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quarta-feira, 29 de abril de 2015

Santa Catarina de Sena

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
  
  
Catarina era apenas uma irmã leiga da Ordem Terceira Dominicana. Mesmo analfabeta, talvez tenha sido a figura feminina mais impressionante do cristianismo do segundo milênio. Nasceu em 25 de março de 1347, em Sena, na Itália. Seus pais eram muito pobres e ela era uma dos vinte e cinco filhos do casal. Fica fácil imaginar a infância conturbada que Catarina teve. Além de não poder estudar, cresceu franzina, fraca e viveu sempre doente. Mas, mesmo que não fosse assim tão debilitada, certamente a sua missão apostólica a teria fragilizado. Carregava no corpo os estigmas da Paixão de Cristo.

Desejando seguir o caminho da perfeição, aos sete anos de idade consagrou sua virgindade a Deus. Tinha visões durante as orações contemplativas e fazia rigorosas penitências, mesmo contra a oposição familiar. Aos quinze anos, Catarina ingressou na Ordem Terceira de São Domingos. Durante as orações contemplativas, envolvia-se em êxtase, de tal forma que só esse fato possibilitou que convertesse centenas de almas durante a juventude. Já adulta e atuante, começou por ditar cartas ao povo, orientando suas atitudes, convocando para a caridade, o entendimento e a paz. Foi então que enfrentou a primeira dificuldade que muitos achariam impossível de ser vencida : o cisma católico.

Dois papas disputavam o trono de Pedro, dividindo a Igreja e fazendo sofrer a população católica em todo o mundo. Ela viajou por toda a Itália e outros países, ditou cartas a reis, príncipes e governantes católicos, cardeais e bispos, e conseguiu que o papa legítimo, Urbano VI, retomasse sua posição e voltasse para Roma. Fazia setenta anos que o papado estava em Avignon e não em Roma, e a Cúria sofria influências francesas.

Outra dificuldade, intransponível para muitos, que enfrentou serenamente e com firmeza, foi a peste, que matou pelo menos um terço da população européia. Ela tanto lutou pelos doentes, tantos curou com as próprias mãos e orações, que converteu mais algumas centenas de pagãos. Suas atitudes não deixaram de causar perplexidade em seus contemporâneos. Estava à frente, muitos séculos, dos padrões de sua época, quando a participação da mulher na Igreja era quase nula ou inexistente.

Em meio a tudo isso, deixou obras literárias ditadas e editadas de alto valor histórico, místico e religioso, como o livro ‘Diálogo sobre a Divina Providência’, lido, estudado e respeitado até hoje. Catarina de Sena morreu no dia 29 de abril de 1380, após sofrer um derrame aos trinta e três anos de idade. Sua cabeça está em Sena, onde se mantém sua casa, e seu corpo está em Roma, na Igreja de Santa Maria Sopra Minerva. Foi declarada ‘doutora da Igreja’ pelo papa Paulo VI em 1970.’


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.paulinas.org.br/diafeliz/?system=santo&id=203


segunda-feira, 28 de abril de 2014

Santa Catarina de Sena, Virgem e Doutora da Igreja

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Santa Catarina de Sena recebendo os estigmas
*Artigo de Bento XVI, Papa Emérito
  

‘Queridos irmãos e irmãs, hoje, eu gostaria de falar-vos sobre uma mulher que teve um papel de destaque na história da Igreja. Trata-se de Santa Catarina de Sena. O século em que viveu – o décimo quarto – foi uma época conturbada para a vida da Igreja e da sociedade em geral na Itália e na Europa. No entanto, mesmo nos momentos de maior dificuldade, o Senhor não cessa de abençoar o seu Povo, suscitando Santos e Santas que inspiram as mentes e os corações, levando à conversão e à renovação. Catarina é uma dessas e ainda hoje fala-nos e estimula-nos a caminhar com coragem rumo à santidade, para sermos cada vez mais plenamente discípulos do Senhor.

Nascida em Sena em 1347, em uma família muito numerosa, morreu em sua cidade natal, em 1380. Com a idade de 16 anos, impulsionada por uma visão de São Domingos, entrou na Ordem Terceira Dominicana, o ramo feminino dito das Mantellate. Permanecendo em família, confirmou o voto de virgindade feito privadamente quando ainda era adolescente, dedicou-se à oração, à penitência, às obras de caridade, especialmente em benefício dos doentes.

Quando a fama de sua santidade espalhou-se, foi protagonista de uma intensa atividade de aconselhamento espiritual na relação com todas as categorias de pessoas : nobres e políticos, artistas e gente do povo, pessoas consagradas, eclesiásticos, incluindo o Papa Gregório XI que, naquele período, residia em Avignon e ao qual Catarina exortou enérgica e eficazmente que retornasse para Roma. Viajou muito para solicitar a reforma interior da Igreja e promover a paz entre os Estados : também por esse motivo, o Venerável João Paulo II desejou declará-la copadroeira da Europa : o Velho Continente nunca poderá esquecer as raízes cristãs que formam a base de seu caminho e continua a desenhar, a partir do Evangelho, os valores fundamentais que asseguram a justiça e a harmonia.

Catarina sofreu muito, como muitos Santos. Alguns chegaram a pensar que se devesse ter cautela com ela ao ponto de que, em 1374, seis anos antes de sua morte, o capítulo geral dos Dominicanos convocou-a a Florença para interrogá-la. Colocaram-na junto a um frade douto e humilde, Raimundo de Cápua, futuro Mestre-Geral da Ordem. Ele tornou-se seu confessor e também seu ‘filho espiritual’ e escreveu a primeira biografia completa da santa. Foi canonizada em 1461.

A doutrina de Catarina, que aprendeu a ler com dificuldade e aprendeu a escrever quando já era adulta, está contida no Il Dialogo della Divina Provvidenza ovvero Libro della Divina Dottrina (O Diálogo da Divina Providência ou Livro da Divina Doutrina), uma obra-prima da literatura espiritual, em seu Epistolario (Correspondências) e na reunião das Preghiere (Orações). Seu ensino possui uma riqueza tamanha que o Servo de Deus Paulo VI, em 1970, declarou-a Doutora da Igreja, título que se uniu àquele de copadroeira da cidade de Roma, por desejo do Beato Pio IX, e de Padroeira da Itália, de acordo com a decisão do Venerável Papa Pio XII.

Em uma visão que jamais se apagou do coração e da mente de Catarina, Nossa Senhor apresentou-a a Jesus, que lhe deu um esplêndido anel de ouro, dizendo : ‘Eu, teu Criador e Salvador, esposo-te na fé, que conservarás sempre pura, até quando vieres celebrar comigo no céu as tuas núpcias eternas’ (Raimundo de Cápua, S. Caterina da Siena, Legenda maior, n. 115, Siena, 1998). Aquele anel foi visível somente para ela. Nesse episódio extraordinário, colhemos o centro vital da religiosidade de Catarina e de toda a espiritualidade verdadeira : o cristocentrismo. Cristo é para ela como o esposo, com quem há uma relação íntima, de comunhão e de fidelidade; é o bem amado acima de todos os outros bens.

Essa união profunda com o Senhor é ilustrada por um outro episódio da vida dessa grande mística : a troca de corações. Segundo Raimundo de Cápua, que transmite as confidências recebidas de Catarina, o Senhor Jesus lhe aparece segurando na mão um coração humano vermelho esplendente, abre-lhe o peito, introdu-lo e diz : ‘Querida filha, como no outro dia eu tomei o teu coração que tu me ofereceste, eis que agora te dou o meu, e de agora em diante ficará no lugar que ocupava o teu’ (ibid.). Catarina viveu realmente as palavras de São Paulo, ‘(...) não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim’ (Gl 2, 20).

Assim como a santa sienesa, todo o crente sente a necessidade de conformar-se com os sentimentos do Coração de Cristo para amar a Deus e o próximo como Cristo mesmo ama. E todos nós podemos deixar-nos transformar o coração e aprender a amar como Cristo, em uma familiaridade com ele nutrida pela oração, meditação da Palavra de Deus e dos Sacramentos, sobretudo recebendo frequentemente e com devoção a santa Comunhão. Também Catarina pertence àquela fileira de santos eucarísticos com que eu desejei concluir a minha Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis (cf. n. 94). Queridos irmãos e irmãs, a Eucaristia é um dom extraordinário de amor que Deus nos renova continuamente para alimentar o nosso caminho de fé, revigorar a nossa esperança, inflamar a nossa caridade, para tornar-nos sempre mais semelhantes a Ele.

Em torno de uma personalidade tão forte e autêntica foi-se constituindo uma verdadeira e própria família espiritual. Tratava-se de pessoas fascinadas pela autoridade moral desta jovem mulher de elevadíssimo nível de vida, e às vezes impressionadas também pelos fenômenos místicos de que participava, como o êxtase frequente. Muitos colocaram-se ao seu serviço e, sobretudo, consideraram um privilégio serem guiados espiritualmente por Catarina. Eles chamavam-na de ‘mamãe’, porque, como filhos espirituais, dela obtêm a nutrição do espírito.

Também hoje a Igreja recebe um grande benefício do exercício da maternidade espiritual de tantas mulheres, consagradas e leigas, que alimentam nas almas o pensamento por Deus, fortalecem a fé do povo e orientam a vida cristã rumo a picos sempre mais elevados. ‘Filho, digo-vos e chamo-vos – escreve Catarina dirigindo-se a um de seus filhos espirituais, o cartuxo João Sabatini –, enquanto dou-vos à luz através de contínuas orações e lembrança constante diante de Deus, como uma mãe dá à luz ao filho’ (Epistolario, Lettera  n. 141 : A don Giovanni de’ Sabbatini). Ao frade dominicano Bartolomeu de Dominici era usual dirigir-se com estas palavras : ‘Diletíssimo e queridíssimo irmão e filho em Cristo, doce Jesus’.

Uma outra característica da espiritualidade de Catarina está relacionada com o dom das lágrimas. Elas expressam uma sensibilidade profunda e requintada, capacidade de comoção e ternura. Não poucos santos tiveram o dom das lágrimas, renovando a emoção do próprio Jesus, que não reteve ou escondeu suas lágrimas diante do sepulcro de seu amigo Lázaro e da tristeza de Maria e Marta, e à vista de Jerusalém, em seus últimos dias terrenos. Segundo Catarina, as lágrimas dos Santos se mesclam ao Sangue de Cristo, de quem ela falava com tons vibrantes e imagens simbólicas muito eficazes : ‘Fazei memória de Cristo crucificado, Deus e homem (...). Tenhais como objetivo Cristo crucificado, esconde-te nas chagas de Cristo crucificado, mergulha-te no sangue de Cristo crucificado’ (Epistolario, Lettera n. 16 : Ad uno il cui nome si tace).

Aqui nós podemos entender porque Catarina, embora consciente das carências humanas dos padres, sempre teve uma grandíssima reverência por eles : dispensam, através dos Sacramentos e da Palavra, o poder salvador do Sangue de Cristo. A Santa Sienesa convidou sempre os ministros sagrados, também o Papa, a quem chamava de ‘doce Cristo na terra’, a serem fiéis às suas responsabilidades, movida sempre e somente pelo seu amor profundo e constante pela Igreja. Antes de morrer, disse : ‘Partindo-me do corpo, na verdade, consumei e dei a vida na Igreja e pela Igreja Santa, o que me é singularíssima graça’ (Raimundo de Cápua, S. Caterina da Siena, Legenda maior, n. 363).

De Santa Catarina, portanto, aprendemos a ciência mais sublime : conhecer e amar Jesus Cristo e sua Igreja. No Dialogo della Divina Provvidenza, ela, com uma imagem singular, descreve Cristo como uma ponte entre o céu e a terra. Essa ponte é composta por três escadas, constituídas pelos pés, pelo lado e pela boca de Jesus. Elevando-se através das escadas, a alma passa por três fases de toda a via de santificação : a separação do pecado, a prática das virtudes e do amor, a união doce e afetuosa com Deus.

Queridos irmãos e irmãs, aprendemos de Santa Catarina a amar com coragem, de modo intenso e sincero, Cristo e a Igreja. Façamos nossas, por isso, as palavras de Santa Catarina, que lemos no Dialogo della Divina Provvidenza, na conclusão do capítulo que fala de Cristo-ponte : ‘Por misericórdia lavou-nos no sangue, por misericórdia desejastes conversas com as criaturas. Ó, Louco de amor! Não te bastou encarnar-te, mas desejastes também morrer! (...) Ó misericórdia! O coração meu afoga-se no pensar em ti : que para onde quer que eu dirija meu pensamento, não encontro nada que não seja misericórdia’ (cap. 30, pp 79-80).’


Fonte  :


sábado, 22 de fevereiro de 2014

Mulheres Doutoras da Igreja

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Santa Teresa de Lisieux
* Artigo de Dom Guy Gaucher

** Santa Hildegarda de Bingen,
posteriormente a este artigo, tornou-se a quarta Doutora


E mulheres doutoras não são do meu gosto. Admito que uma mulher seja perspicaz, mas não lhe desejo absolutamente a paixão chocante de se tornar sábia a fim de ser sábia’. (MOLIÉRE, As Mulheres sábias, I, III)


Santa Catarina de Sena
Quando o Papa Paulo VI, em 1970, declarou duas mulheres Doutoras da Igreja, a espanhola Santa Teresa de Ávila (1515-1582) e a italiana Santa Catarina de Sena, foi um verdadeiro estrondo. Esperamos quase 2000 anos para que mulheres fossem reconhecidas como Doutoras da Igreja universal. Até àquela data, só trinta homens tinham sido declarados Doutores da Igreja.

Subitamente os critérios de uma declaração de doutorado foram abalados, pois Teresa de Ávila sublinhou várias vezes sua ignorância em teologia – ela se dizia, ‘uma fraca mulher’(!). Quanto a Catarina de Sena, era quase analfabeta. Ao mesmo tempo, esse verdadeiro estrondo não foi mais ouvido (1).

No entanto, em Notre-Dame de Paris, no centenário do nascimento de Santa Teresa de Lisieux, em 1973, um eminente teólogo havia dito :

É significativo que, desde a Idade Média até a época moderna, todo um cortejo de santas mulheres tenha silenciosamente protestado contra essa teologia masculina, e fortes, com a audácia de seu coração e por um acesso direto ao mistério da salvação, elas tenham experimentado uma esperança sem limites. Para nos restringirmos aos maiores nomes, mencionemos apenas, Hildegardes, Gertudes, Mectildes de Hackborn, Mectildes de Magdeburg, Juliana de Norwich, Catarina de Gênova, Maria da Encarnação e mesmo Madame Guyon. Mas a teologia das mulheres jamais foi levada a sério nem integrada pela sociedade. Entretanto, depois da mensagem de Lisieux, seria preciso considerá-la na reconstrução atual da dogmática (2).

Relativamente à jovem carmelita de Lisieux, que deixou a escola aos treze anos e meio, seu Doutorado tinha sido pedido, desde 1932, pelo Padre Desbuquois, jesuíta da ação popular, durante o Congresso, quando da inauguração da cripta da basílica de Lisieux. Mas o Papa Pio XI, teresiano sem qualquer dúvida (tinha beatificado Teresa em 1923, canonizado em 1925 e declarado Padroeira Universal das Missões em 1927), recusou firmemente : ‘Sexus obstat’.

Não lhe parecia possível, em 1932, dar um passo tão ousado. Entretanto, acrescentou : ‘Meus sucessores verão’. Foi preciso esperar trinta e oito anos para que Paulo VI desse esse passo.

Quando, em 1987, Dom Pierre Pican, bispo de Bayeux e Lisieux, me confiou a missão de retomar a questão do Doutorado de Santa Teresa de Lisieux, tive de demonstrar que uma mulher podia ser Doutora da Igreja, como já o havia feito, – em vão – o Padre Desbuquois. O obstáculo fora levantado por Paulo VI.

Era preciso mostrar que esta jovem santa propunha uma ‘doutrina eminente’ (‘eminens doctrina’), útil à Igreja universal. Eu podia me apoiar nos trabalhos teológicos dos Padres Petitot OP, Philipon OP, Combes, Bro OP, Congar OP, Daniélou SJ, Bouyer, Durwell, Molinié OP, Le Guillou, Urs von Balthasar, Rideau SJ, Léthel OCD, etc.

Em seguida, em 1996, cinquenta Conferências Episcopais fizeram a João Paulo II o pedido do Doutorado para a santa de Lisieux.

É claro que a aprovação de João Paulo II foi decisiva. Geralmente, com raríssimas exceções (Santo Afonso Maria de Ligório), era preciso esperar quatro séculos após a morte para que um santo fosse proclamado Doutor. Para Teresa de Lisieux, cem anos bastaram (1897-1997). Como sublinhou o Papa em sua Carta Apostólica de 19 de outubro de 1997, Divini Amoris Scientia, Teresa é ‘uma mulher, uma jovem, uma contemplativa’, a mais jovem Doutora da Igreja.

Ele insistiu na ‘mulher’, em conformidade com seus escritos nos quais sempre sublinhou ‘o gênero feminino’ (3).

Em primeiro lugar Teresa é uma mulher que, ao abordar o Evangelho, soube discernir as riquezas escondidas com um sentido do que é real, uma profundidade de assimilação na vida e uma sabedoria que são próprias do gênio feminino. Sua universalidade lhe confere um grande lugar entre as santas mulheres que brilham por sua sabedoria evangélica.

 Notemos que, durante seu pontificado de vinte e sete anos, João Paulo II – que beatificou e canonizou mil oitocentas e vinte pessoas – proclamou somente um Doutor, sublinhando que a mulher pode ter um lugar eminente na Igreja universal como doutrinante.

Até 1970, considerava-se que o Doutorado implicava um ensinamento fundado certamente sobre a santidade (condição primeira), mas principalmente na elaboração de conceitos formais, daí os Tratados, as Sumas.

Isso evidentemente afastava toda contribuição feminina, pois durante séculos, com raras exceções e até ao século XX, as mulheres foram excluídas do ensino e com mais forte razão, das Universidades. Quando se trata porém de falar sobre Deus, de dizer uma palavra sobre Deus (theo-logos), dever-se-ia excluir aquelas que tiveram uma experiência de Deus e que o exprimiram, conforme seus meios não conceituais, mas com uma linguagem imaginativa, simbólica, narrativa, tão ‘teológica’ quanto a linguagem dos homens formados nas universidades?

Santa Teresa de Ávila
Sobre o conhecimento de Deus, não era Santa Teresa de Ávila mais douta que as dezenas de teólogos que consultou e que deveriam decidir se ela era inspirada por Deus ou pelo diabo? Ela esteve `a beira de ser atingida pelos raios da Inquisição.

Além disso, as mulheres deviam enfrentar a desconfiança dos teólogos que suspeitavam das ‘místicas’ que se metiam a falar sobre Deus.

Catarina de Sena foi felizmente protegida por Raimundo de Cápua, OP. Mas Joana d’Arc não teve defensor algum diante do tribunal.

Ainda hoje esses Doutorados femininos não foram reconhecidos como palavras decisivas em teologia. Mas se nós fomos criados ‘à imagem e semelhança de Deus’, homens e mulheres, uma palavra exclusivamente masculina sobre Deus não pode exprimir todo o seu Mistério. Uma palavra feminina é necessária. Já se demonstrou que essas mulheres santas foram mais longe do que os homens na reflexão sobre o mistério da misericórdia divina, por exemplo (4).

Uma mulher sintetizou bem o papel de suas co-irmãs na teologia :

O reconhecimento dessas mulheres, por diferentes que sejam, prova que em momentos diferentes da História e em lugares diferentes, a Igreja institucional sabia aceitar o risco de uma reviravolta hermenêutica. Tanto no século XIX bem como no século XVI isso não é possível, senão pela conjunção da espiritualidade e da lúcida sabedoria : por um lado, mulheres desprovidas de ciência filosófica e teológica, mas humildes e obedientes, e por outro, homens lúcidos e dotados de discernimento que, ao controlar os dogmas e o saber na Igreja, conhecem a necessidade do risco e da abertura múltipla do sentido.

A teologia tradicional, sistema por demais irrefutável, pode se degradar em ideologia : as mulheres, por não terem acesso ao saber teológico, são capazes de acrescentar a razão teológica à sua idade hermenêutica : não apenas conhecimento, mas interpretação viva (5).

Certamente, hoje em dia as mulheres são professoras de teologia, decanas de faculdades teológicas.

Edith Stein era doutora em filosofia antes de ser carmelita e mártir. Mas estamos ainda muito longe da igualdade em teologia. Ninguém duvida que o longo combate pela igualdade entre homens e mulheres em nossa sociedade e em nossa Igreja vai continuar ainda por muito tempo. Santa Teresa de Lisieux sofreu essa injustiça.

Depois de sua grande peregrinação a Roma, sendo Papa Leão XIII, ela escreveu :

Não posso ainda compreender porque as mulheres são tão facilmente excomungadas na Itália; a cada instante nos diziam : ‘Não entrem aqui... Não entrem lá, vocês seriam excomungadas!...’ Ah! As pobres mulheres, como são desprezadas!... No entanto elas amam o Bom Deus em número bem maior do que o dos homens, e durante a Paixão de Nosso Senhor, as mulheres tiveram mais coragem do que os apóstolos, uma vez que desafiaram os insultos dos soldados e ousaram enxugar a Face adorável de Jesus... É sem dúvida por isso que Ele permite que o desprezo seja a sua parte na terra, uma vez que Ele o escolheu para si mesmo... No céu, Ele mostrará que seus pensamentos não são iguais aos dos homens, pois então, as últimas serão as primeiras... (Manuscrito A, 66).

Ela não podia imaginar que nesta mesma Praça de São Pedro, no domingo das Missões, 19 de outubro de 1997, um outro papa a proclamaria Doutora da Igreja, diante de sessenta mil pessoas, dizendo :

Com razão, portanto, pode-se reconhecer na Santa de Lisieux o carisma de Doutora da Igreja, quer pelo dom do Espírito Santo que ela recebeu para viver e exprimir a sua experiência de fé, quer pela particular inteligência do mistério de Cristo. Nela convergem os dons da lei nova, isto é, a graça do Espírito Santo que Se manifesta na fé viva e operante por meio da caridade (cf. Santo Tomás de Aquino, I-II, q. 106, art 1; q. 108, art. 1). Podemos aplicar a Teresa de Lisieux quanto teve a ocasião de dizer o meu Predecessor Paulo VI a respeito de outra jovem santa, Doutora da Igreja, Catarina de Sena : ‘O que mais impressiona na Santa é a sabedoria infusa, isto é, a lúcida, profunda e inebriante assimilação das verdades divinas e dos mistérios da fé (...) : uma assimilação favorecida, sim, por dotes naturais singularíssimos, mas evidentemente prodigiosa, devida a um carisma de sabedoria do Espírito Santo’ (AAS 62 (1979), p. 675).

Certamente, esta declaração foi um avanço considerável. Fazemos votos que não seja necessário ‘esperar o Céu’ para que outras mulheres santas digam o que sabem sobre o mistério que é Deus, com uma ‘doutrina eminente’.


Fonte : 
* Dom Guy Gaucher, é Bispo auxiliar emérito de Bayeux e Lisieux.
  Artigo publicado em ‘La vie spirituelle’, 790 – setembro 2010.
  Traduzido do francês pelo Mosteiro da Santa Cruz, Juiz de Fora/Minas Gerais.

Revista Beneditina nrº 40, Outubro/Novembro de 2010, editado pelas monjas beneditinas do Mosteiro da Santa Cruz – Juiz de Fora/Minas Gerais.

** Em outubro de 2012, numa Carta Apostólica, Bento XVI proclama Santa Hildegarda de Bingen, Monja Professa da Ordem de São Bento, como Doutora da Igreja universal

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Notas : 

(1)   Uma obra coletiva de 875 páginas sobre Paulo VI e a modernidade na Igreja (1984) ignora esta proclamação!
(2) Hans Urs von BALTHASAR, Atualidade de Teresa, conferências do Centenário (1873-1973), Instituto Católico de Paris, p. 120-121.
(3) Divini Amoris, Scientia, nr. 30. Ver Mulieres dignitatem, nr. 30, 1988, Carta às Mulheres, 1995.
(4) Ver François LÉTHEL, Théologie de l’Amour de Jésus. Écrits sur la théologie des saints. Éd. Du Carmel, 1996.
(5) Dominique DE COURCELLES, La Vie spirituelle, nr. 718, março 1996, p. 43.