Por Eliana
Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Simão e Saulo passaram por uma profunda transformação a partir do encontro com a pessoa de Jesus Cristo, tornado-se Pedro e Paulo
*Artigo
d0 Padre Adroaldo Palaoro, SJ
‘Os
acontecimentos e, sobretudo, as pessoas que encontramos ao longo da existência,
são os que vão nos fazendo passar por contínuas transformações. Por isso,
quando narramos nossa história de vida, quase sempre mencionamos alguém em
particular que nos marcou profundamente. Já não somos mais os mesmos depois de
ter conhecido certas pessoas que se tornaram especiais. Nosso olhar e nossa
memória retornam a elas frequentemente, por sua constante inspiração e
companhia.
Por
isso, a pergunta que Jesus dirige aos discípulos não é superficial : ‘E vós,
quem dizeis que eu sou?’. Esta é a questão, a grande pergunta de Jesus que
continua ressoando em todos nós, seus(suas) seguidores(as). Dependendo da
resposta que damos, isso terá implicações profundas em nossa existência : a
centralidade do modo de ser e de agir de Jesus em nossos compromissos, a
ressonância de suas palavras em nossa vida, a sintonia com suas grandes opções,
a sensibilidade diante dos mais pobres e excluídos, a nova relação com o Pai...
Em outras palavras, o encontro com a identidade de Jesus desvela nossa
verdadeira identidade e, por isso mesmo, nosso modo de ser e de agir serão
cristificados.
Segundo
o Evangelho deste domingo, só reconhecendo a identidade de Jesus estaremos
capacitados para escutar o que ele tem a nos dizer. Por isso, quando Pedro
declarou quem era de verdade aquele a quem tinham seguido, o Senhor mudou seu
nome – ‘tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja’. Só
Jesus conhece bem quem somos e o que podemos realizar.
O
ser humano é um ser chamado. Chegamos a ser nós mesmos graças ao chamado, ao
olhar, à palavra de outro. E na palavra e no chamado que vem de Jesus, vamos
percebendo que o mistério de Deus, totalmente outro e absolutamente íntimo, nos
envolve e nos fundamenta.
Não
podemos definir Jesus com dogmas e doutrinas, mas também não podemos deixar de
nos perguntar : ‘quem é este homem Jesus?’. Toda tentativa de responder
com fórmulas fechadas não solucionará o problema. A resposta deve ser
vivencial, não teórica : ‘quê dizes tua vida de mim?’, pergunta Jesus.
Nossa
vida, enquanto seguidores(as), é a que deve dizer quem é Jesus para nós. Do
esforço dos primeiros cristãos por compreender Jesus devemos fazer nossas as
perguntas que foram feitas, não as respostas que deram. Por mais informações
que recebamos sobre ele, por mais normas morais e ritos que aprendamos e
pratiquemos, se ninguém nos convida, com sua vida, a prolongar o estilo de vida
de Jesus, tudo permanecerá superficial e em nada nos enriquece.
Dar
por definitivas as respostas dos primeiros concílios acabam nos afundando na
rotina da repetição de fórmulas. O decisivo é descobrir a qualidade humana de
Jesus e deixar que ele desvele o que há de mais humano em cada um de nós.
Afinal, o centro da missão do Mestre de Nazaré está em ajudar a sermos um pouco
mais humanos, sobretudo nas relações com os outros e com o Pai.
Se
cremos que o importante é a resposta, que já está dada, todos permanecemos em
paz e acomodados – isso é grave. Hoje sabemos que o importante é que
continuemos fazendo-nos a pergunta. A resposta nos paralisa; a pergunta nos
mantém acesos e criativos, pois esta tem impacto no modo cristificado de viver.
Uma fé, vivida sem perguntas, acaba se
esvaziando daquele mesmo impulso vital de Jesus. Somos seguidores(as) de uma
Pessoa (Jesus Cristo) e não de respostas teológicas.
Nossa
fé cristã hoje é a mesma de Pedro e de Paulo : seguir Jesus Cristo e, em nossa
maneira de viver, oferecer o Evangelho a todos. Assim, compreende-se que a
Igreja celebre Pedro e Paulo numa única festa. E, por isso, não devemos nos
escandalizar se, com frequência, na Igreja aflore o Simão, ao invés de Pedro :
as ânsias de triunfalismos, busca de poder, medos na hora da perseguição...
Também não podemos nos escandalizar se, com frequência, aflore o Saulo, ao
invés de Paulo : fechamento nas próprias ideias e convicções, desembocando na
intolerância, no dogmatismo e na violência, inclusive física.
Estes
dois grandes personagens (Simão e Saulo) passaram por uma profunda
transformação, a partir do encontro com a pessoa de Jesus Cristo. Foi um
processo lento, sendo lapidados pela graça de Deus até redescobrirem uma nova
identidade escondida debaixo das cinzas do auto-centramento e da prepotência,
identidade que agora se expressa em novos nomes : Pedro e Paulo.
Como
distinguir, na Igreja, Simão de Pedro? Como distinguir Saulo de Paulo? Onde
estão as fronteiras, se, ao mesmo tempo, Simão é Pedro e Pedro é Simão? Onde
estão os limites, se, ao mesmo tempo, Saulo é Paulo e Paulo é Saulo?
Estes
dois personagens nos fazem ter acesso à nossa condição humana : somos barro,
frágeis, inconstantes... mas carregamos um tesouro que nos dignifica. Nas
profundezas de nosso ser, há um Pedro e um Paulo escondidos, esperando uma
oportunidade para se manifestar. Exteriormente, talvez tenhamos sido muito mais
Simão e Saulo, mas, o que decide nossa vida, é a nossa interioridade, morada do
Pedro e do Paulo. É ali que a Graça de Deus trabalha em nós, fazendo emergir,
junto a estes dois personagens, o que é mais nobre e mais divino em nós. Deus,
na sua eterna paciência, espera momentos especiais para dar o seu ‘toque’
em nosso eu profundo, e assim despertar o Pedro e Paulo que ainda dormem.
Diante
de nós está Jesus Cristo para nos dar a ‘chave’ como a deu a Pedro : ela
nos facilitará o acesso ao mistério insondável da Vida. Na perspectiva bíblica
?céus? significa vida em profundidade, vida expansiva, vida que nunca se acaba.
Como dinamismo humanizador, a chave da interioridade é mola mestra que
movimenta grandes intuições e sonhos, retira-nos do individualismo, cultiva a
solidariedade, corrige rotas de vida, excita a imaginação, realça o poder
criativo...
Temos
em nossas mãos as chaves da vida. O que fazemos com elas? Podemos abrir ou
fechar, ligar ou desligar, atar ou desatar... ‘Ter a chave da vida’ :
abrir ou fechar as portas do futuro, das relações, dos sonhos, da missão... Dar
direção à vida. Atar e desatar os nós que bloqueiam o fluir da vida.... Aqui
está o grande desafio : abrir-nos ou fechar-nos; abrir-nos à vida, ao novo, ao
outro, ao desafiante ou diferente... ou fechar-nos no medo, no conhecido, no
rotineiro.
Deus
confiou e colocou em nossas mãos a ‘chave da vida’. Ele não impõe, não
obriga. Corre o risco de nos criar livres. Aqui está nossa grandeza, enquanto
seres humanos : optar por uma vida aberta ou fechada, ser nó ou desatar, ligar
ou desligar, expandir ou retrair...
Sempre
há o perigo de construir, dentro de nós, um condomínio onde portas se fecham,
chaves se perdem, segredos são esquecidos e, com isso, mergulhamos na mais
profunda solidão.
Nossa
própria interioridade é a rocha consistente e firme (‘tu és Pedro’), bem
talhada e preciosa que cada um de nós tem, para encontrar segurança e caminhar
na vida superando os desafios e as inevitáveis resistências na vivência do
seguimento de Jesus.
É
no ‘eu mais profundo’ que as forças vitais se acham disponíveis para nos
ajudar a crescer no dia-a-dia, tornando-nos aquilo para o qual fomos chamados a
ser. Trata-se da dimensão mais verdadeira de nós mesmos, a sede das decisões
vitais, o lugar das riquezas pessoais, onde vivemos o melhor de nós mesmos,
onde se encontram os dinamismos do nosso crescimento, de onde partem as nossas
aspirações e desejos fundamentais, onde percebemos as dimensões do Absoluto e
do Infinito da nossa vida.
Texto bíblico : Mt
16,13-19
Na oração : A oração torna-nos diáfanos
(transparentes). Ela deixa transparecer o Simão e o Pedro de nossa
interioridade. Ela desvela o Saulo e o Paulo que atuam em nós.
A
interioridade é espaço aberto, onde, a intimidade com Deus não anula nossa
personalidade, mas nos capacita a fazer uma contínua passagem do Simão para o
Pedro, do Saulo para o Paulo?
- O que tem predominado em sua vida : Simão ou
Pedro? Saulo ou Paulo?’
Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1454639/2020/06/pedro-e-paulo-duas-referencias-inspiradoras-no-seguimento-de-jesus/