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sábado, 28 de dezembro de 2024

Como lidar com a depressão de fim de ano

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo do Padre Licio de Araújo Vale

 

‘No final de ano, é muito comum que algumas pessoas não entrem no tão esperado ‘espírito natalino’. Nem sempre a festividade contagia o indivíduo, mas pelo contrário, sentimentos de ansiedade, solidão, tristeza, estresse e depressão podem vir à tona, e por sinal, são até mais comuns durante esta época. Se você se sente mais para baixo diante das festividades natalinas, e até mesmo com o ano novo, saiba que você não é o único, e há diversas explicações para isso.

Frustração e angústia

Este é um momento que nos faz refletir sobre tudo aquilo que vivemos neste ano, e tudo aquilo que queremos para nós no ano seguinte. É comum que algumas pessoas reflitam sobre suas expectativas não realizadas, e criem novas para o futuro, muitas vezes até exageradas como uma forma de compensar tudo que não foi elaborado neste ano, mas este sofrimento pode vir muitas vezes acompanhado de uma estagnação, e isso pode se tornar um ciclo que se repete.  É importante que se olhe para trás e perceba que você se constituí com base em tudo que você fez até então, e tudo o que você não fez, também! Se perceba no hoje, e reflita ‘o que eu sou com base no que fui até então, e o que quero ser com base no que sou agora’. A melhor comparação que podemos fazer é com nosso eu do passado, use-o como motivação para se desenvolver, mas mantendo suas expectativas de acordo com a realidade, e reconhecendo seus limites e impasses, deixe de lado ‘projetos exagerados’, planeje apenas o que realmente te fará bem, e deixe de lado o passado, pois o mesmo existe para ser superado.

Solidão

Nas festividades do final de ano, podemos perceber cada vez mais um ‘complexo de período perfeito’. Cada vez mais vemos na TV, redes sociais e mídias no geral, imagens de famílias se reunindo no Natal, casais celebrando, pessoas cercadas de amigos na virada de ano, mas sabemos também que só são mostrados os lados bons nestas propagandas ou fotos de Instagram, e de forma exagerada e manipulada. É comum que tenhamos saudades de pessoas que já passaram tal época conosco, ou também o desejo de simplesmente ter alguém especial, mas devemos considerar que cabe a nós então, reavaliarmos de quem estamos nos cercando, de quem queremos estar próximos, o que podemos fazer para no ano seguinte estarmos mais satisfeitos. Usar estes sentimentos como motivação para um melhor desenvolvimento, e não se apegar a rótulos, de forma que possamos criar a nossa própria festividade, nossas próprias maneiras e tradições de comemoração, aproveitando os detalhes também por nós criados. Se você quiser que o Natal seja uma boa época para maratonar aqueles filmes que você ama, sozinho, não há problema nisso! Desde que lhe faça feliz.

Estes sentimentos de insatisfação, podem servir como uma ponte para nosso autoconhecimento, sendo ele um bom caminho para bem-estar e desenvolvimento pessoal. A psicoterapia também entra como uma ótima forma de se explorar, se permitir, e se amar! Não deixe de cuidar de si mesmo, reconheça o que te limita, e o que te motiva.

 Como lidar com a depressão nas festas de fim de ano?

Para quem sofreu alguma perda é normal sentir algum vazio nesta época do ano, para que isso não aconteça, é importante realizar algumas atitudes que aliviam esses sentimentos negativos, como :

  • Planejar uma viagem em família ou com amigos ao invés de passar o feriado sozinho em casa;
  • Não se sinta obrigado a nada! Caso algum evento ou situação esteja te fazendo mal, você tem todo o direito de ir embora;
  • Voluntariado : organize uma ação em que você distribui presentes às crianças carentes ou alimentos para ceia em comunidades pobres, a solidariedade é capaz de efeitos muito positivos tanto para quem faz quanto para quem recebe;
  • Participar da missa na Comunidade, rezar em casa, fazer a Leitura Orante, nos fazem reconectar com a Igreja e com o Senhor;
  • Entrar em contato com a natureza. Uma caminhada no parque ou na praia pode ser uma experiência positiva, capaz de aliviar a mente e gerar sensações de bem-estar.

Ah, e uma última dica muito importante! Ao medir os aspectos positivos e negativos de nossas vidas, devemos alimentar o otimismo e a esperança. Que a força da esperança encha o nosso presente, pois é a esperança que dá o sabor viver a vida!’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.vaticannews.va/pt/mundo/news/2024-12/padre-licio-como-lidar-depressao-fim-ano.html

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Com diálogo, tudo é possível

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Azdyne Amimour à esquerda, Georges Salines à direita 
Azdyne Amimour à esquerda, Georges Salines à direita 

*Artigo de Jean Charles Putzolu,
jornalista
  
‘Georges Salines é medico. Azdyne Amimour é comerciante. Ambos tiveram uma vida movimentada. Georges trabalhou em vários países e até se estabelecer em Paris com sua família. Azdyne é um incansável aventureiro. Fixou moradia nos arredores de Paris depois de ter viajado pelo mundo. Georges considera-se ateu ‘de raízes cristãs’. Azdyne é muçulmano, praticante, mas não muito, porém é profundamente ligado aos valores do Islã.

Apresentados deste modo, estes dois homens poderiam nunca ter se encontrado. Todavia, os acontecimentos de 13 de novembro de 2015 mudaram seus destinos.

Lola, a filha de Georges, estava na famosa sala de espetáculos ‘Bataclan’ de Paris para assistir ao show do grupo rock americano ‘Eagles of Death Metal’. Lola, tinha 28 anos e trabalhava no campo editorial para crianças. Chegou até mesmo a criar sua microempresa. Era feliz, embora passasse a maior parte do seu tempo no trabalho, mas também viajava muito. Viajar faz parte do DNA de sua família. As viagens satisfazem a sua sede de conhecimentos, de fuga e de natureza. Naquela noite, Lola não resistiu. Alvejada por dois tiros, morreu instantaneamente.

A entrada do Bataclan 
A entrada do Bataclan

Azdyne não tinha mais contato com seu filho. Nos últimos anos suas relações eram tensas e na noite de 13 de novembro de 2015 não tinha a menor ideia de onde estaria Samy. Azdyne e sua esposa Mourna receberiam a informação pouco depois de que Samy era um dos três terroristas do Bataclan.

Na noite de 13 de novembro de 2015, em Paris, em 33 minutos acontece o inferno. Sete terroristas que se declaram membros do Estado Islâmico atacam três lugares diferentes da capital francesa. Às 21h20 ocorreu um ataque suicida diante do Stade de France. O barulho da detonação chegou dentro do estádio onde a seleção francesa encontrava a seleção alemã. Alguns jogadores ficaram surpresos pelo estrondo, levantaram a cabeça, mas o jogo não parou. O Presidente da República, François Hollande, deixou o estádio pouco depois da detonação. Foi informado dos acontecimentos e acompanhou a unidade de crise.

Pouco depois, às 21h25, outros três terroristas atacaram com metralhadoras em um outro bairro de Paris disparando nas pessoas que estavam sentadas nos cafés da Rue de la Fontaine-au-Roy. Em seguida foram até a Rue de Charonne às 21h36 e continuaram o massacre. Os pedestres ficaram encurralados.

Em seguida, o terceiro comando entra em ação no Bataclan onde 1.500 pessoas assistiam um show. Três homens armados entraram no local e atiraram nas pessoas indiscriminadamente. As cenas são indescritíveis.

Estes três ataques simultâneos causaram a morte de 130 pessoas e 350 feridos. Abalaram todo o país e mudaram para sempre a vida de Georges e Azdyne, cujo filho Samy, naquela noite foi morto pela polícia junto com outros seis terroristas.

Samy foi ‘treinado’ na Síria. Tinha se unido ao grupo jihadista Daesh. Azdyne, que condena firmemente o fundamentalismo, fizera uma viagem até lá para tentar convencê-lo a mudar de ideia. Mas sem resultado. Hoje sofre de sentimento de culpa : ‘O que fiz para que meu filho agisse deste modo?’ Vivia perseguido por esta pergunta, junto com muitas outras. Frequentava grupos de discussão de famílias de jihadistas que como ele, tinha filhos na Síria e não entendiam. Se por um lado esta participação o ajudava, por outro falta algo para aceitar o luto. Azdyne não conseguia se conformar.

 A emoção em frente ao Bataclan, alguns dias depois
A emoção em frente ao Bataclan, alguns dias depois

Depois dos atentados, Georges criou uma associação de famílias de vítimas e de sobreviventes. Por um certo período assumiu a presidência da associação que tem como nome ‘13 de novembro : Fraternidade e Verdade’. Os jornalistas o conheciam e seu nome circulava em várias entrevistas devido à midiática e desesperada busca pela filha e se tornou uma das principais personalidades na luta pelos direitos das vítimas dos ataques. Georges também estava de luto, a associação e o livro que escreveu logo depois dos ataques ‘O indizível de A a Z’ servia como terapia para ajudá-lo a superar o impossível. Não se refugiou na oração, não acreditava em nada. Não tinha sentimento de ódio, raiva ou vingança. Não entendia ‘o absurdo’.

Azdyne precisava ir além para superar o ‘seu’ impossível. Os grupos de discussão que frequentava não lhe oferecia plenamente o que buscava, não conseguia aprofundar a questão e sentia necessidade de saber o que acontecia do outro lado.

O outro lado são as famílias das vítimas. Através de terceiros, Azdyne propõe um encontro com Georges. Estamos no início de 2017, pouco mais de um ano depois dos atentados.

Georges recebeu um telefonema com o pedido de Azdyne. Ficou surpreso, um pouco desestabilizado com o pedido. Por que o pai de um terrorista do Bataclan queria encontrá-lo? Ele estaria disposto a encontrar o pai do jovem que poderia ser o assassino de sua filha?

Não recusou o encontro. Georges pensou que, no fundo, este homem que queria encontrá-lo também é uma vítima, um pai que perdeu seu filho. Concluiu que Samy, o terrorista, também é uma vítima; uma vítima de ideias absurdas que ele e outros fundamentalistas propagam, estimuladas por manipuladores. Naturalmente, Georges foi informado no momento do pedido, que Azdyne não compartilha com nenhuma das ideias fundamentalistas dos que instrumentalizam a sua religião. Assim aceitou o encontro e com uma amiga que faz parte da associação de vítimas foi a um café na Praça da Bastilha, no centro de Paris.

 A lápide comemorativa com o nome das vítimas. Na penúltima linha, à esquerda, o nome de Lola, a filha de Georges
A lápide comemorativa com o nome das vítimas. Na penúltima linha, à esquerda, o nome de Lola, a filha de Georges

Quando Azdyne chegou, Georges levantou-se bastante tenso. Assim como Azdyne que de algum modo acreditava que Georges era mais corajoso do que ele em aceitar o encontro. ‘Já tinha perdido tudo’, diz Azdyne. ‘Estava do lado errado da história’, prossegue. ‘Aceitando de me encontrar, George tinha muito mais a perder do que eu’, acrescenta. ‘É um homem conhecido na mídia, presidente de uma associação de vítimas que está presente com frequência na rádio e na televisão e portanto o que as pessoas pensarão dele ao vê-lo se encontrar com o pai de um terrorista?’. Por outro lado, Georges fez-se a mesma pergunta. Antes, falou sobre este encontro com o grupo da sua associação antes de aceitá-lo. A ideia foi acolhida muito bem, mas na realidade não foi sempre assim.

Foi-lhe pedido muitas vezes para explicar o seu gesto. Algumas vezes renunciou a explicação aos que não queriam entendê-lo. Georges não insiste muito nestas circunstâncias, intui que as feridas ainda estão abertas e são dolorosas e que cada um segue seu próprio caminho para se reconstruir. O caminho de Georges, como o de Azdyne, passa por este café da Praça da Bastilha.

A mão de Azdyne estende-se a Georges, na manhã de fevereiro de 2017. As duas mãos se encontram e se cumprimentam. Sentam-se e se apresentam. A conversa, tímida no início, logo assume um tom mais relaxado. ‘Azdyne é uma pessoa comovente’, diz Georges. E acrescenta : ‘cativante’. Falam de suas vidas, de suas famílias e naturalmente falam de Lola e Samy, mesmo sendo doloroso para os dois homens. ‘Foi a minha primeira terapia’, disse Azdyne. ‘Não fui a nenhum psicólogo depois do atentado. Foi-me proposto, mas não faz parte de mim. Queria superar a minha tragédia sozinho’. O encontro com Georges permitiu-lhe concluir um círculo.

 Um dos inúmeros encontros, em um bar de Paris
Um dos inúmeros encontros, em um bar de Paris

Os dois homens encontraram-se várias vezes. A relação entre eles tornou-se amistosa. Ou num café ou restaurante, mas não na casa de um ou de outro. Mantiveram sempre uma certa distância, mesmo breve.

Quando se encontram, chegam a pensar que o atípico percurso comum possa se tornar uma mensagem. Quanto mais tempo passam juntos, conversam, se dão conta que este diálogo tem uma grande força. Ajuda a superar os sentimentos de ódio, a possível sede de vingança, as incompreensões e tudo o que em última análise leva a divisão de uma sociedade. Juntos, lançam uma mensagem exatamente oposta à dos terroristas. Com o diálogo, tudo é possível.

Para que esta mensagem pudesse chegar além dos muitos encontros , George e Azdyne decidiram escrever um livro, contar suas histórias, suas conversas, sua aproximação e suas divergências. Porque obviamente há divergências, mas não são mais fontes de divisão. Não foram superadas e provavelmente jamais o serão, mas são compreendidas e aceitas.

A decisão de publicar as conversas também é um ato político, afirma Georges Salines. ‘Se o pai de uma vítima pode falar com o pai de um terrorista, eu devo poder conversar com meu vizinho muçulmano. Essa ação e essa capacidade de ver o outro como um ser humano faz parte da promoção da resiliência. Aqueles que se dobram a um ato de vingança erram’, conclui o pai de Lola.

O título escolhido para o livro é Nos restam as palavras

 A capa do livro escrito por Azdyne Amimour e Georges Salines
A capa do livro escrito por Azdyne Amimour e Georges Salines 

Fonte :

domingo, 15 de maio de 2016

Em diálogo pelo bem

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 *Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG


‘A tarefa de construir o bem comum necessita, acima de tudo, de diálogo.  Dialogar qualifica a capacidade humana de se dirigir ao outro, nas diferenças e nos parâmetros racionais das oposições. Permite também estabelecer uma relação com a lucidez de discernimentos e escolhas. Trata-se de prática que não oferece espaço para o ódio, vinganças e o aproveitamento espúrio de oportunidades para obter ganhos na contramão do bem comum. A ausência do diálogo permanente, em todas as esferas das relações humanas, explica o nascimento de descompassos, as mazelas de escolhas, os absurdos dos procedimentos que comprometem legalidades e produzem os leitos da corrupção.

Somente pela via do diálogo os muitos segmentos da sociedade construirão o tecido de uma cultura que sustente princípios e legalidades. As guerras, os acirramentos partidários, o recrudescimento da violência, os fundamentalismos - religiosos e políticos -, as inimizades, as crises familiares, tudo advém de incompetências humanas na essencial capacidade para dialogar. Uma qualidade fundamental para se escolher bem, decidir e garantir rumos adequados. Quando falta a indispensável competência da reciprocidade conquistada pelo diálogo, as consequências são sempre desastrosas.

Só o diálogo constrói entendimentos que levam à compreensão das mudanças e transformações tão velozes neste tempo. A vivência desse exercício mostra a importância da participação cidadã. Garante lucidez na condução de processos e engradece a alma, fazendo-a apreciar o que se baseia no altruísmo. Sem a abertura para a reciprocidade nos exercícios relacionais em diferentes ambientes - do aconchego da vida familiar aos grupos religiosos, culturais e políticos -, o que se faz torna-se desserviço. Líderes incapacitados para o diálogo, particularmente no âmbito da política, são obstáculos nos funcionamentos da sociedade, prejudicando o bem comum.

O diálogo, longe de ser ‘conversa fiada’, fofoca, palavras trocadas pelo simples gosto de falar - especialmente aquele gosto muito comum de se falar dos outros -, é a construção de entendimentos que dão suporte para a criação e manutenção do ethos do altruísmo, da seriedade no que se faz e da busca pela verdade. Promove, assim, a coragem da transparência, em todos os sentidos e níveis, balizando na honestidade relações e funcionamentos. A qualidade do diálogo depende muito da visão construída no horizonte dos cidadãos, para além de paixões partidárias. O exercício do diálogo alarga a visão de mundo do cidadão, os horizontes dos funcionamentos institucionais. Permite alcançar a compreensão que anima a indispensável autoestima, a consciência histórica e a configuração política merecedora de credibilidade.  Nesse sentido, o diálogo é força para fazer com que a sociedade seja verdadeiramente democrática, capaz de respeitar e promover, com fecundidade, o bem comum.

Dialogar é o caminho da permanente construção da vida social, familiar e individual. O diálogo é remédio para curar irracionalidades, tônico que fortalece entendimentos cidadãos, intervenção que alarga as estreitezas de interpretações. O princípio do bem comum é o que deve nortear a sociabilidade, superando, assim, radicalismos e violências.  Para além de qualquer simples interesse, sobretudo daquele que nasce da idolatria do dinheiro, cada cidadão tem a tarefa de preservar e de promover esse princípio.

O respeito e a promoção do bem comum são deveres de todos.  Por isso, ecoe em todo canto, e permeie os tecidos da cultura na sociedade atual, na particularidade do momento vivido na sociedade brasileira, a autoridade do convite e da recomendação do Papa Francisco, dirigindo-se aos brasileiros : é preciso investir todas as forças no diálogo para reconstruções, respeito a legalidades e encontro das indispensáveis saídas, evitando descompassos que comprometam a civilidade, a ordem e a justiça. Acima de tudo, os segmentos diversos da sociedade, para superar mediocridades, partidarismos, radicalismos de todo tipo, fecundando nova cultura, precisam estar em diálogo pelo bem comum.’


Fonte :
* Artigo na íntegra


quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Crises e nova cultura

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG


‘O momento atual se caracteriza pelas crises, cada vez mais evidentes, com consequências reais, para além do mero alarmismo. É real a situação difícil vivenciada por pessoas e setores afetados. As análises comprovam que a gênese dessas crises enfrentadas pela sociedade brasileira tem um histórico que é fruto das escolhas políticas, da eleição equivocada de prioridades sociais e também do tipo de tecido cultural sobre o qual está assentada.

O fato é que há crises e essas trazem consequências de diferentes naturezas. Momento oportuno para se refletir sobre o ensinamento que se aloja no reverso dessa realidade desafiadora. O ponto de partida para essa reflexão é admitir que nenhuma crise é acontecimento súbito. Sua geração é um longo desdobramento que pode revelar preciosas lições no que diz respeito a reações e novas respostas. Um processo capaz de proporcionar aprendizagens relevantes e transformadoras. Seria um grande risco deixar passar em ‘brancas nuvens’ a singular oportunidade de se aprender novas dinâmicas nas relações sociais. São imprescindíveis as atitudes fundamentadas nos princípios dessas lições.

Vista desse modo, a crise torna-se possibilidade de se ingressar em um processo de correção de rumos. Desvencilha a sociedade do perigo de um tratamento cultural da situação com o conhecido ‘jeitinho’ próprio de dissimular os pontos críticos e justificar a manutenção de um sistema que neutraliza ações eficazes para a superação dos desafios.

A hora é oportuna para vencer a desconfiança, o desespero e a desorientação provocados pelas dificuldades. É o momento certo para se exercer a cidadania ao mesmo tempo em que se espera, com justeza, novas configurações na postura dos órgãos governamentais, instâncias públicas de representação e daquelas que, diretamente, prestam serviços ao povo. Não menos exigente é a expectativa quanto às atitudes dos construtores da sociedade, para que ajam norteados por princípios que garantam o bem comum, prezando o crescimento e o desenvolvimento das instâncias responsáveis pela produção e sustentação do equilíbrio social e econômico.

Além dos aspectos que atingem altas esferas e intervenções de caráter sistêmico, vale considerar a crise como oportunidade para uma nova cultura modulada em hábitos e atitudes - reações e respostas a favor daquilo que a própria crise aponta como solução. Mas, assumir outro modo de pensar e agir, no entanto, não é tão fácil assim. Existe uma forte tendência do ser humano ao comodismo, o que o predispõe a manter os mesmos costumes, diferentemente, das pessoas que enfrentam rupturas drásticas da ordem social e econômica provocadas pelas guerras ou catástrofes naturais. Nesse contexto, o estado de penúria impõe a aprendizagem das lições sobre economizar, evitar desperdícios e a adoção de novos hábitos. Essas rupturas e as consequências com força de testemunho funcionam sempre como forte apelo para novas atitudes. Nesses momentos, por exemplo, é comum presenciarmos gestos de pessoas que doam parte de suas fortunas ou de seus altos salários em prol do bem comum. São iniciativas que contribuem para a construção de uma cultura solidária e sustentável.

Condutas como essa, ainda não fazem parte de nossa realidade. Sequer ousamos esperar que, diante das necessidades do governo de atender as demandas do setor educacional, políticos e funcionários do alto escalão aceitem ter os vencimentos reduzidos. O que se vê são atitudes em causa própria, tomadas em todas as instâncias do poder.

A própria superação da crise econômica exige novos parâmetros. É urgente encontrarmos um modelo que não dependa do consumismo. No momento atual, torna-se indispensável um processo de reeducação no consumo que pode começar no momento das refeições diárias diante da discrepância entre a quantidade servida e a necessidade das pessoas. O equilíbrio ao consumir é, sem dúvida, um desafio cultural que precisa entrar agora como legado advindo do tratamento e do enfrentamento da crise.

Não se pode restringir o olhar sobre os expressivos números do contexto econômico nacional ou global - é curioso como são predominantes nos noticiários quantias astronômicas. Torna-se necessário, primeiro, aprender a poupar, a valorizar o próprio dinheiro, a partir de cada centavo, para saber respeitar e exigir respeito ao erário. O propósito não é o de fazer apologia à usura, mas sim de sugerir o princípio da otimização do consumo cultural daquilo que é realmente necessário.  Certamente, se a sociedade aprendesse a superar o desperdício com as crises em curso já haveria uma radical transformação de hábitos com os ganhos incidindo sobre o atendimento às necessidades de outros que hoje estão à margens do mercado. É possível vislumbrar que essa reeducação aponte até mesmo para a correção de critérios morais, pois a cultura da ganância também patrocina a tolerância à corrupção. Que as crises se tornem escolas de aprendizagem e de construção de uma nova cultura.’


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=5292