segundo a psicóloga coordenadora dessa pesquisa, Ana Maria Rossi, os padres diocesanos são mais propensos a sofrer de estresse do que os religiosos que vivem reclusos. Na sua opinião, um dos fatores mais estressantes ‘é a falta de privacidade. Não interessa se estão tristes, cansados ou doentes : os padres têm que estar à disposição dos fiéis 24 horas por dia, sete dias por semana’.

Realmente, muito longe da ‘vida mansa’ que os desinformados atribuem levianamente ao clero em geral, o dia-a-dia da maioria dos sacerdotes é pontuado por muitas celebrações de batizados, casamentos, unções dos enfermos, escuta de confissões e um grande número de atividades pastorais que incluem iniciativas logisticamente complexas de caridade e ação social junto a pessoas necessitadas, além da celebração diária da Santa Missa, das orações pessoais ou comunitárias e dos tempos de estudo – sem mencionar os casos em que o padre ainda dá aulas e atende os fiéis em direção espiritual, ouvindo e tendo que dar conselhos diante de casos que, muitas vezes, são de uma gravidade devastadora.

Outra instituição especialmente dedicada a atender sacerdotes e freiras que lutam contra o estresse, a ansiedade ou a depressão é a Âncora, do Paraná, que chega a registrar ocupação de 100% e, em alguns meses, trabalha com lista de espera.

Fiéis devem ficar atentos, julgar menos e ajudar mais

É oportuno lembrar aos leitores católicos que é dever cristão zelar pelo bem das almas – e isto inclui a alma dos sacerdotes, religiosos, seminaristas, freiras e leigos consagrados. Eles contam com especial graça de Deus, certamente, mas Deus sempre deixou claro que confia o acolhimento da Sua graça à nossa liberdade, inteligência e caridade : todos precisamos fazer a nossa parte, seja por nós próprios, seja pelos outros, ajudando-os especialmente quando estão sobrecarregados e necessitados da nossa fraternidade.

Devemos tomar em especial o cuidado de não cometer injustos julgamentos baseados na visão imatura de que ‘o que falta a esses padres é vida de oração’. Em vários casos isto será verdade, mas é incorreto generalizar. Esta generalização reducionista, aliás, pode chegar a ser pecado de calúnia ou, no mínimo, maledicência. Mesmo as pessoas que vivem intensamente a fé e uma sólida espiritualidade estão sujeitas, sim, ao esgotamento físico e à necessidade de ajuda.

Se julgarmos menos e ajudarmos mais, viveremos com mais coerência o cristianismo que dizemos professar e que tanto gostamos de cobrar dos outros.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/2022/02/21/suicidio-de-padres-no-brasil-o-que-esta-acontecendo/

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Clero e clericalismo, essa enorme trama tem algo a ver com o que Jesus fez e disse?

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Para designar os sacerdotes, foi generalizado no século III o título e categoria de
*Artigo de José M. Castillo,
periodista digital
Tradução : Gilmar Pereira



Se levarmos em conta esses dois conceitos, entende-se o porquê daqueles que propõem, para renovar a Igreja e atualizá-la, a supressão do clericalismo.

Porque, se a intervenção do clero na vida da Igreja, é ‘excessiva’, o mais lógico seria controlar o excesso clerical, de modo que os leigos não sejam reduzidos a mera submissão e observância dos clérigos que governam. Com isso, os leigos, que são a grande maioria dos cristãos, acabam permanecendo na Igreja com a única missão de se submeterem ao que o clero pensa, decide e impõe (cf. F. Vidal, em Vida Nueva digital.com : ‘Decálogo para suprimir o clericalismo’).

A razão para esta proposta é clara : se as coisas continuam como estão na Igreja, os crentes (não ‘ordenados’ como sacerdotes) serão reduzidos à mera condição de ‘clientela do clero’. Ou seja, os cristãos estarão sempre à mercê da vontade dos bispos, sacerdotes e ‘clérigos’ em geral, a partir de suas ideias e interesses que, como sabemos, podem estar, em muitos casos e em questões importantes, talvez muito longe do que os mortais comuns pensam, sentem e vivem.

Além disso, essa questão é complicada se acrescentarmos a isso a teologia, a liturgia, as cerimônias, as normas, o que pode e deve ser feito para determinar as questões da vida, e tudo o mais. Isso parece estar mais de acordo com o que se pensava, era dito e feito na Antiguidade e na Idade Média, que com o que pensamos, estamos interessados e temos que resolver no século XXI.

Não temos mais que ir à missa, celebrada em certas igrejas, confessar-nos com tal ou qual sacerdote ou comparecer a casamentos e batismos em que as pessoas têm que ouvir coisas que deixam a mais de um nervoso. Lá, a linguagem, as roupas, as cerimônias, as questões que surgem e as soluções propostas são coisas que não são compreendidas. E se chegam a se entender, poucos participantes estarão interessados.

Costuma-se dizer que a raiz desses problemas está no ‘clericalismo’. Daí a necessidade de superá-lo. O que é verdade. Mas não é toda a verdade. Porque, se esse assunto for analisado mais a fundo, logo fica claro que o problema não está no ‘clericalismo’, mas no ‘clero’.

De fato, o termo grego ‘klêros’ é usado, no Novo Testamento, quando se fala de Matias para substituir Judas (Atos 1, 17-26). Para designar os sacerdotes, foi generalizado no século III o título e categoria de ‘clérigos’, distintos e superiores aos ‘leigos’. Assim, a Igreja estava dividida entre : o ‘clero’ que monopolizava a capacidade de tomar decisões, o poder de administrar os rituais sagrados e a dignidade de ser ‘consagrados’. Com o inevitável perigo de que não poucos ‘homens da Igreja’ começassem a ver, no ministério eclesiástico, uma maneira de se estabelecer na vida e até alcançar uma categoria senhorial (Y. Congar).

Entende-se isso, mesmo antes de Constantino, o tratado ‘De singularitate clericorum’ que lutou contra os abusos de grandeza e vaidade de não poucos ministros da Igreja (J. Quasten). E, infelizmente, essa tendência (ao longo dos séculos) estava aumentando. Até transformar o ‘seguimento de Jesus’ em uma ‘carreira de dignidade’, situando-se (talvez sem pensar) nos níveis mais altos da sociedade.

Assim, a comunidade dos crentes em Jesus ficou fraturada e dividida. O ‘clero’ (que é uma minoria) impõe suas ideias e possui os poderes sagrados. Os ‘leigos’ (a grande maioria) são forçados a se submeterem aos ‘consagrados’.

Se a isto somarmos os templos, monumentos sagrados, palácios episcopais, mosteiros, propriedades e a quantidade de dinheiro que estes lugares movimentam e precisam, a questão que se coloca é inevitável : isso tem que ver, em algum grau, com o que Jesus fez e disse? É mais ainda : pode-se razoavelmente pensar que todo este artificio solene evoluirá para se assemelhar à simplicidade, pobreza e condição humilde em que Jesus viveu, conforme o apresentado no Evangelho?

A contradição entre ‘o que é vivido’ e ‘o que é dito’ é clara. Então, pode ter ‘credibilidade’ quem vive em tal contradição?

Dói-me ter que dizer essas coisas. Porque tudo o que sou e tudo o que sei é à Igreja a quem devo isso. E é por esse motivo que, por quanto amo a Igreja, não posso calar a boca contra essas contradições que magoam tanto.’


Fonte :