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quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Edith Stein: “O mistério do Natal e o mistério do mal estão intimamente unidos”

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Imagem relacionada
*Texto original em italiano por Claudia Mancini 
em Libertà e Persona


Uma reflexão natalina magistral da filósofa judia que se converteu a Cristo, morreu mártir em Auschwitz e foi canonizada pela Igreja



Filósofa, judia, ateia, convertida, religiosa e mártir, essa mulher especial começa a meditação não com uma citação erudita, como quem se esforçasse por captar as atenções, e sim com uma reflexão que surpreende pela simplicidade; pela simplicidade de quem tem o olhar inclusivo da fenomenologia. Edith Stein destaca que o fascínio do Natal atinge a todos, mesmo os que pertencem a outras religiões e os não crentes, para quem a antiga história do Menino de Belém não diz nada.

Nas semanas anteriores ao dia de Natal, ‘uma cálida corrente de amor inunda toda a terra’, porque ‘todos preparam a festa e tentam irradiar um raio de alegria’. É sempre apreciável o gesto de procurar e dar alegria, de preparar e de preparar-se para uma festa : são gestos estruturalmente humanos. Para o cristão, porém, especialmente para os cristãos católicos, a estrela que leva até a manjedoura é diferente. O coração de quem vive com a Igreja, desde o repicar do Rorate Coeli até os cantos do Advento, começa a bater em uníssono com a sagrada liturgia que emoldura um momento único : o tempo de uma espera que é também ardente nostalgia. Uma espera-nostalgia que cresce durante o Advento e encontra satisfação somente quando os sinos da Missa do Galo anunciam que ‘o Verbo se fez carne’. Com este anúncio, vemo-nos sempre diante do fascínio do Menino na manjedoura, que estende as mãos e parece já dizer, sorrindo, o que mais tarde os seus lábios de Mestre repetirão até o último suspiro na cruz : ‘Segue-Me’.

Atenção : a Luz da estrela e o encanto do Menino na manjedoura duram um piscar de olhos. ‘À luz descida do céu, opõe-se, ainda mais escura, a noite do pecado’. Diante do Menino, ao mesmo tempo, os espíritos se dividem em ‘contra’ e ‘a favor’. Diante do ‘Segue-Me’, quem não é por Ele é contra Ele. Não por acaso, no dia depois do Natal, enquanto ainda ecoam os sons festivos dos sinos da noite e das festivas liturgias natalinas, a Igreja se desveste do branco de festa e se reveste do vermelho do sangue, e, no quarto dia, já usa o roxo do luto para recordar o primeiro mártir, Estêvão, e as crianças inocentes que foram mortas por Herodes. O que isto significa? Onde foi parar o encanto do Menino na manjedoura? Onde está o bem-aventurado silêncio da noite santa?

O mistério da noite de Natal, escreve Edith Stein, carrega uma verdade grave e séria que o encanto da manjedoura não deve encobrir aos nossos olhos : ‘O mistério da encarnação e o mistério do mal estão intimamente unidos’.

A alegria do Menino e das figuras luminosas que se ajoelham em torno da manjedoura, das crianças inocentes, dos pastores esperançosos, dos reis humildes, dos mártires, dos discípulos, dos homens de boa vontade que seguem o chamado do Senhor, essa alegria, enfim, caminha de mãos dadas com a constatação de que nem todos os homens são de boa vontade; de que a paz não alcança ‘os filhos das trevas’; de que, para esses, o Príncipe da Paz ‘traz a espada’; de que, para esses, Ele é a ‘pedra de tropeço’ que os derruba. Aquele Menino divide e separa, porque, enquanto o contemplamos, Ele nos impõe uma escolha : ‘Segue-Me’. Ele a impõe a nós também, hoje, e nos coloca diante da decisão entre a luz e a escuridão. As mãos do Menino ‘dão e exigem ao mesmo tempo’.

Se colocarmos as nossas mãos nas do Menino Deus e respondermos sim ao seu ‘Segue-Me’, o que recebemos?

Oh, maravilhoso intercâmbio! O Criador da humanidade nos dá, assumindo um corpo, a sua divindade!’. Aqui reside a grandeza do mistério da Encarnação : quem escolhe a luz, quem fica do lado do Menino, ‘abre caminho para que a sua vida divina se derrame sobre nós’ e traz ‘de forma invisível o Reino de Deus dentro de si’. O Natal é o começo da aventura de deixar a graça ‘permear de vida divina toda a vida humana’. Por que Deus se fez homem? Deus se tornou um filho do homem para que os homens se tornem filhos de Deus. Escreve Edith Stein : ‘Um de nós tinha rasgado o vínculo da filiação divina; um de nós tinha que reatá-lo e pagar pelo pecado. Mas nenhum descendente da antiga progênie, doente e bastarda, tinha condições de fazê-lo. Era preciso enxertar-lhe um ramo novo, saudável e nobre’. Estas palavras de Edith Stein evocam, por analogia óbvia, uma passagem do ‘Cur Deus Homo’ (CDH), de Santo Anselmo, que contém a mesma lógica da redenção : ‘A restauração da natureza humana não teria acontecido se o homem não tivesse pagado a Deus o que lhe devia pelo pecado. Mas a dívida era tão grande que a satisfação, de obrigação apenas do homem, mas possível somente a Deus, precisava ser dada por um homem-Deus’ (CDH 2,6).

Edith Stein tinha aprendido, na escola dos professores do carmelo, Teresa de Ávila e João da Cruz em particular, que a graça se desenvolve em nós como uma semente que nos transforma, deixando-nos participar da própria vida de Deus. Por esta razão, a meditação seguinte insiste nos sinais fundamentais de uma vida humana unida a Deus.

O primeiro sinal da filiação divina é ‘ser um só com Deus’. O Menino desceu ao mundo para ser um ‘corpo misterioso’ conosco : ‘Ele é a nossa cabeça, nós os Seus membros’. Não existimos mais ‘um ao lado do outro, como pessoas isoladas, autônomas, e sim, todos juntos, como uma só coisa com Cristo’. O segundo sinal da filiação divina é ‘ser um só em Deus’ : ‘Se, no corpo místico, Cristo é o corpo e nós os membros, então somos membros uns dos outros e, todos juntos, somos um só em Deus’. A medida do nosso amor a Deus é o nosso amor para com o próximo, ‘seja parente ou não, seja-nos simpático ou não, seja moralmente digno da nossa ajuda ou não; quem ama com o amor de Cristo, ama a humanidade por Deus e não por si’. O terceiro sinal da filiação divina é a disponibilidade para aceitar qualquer coisa da mão de Deus : o ‘faça-se a Tua vontade!’, em toda a sua extensão, deve ser o critério da vida cristã. Ele deve permear a jornada da manhã até a noite, o curso do ano e de toda a vida. ‘Deve ser a única preocupação do cristão. Todas as outras o Senhor as toma para Si’.

À luz e ao calor da Noite Santa, quando mal começamos a nos confiar ao Menino, apertamos confiantes a Sua mão e vemos com clareza o que devemos fazer ou não fazer. Mas a situação não ficará assim para sempre. Quem vê o encanto do Menino na Noite Santa não pode fingir que não percebe que o caminho que parte de Belém conduz ao Gólgota, vai da manjedoura até a cruz. ‘Quem pertence a Cristo deve viver toda a vida d’Ele’. A noite de Natal e a noite da cruz são uma única noite. Chegará o tempo do sofrimento e da morte para cada homem. Quando ele vier, a confiança em Deus permanecerá firme? Estaremos dispostos a aceitar qualquer coisa da Sua mão? Seremos ainda capazes de dizer ‘faça-se a Tua vontade’, mesmo na ’noite escura’, quando a luz divina já não brilhar e a voz do Senhor silenciar?

Os mistérios do cristianismo são um todo indivisível. Quem se aprofunda em um, acaba por tocar os outros todos, escreve Edith Stein. Sobre o luminoso esplendor da manjedoura paira a sombra da cruz. A luz da Noite Santa se apaga na escuridão da Sexta-Feira Santa, mas volta a brilhar mais forte na manhã da Ressurreição. O Filho encarnado de Deus, através da cruz e da paixão, chega até a glória da ressurreição. É assim que cada homem deve sofrer e morrer. Se for um membro vivo do Corpo de Cristo, porém, o seu sofrimento e a sua morte se tornarão, graças à divindade da Cabeça do corpo, redentores : ‘Cada um de nós, toda a humanidade, chegará, com o Filho do homem, através do sofrimento e da morte, até a mesma glória’. E o Salvador, sabendo que somos homens em luta diária com as nossas fraquezas, vem em nosso auxílio com aqueles que Edith Stein chamava de ‘meios de salvação’ : ‘estar todos os dias em relação com Deus’ através da escuta da Palavra, da oração litúrgica e interior, da vida sacramental. Mas é principalmente para o ‘Salvador eucarístico’ que precisamos abrir espaço, para podermos transformar a nossa vida na d’Ele. Assim como o corpo terreno precisa do pão de cada dia, assim também a vida divina aspira em nós a ser alimentada continuamente : ‘Em quem realmente faz d’Ele o seu pão de cada dia, cumpre-se diariamente o mistério do Natal, a encarnação do Verbo’. E esta é, sem dúvida, a maneira mais segura de manter ininterrupta a união com Deus e de enraizar-se todos os dias e cada vez mais firmemente no corpo místico de Cristo.

Edith Stein escreveu vinte páginas de meditação sobre o Natal, densíssimas, para lembrar que os mistérios do cristianismo são um todo indivisível, porque todos são mistérios portadores de salvação. Encarnação, cruz e ressurreição são inseparáveis. Só porque verdadeiramente o Filho, que é Deus, ‘se fez carne’ é que Ele poderia morrer e ressuscitar, arrebatando-nos da morte e nos abrindo um futuro em que esta carne’, a nossa existência terrena, entrará na eternidade do Reino de Deus. Celebramos o Natal como um convite a nos deixar transformar por Aquele que entrou em nossa carne, que se uniu a nós e nos uniu a Si, para permear de vida divina toda a vida humana.

Que o mistério da noite de Natal nos lembre que algo extraordinário acontece mediante a encarnação : a carne se torna o instrumento da salvação.

Verbum caro factum est’ : o Verbo Se fez carne, escreve João Evangelista, e um autor cristão do século III, Tertuliano, afirma : ‘Caro salutis est cardo’, a carne é o eixo da salvação.

Se a alma se torna totalmente de Deus, é a carne que o torna possível! A carne é batizada para que a alma seja purificada; a carne é ungida para que a alma seja consagrada; a carne é marcada pela cruz para que a alma fique incólume; a carne é coberta pela imposição das mãos para que a alma seja iluminada pelo Espírito; a carne se nutre do Corpo e do Sangue de Cristo para que a alma se sacie de Deus. Elas não serão, pois, separadas no dia da recompensa, porque estiveram unidas durante as obras’ (De carnis resurrectione, 8,3: PL 2,806).’’


Fonte :  

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

A misericórdia em Edith Stein

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Anna Rotundo


Santa Teresa Benedita da Cruz, testemunha de Deus durante o Holocausto, é um modelo para os tempos amargos que estamos vivendo.


Edith Stein, grande santa alemã (conhecida como Teresa Benedita da Cruz) de ascendência judaica, filósofa de profunda inteligência especulativa, assistente do filósofo Edmund Husserl, padroeira da Europa.

Gostaria de recorda-la não apenas por ocasião da próxima jornada da memória (27 de janeiro, em homenagem às vítimas do Holocausto), mas porque na sua escola encontro a confiança na misericórdia que brilha apesar da escuridão do mal e da violência que caracteriza de forma tão dramática aquele ‘século breve’ no qual essa santa carmelita viveu e morreu, em Auschwitz. Um de seus modelos bíblicos favoritos era a rainha Ester, que arriscou a vida para a salvação de seu povo.

Penso sempre na rainha Ester que foi escolhida exatamente para interceder por seu povo diante do rei. Sou uma pequena Ester pobre, impotente, mas o Rei, que me escolheu, é infinitamente grande e misericordioso. Esta é uma grande consolação’, escreveu.

Nunca gostei de pensar que a misericórdia de Deus esteja confinada na Igreja visível, Deus é a verdade. Quem procura a verdade procura a Deus, sabendo ou não’.

Esta esperança na misericórdia divina presente em Edith Stein, embora pessoalmente vivesse grandes dificuldades e perseguições, é exemplo para o nosso tempo, onde o mal e a violência continuam a prosperar insidiosamente. Assim, a Misericordiae Vultus, a bula do Jubileu extraordinário da Misericórdia, convida a ‘olhar para o futuro com esperança ... uma Porta da Misericórdia, onde qualquer pessoa que entre poderá experimentar o amor de Deus que consola, perdoa e dá esperança’.

Mas como é que a misericórdia surge diante do mal? Edith Stein escreveu : ‘A íntima essência do amor está no dom de si’. As palavras da santa recordam os ‘verbos de ação’ sugeridos pelo Arcebispo de Catanzaro-Squillace, Dom Vincenzo Bertolone, para o Ano Jubilar : ​​Tomar a iniciativa sem medo’, ‘dar o primeiro passo’, ‘preceder no amor’ ‘ir ao encontro’ e ‘buscar os distantes’.

Diante do ciclo de violência que parece tornar amargo o presente e obscuro o horizonte do nosso futuro, conhecer a figura de Santa Teresa Benedita da Cruz, aqui apenas mencionada, pode dar-nos luz para colher e oferecer mais fortemente os sinais da presença e da proximidade misericordiosa de Deus.’


Fonte :


quarta-feira, 24 de setembro de 2014

A santa discrição na direção espiritual

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 *Artigo de Santa Edith Stein 

A Santa Regra de São Bento é frequentemente denominada como ‘discretione perspicua’, quer dizer, ‘que se distingue pela discrição’. A discrição é considerada como uma marca característica da santidade beneditina.

De certo modo, sem ela não existe santidade e, quando compreendida em sua amplitude, se confunde com a própria santidade. Quando se confia algo a alguém, de humilde discrição, espera-se que ele guardará silêncio, porém, é muito mais do que simples sigilo. O discreto sabe, mesmo quando não lhe é recomendado, aquilo que não deve falar. Possui o dom de discernir entre o que deve falar e o que deve manter em silêncio, a quem se pode confiar algo e a quem não o pode. Isto serve tanto para assuntos pessoais quanto para os outros.

Consideramos como indiscrição se alguém fala de seus assuntos pessoais quando não convém, ou quando sua omissão é ofensiva.

Deste dom necessitam especialmente os que têm de dirigir almas. São Bento o menciona no contexto do capítulo 64 que caracteriza o Abade. Nas decisões que toma tem de ser ‘prudente e refletido’ e seja um trabalho humano ou divino que ele ordena, tem de saber discernir e ponderar, tendo presente o discernimento de Jacó quando diz : ‘Se fizer meus rebanhos trabalhar, andando demais, morrerão todos num só dia’. Este e outros testemunhos sobre a discrição, a mãe de todas as virtudes, tem de brotar do seu coração de tal modo que saiba ver o que os fortes desejam e o que afugenta os fracos. Poderíamos definir aqui a discrição como sábia moderação. Mas a fonte de tal moderação é o dom do discernimento, isto é, saber o que é mais adequado para cada um.

De onde nos vem este dom? Em nossa natureza há algo que nos capacita a um certo grau de discernimento. Nós o designamos como tato ou sensibilidade, fruto da cultura espiritual e sabedoria herdadas ou adquiridas, por meio de uma complexa atividade educativa e através de experiências de vida. O Cardeal Newman afirma que o autêntico cavalheiro, cortês e atencioso, quase se confunde com o santo. Certamente isto só é válido enquanto não se cumpre um certo limite. A partir deste limite, porém, o equilíbrio ‘natural’ se faz em pedaços. Por ouro lado, essa discrição natural, não penetra no profundo. Sabe muito bem ‘como tratar os homens’ e chega a prevenir-se dos obstáculos da vida social, lubrificando oportunamente as engrenagens do sistema. Mas, os pensamentos do coração, no mais íntimo da alma, permanecem escondidos. Aí, só penetra o Espírito que tudo perscruta inclusive a profundez da divindade. A autêntica discrição é, portanto, sobrenatural. Encontra-se somente onde reina o Espírito Santo, onde uma alma totalmente entregue e livre para mover-se, está atenta à suave voz do encantador hóspede e espera o seu sopro divino. (...)

A santa discrição é radicalmente diversa da discrição humana. Ela não discerne em base a um pensamento progressivo, como pode ser o espírito investigador humano, tampouco na base de compêndios ou de comparações e agrupamentos, ou conclusões e demonstrações. Ela discerne como o olho em plena luz do dia o contorno que as coisas têm ao seu redor. Perceber os mínimos detalhes não impede que se perca a visão do todo. Quanto mais acima o peregrino está, mais amplo é o panorama à sua frente, visto que do cume de onde contempla, alcança todos os arredores. O olho do espírito, iluminado pela luz celeste, alcança as distâncias mais remotas e nada se lhe apresenta indistinto ou indistinguível. Com a união cresce a plenitude até que o simples raio da luz divina se faça visível, no mundo inteiro, como aconteceu a São Bento na magna visão.


Fonte : 
* Santa Edith Stein (Teresa Benedita da Cruz, OCD, 1891-1942). Obras Selectas – Editorial Monte Carmelo – Burgos, 1998, p. 261-264.

Revista Beneditina nrº 11, Julho/Agosto de 2005, traduzido e editado pelas monjas beneditinas do Mosteiro da Santa Cruz – Juiz de Fora/Minas Gerais.