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quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Todos precisamos de tempo

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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*Artigo do Padre Ezequiel Dal Pozzo


‘Todos nós necessitamos, de tempos em tempos, de um período de silêncio. Muitos para se recolherem decidem passear, outros fazem algum retiro, outros reservam para si um dia durante o qual se aprofundam, se concentram espiritualmente, sem precisar atender as exigências do dia a dia. Outros já se recolhem no seu quarto, desligam o telefone para ninguém incomodar. Cada um necessita de uma oportunidade para recolher-se, para encontrar algum tipo de apoio interno, uma base firme que o sustente.

Monges antigos falavam desse recolhimento como a água que se acalma. Uma história de monges conta que três estudantes se tornaram monges. Cada um propôs a si mesmo realizar uma boa obra. O primeiro escolheu o seguinte : desejava reconduzir a paz àqueles que estavam brigando, orientando-se pelas palavras da Escritura : A bem-aventurança será dos que zelam pela paz. O segundo desejava visitar enfermos. O terceiro foi ao deserto para lá viver em paz. O primeiro, que se empenhava por aqueles que estavam brigando, não pôde curar a todos. Tomado pelo desalento, dirigiu-se ao segundo que servia aos enfermos e percebeu que este também estava desanimado, pois também não conseguiu realizar plenamente o que planejara. Sendo assim, os dois concordaram em procurar pelo terceiro que havia ido ao deserto; falaram de suas dificuldades para ele e pediram que este lhes dissesse sinceramente se foi bem-sucedido. Ele ficou em silêncio por um tempo, despejou um pouco de água em um recipiente e pediu que olhassem para dentro dele. 

A água, no entanto, ainda se encontrava muito agitada. Após algum tempo, pediu que olhassem mais uma vez, e disse : Observem o quanto a água se tornou mais calma agora. Olharam para ela e viram os seus rostos como em um espelho. Em seguida, continuou : assim se sente aquele que permanece entre os homens; a agitação e a confusão não permitem que perceba os seus pecados. Quem, no entanto, procura pela tranquilidade e, principalmente, pela solidão, logo reconhecerá os seus erros.

Essa pequena história nos ajuda a perceber quão importante é encontrarmos tempo para o silêncio e para a tranquilidade. Eu preciso deste tempo, você precisa deste tempo. Pensemos nisso!’


Fonte :

sexta-feira, 22 de março de 2019

‘Retorne a si mesmo!’ - Segunda pregação da Quaresma de 2019

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

  MODLITWA
*Artigo de Pe. Raniero Cantalamessa, OFMCAP,
pregador oficial da Casa Pontifícia (Vaticano)
Tradução : Thácio Siqueira
Santo Agostinho lançou um apelo que, muitos séculos depois, manteve intacta a sua relevância : ‘In te ipsum redi. In interiore homine habitat veritas’ : ‘Retorne a si mesmo. A verdade habita no homem interior’. Em um discurso ao povo, com insistência ainda maior, ele exorta :
Entrai de novo em vosso coração! Onde quereis ir para longe de vós? Ao ir longe, vos perdereis. Por que vos dirigis a estradas desertas? Retornai do vosso deambular que vos levastes para fora da estrada; voltai para o Senhor. Ele está pronto. Em primeiro lugar, retornai ao vosso coração, vós que vos tornastes estranhos a vós mesmos, vagando lá fora : não vos conheceis a vós mesmos, e procurais aquele que vos criou! Voltai, retornai ao coração, desprendei-vos do vosso corpo… Retornai ao coração : ali examinai o que se pode perceber de Deus, porque ali se encontra a imagem de Deus; na interioridade do homem mora Cristo, na vossa interioridade vos renovais segundo a imagem de Deus’.
Continuando o comentário iniciado no Advento sobre o versículo do Salmo ‘A minha alma tem sede do Deus vivo’, refletimos sobre o ‘lugar’ onde cada um de nós entra em contato com o Deus vivo. No sentido universal e sacramental este ‘lugar’ é a Igreja, mas no sentido pessoal e existencial é o nosso coração, o que a Escritura chama ‘o homem interior’, ‘o homem escondido no coração’. Esta escolha é impulsionada também pelo tempo litúrgico em que nos encontramos.  Jesus nestes quarenta dias está no deserto, e é aí que devemos chegar até ele. Nem todos podem ir para um deserto exterior; mas todos podemos nos refugiar no deserto interior que é o nosso coração. ‘Cristo habita na interioridade do homem’, disse-nos Agostinho.
Se quisermos uma imagem plástica ou um símbolo que nos ajude a realizar esta conversão interior, o Evangelho oferece-nos com o episódio de Zaqueu. Zaqueu é o homem que quer conhecer Jesus e, para isso, sai de casa, entra na multidão, sobe a uma árvore… Procura-o fora. Mas, eis que, quando Jesus passou, viu-o e disse-lhe : ‘Zaqueu, desce imediatamente, porque hoje tenho de entrar em tua casa’ (Lc 19, 5). Jesus traz Zaqueu de volta à sua casa e ali, no segredo, sem testemunhas, acontece o milagre : Ele conhece verdadeiramente quem é Jesus e encontra a salvação.
Nós nos parecemos muito com Zaqueu. Procuramos Jesus e o procuramos fora, nas ruas, na multidão. E é o próprio Jesus quem nos convida a voltar à nossa casa em nossos corações, onde Ele deseja encontrar-se conosco.
Interioridade, um valor em crise
A interioridade é um valor em crise. A ‘vida interior’ que antes era quase sinônimo de vida espiritual, agora tende a ser vista com desconfiança. Há dicionários de espiritualidade que omitem completamente as vozes ‘interioridade’ e ‘recolhimento’ e outros que as trazem, mas não sem expressar algumas reservas. Por exemplo, nota-se que, afinal, não há nenhum termo bíblico que corresponda exatamente a estas palavras; que poderia ter havido, neste ponto, uma influência decisiva da filosofia platônica; que poderia favorecer o subjetivismo e assim por diante.
Um sintoma revelador deste declínio do gosto e da estima pela interioridade é o destino da Imitação de Cristo, que é uma espécie de manual para a introdução à vida interior. De livro mais amado entre os cristãos, depois da Bíblia, ele passou, em poucas décadas, a ser um livro esquecido.
Algumas das causas desta crise são antigas e inerentes à nossa própria natureza. A nossa ‘composição’, isto é, o nosso ser feito de carne e espírito, nos faz como um plano inclinado, mas inclinado para o exterior, o visível e o múltiplo. Assim como o universo, após a explosão inicial (o famoso Big Bang), também nós estamos em fase de expansão e de afastamento do centro. ‘O olho não para de olhar, nem o ouvido se cansa de ouvir’, diz as Escrituras (Ec 1, 8). Estamos perpetuamente ‘saindo’ por aquelas cinco portas ou janelas que são nossos sentidos.
Outras causas são mais específicas e atuais. Uma delas é a emergência do ‘social’ que é certamente um valor positivo do nosso tempo, mas que, se não for reequilibrado, pode acentuar a projeção ao exterior e a despersonalização do homem. Na cultura secularizada e leiga dos nossos tempos o papel que desempenhava a interioridade cristã foi assumido pela psicologia e pela psicanálise, que, no entanto, se detêm no inconsciente do homem e, em todo caso, na sua subjetividade, independentemente da sua íntima ligação com Deus.
No campo eclesial, a afirmação, com o Concílio, da ideia de uma ‘Igreja para o mundo’ fez com que o antigo ideal de fugir do mundo fosse por vezes substituído pelo ideal de fugir para o mundo. O abandono da interioridade e a projeção para o exterior é um aspecto – e entre os mais perigosos – do fenômeno do secularismo. Houve até mesmo uma tentativa de justificar teologicamente esta nova orientação que tomou o nome de teologia da morte de Deus, ou da cidade secular. Deus – se fala – deu-nos, ele próprio, um exemplo. Encarnando-se, esvaziou-se, saiu de si mesmo, da interioridade trinitária, ‘mundanizou-se’, isto é, dispersou-se no profano. Tornou-se um Deus ‘fora de si mesmo’.
A interioridade na Bíblia
Como sempre, no cristianismo, a crise de um valor tradicional deve ser respondida realizando uma recapitulação, isto é, retomando as coisas ao seu início para levá-las a uma nova realização. Em outras palavras, trata-se de partir novamente da palavra de Deus e, à sua luz, de redescobrir, na própria Tradição, o elemento vital e perene, libertando-o dos elementos caducos com os quais se revestiu ao longo dos séculos. Foi isto que o Concílio Vaticano II seguiu como método em todo o seu trabalho. Como na natureza, na primavera, a árvore é podada dos ramos da estação anterior para possibilitar uma nova floração do tronco, assim também nós devemos fazer na vida da Igreja.
Já os profetas de Israel haviam lutado para deslocar o interesse do povo das práticas exteriores de culto e do ritualismo para a interioridade da relação com Deus. ‘Este povo – lemos em Isaías – vem a mim apenas com palavras e honra-me com os lábios, enquanto o seu coração está longe de mim e o culto que me prestam é uma enxurrada de costumes humanos’ (Is 29, 13). A razão é que ‘o homem olha para as aparências, mas Deus examina o coração’ (1 Sam 16,7). ‘Rasgai o vosso coração, não as vossas vestes, lemos noutro profeta’ (Gl 2, 13).
É o tipo de reforma religiosa que Jesus assumiu e fez frutificar. Alguém que examine a obra de Jesus e as suas palavras, fora de preocupações dogmáticas, do ponto de vista da história das religiões, observa antes de tudo uma coisa : que ele quis renovar a religiosidade judaica, muitas vezes acabada nas águas rasas do ritualismo e do legalismo, recolocando no centro dela uma relação íntima e vivida com Deus. Ele não se cansa de se referir àquela esfera ‘secreta’, o ‘coração’, onde se faz o verdadeiro contato com Deus e com a sua vontade viva e da qual depende o valor de cada ação (cf. Mt 15, 10 ss.). O chamado à interioridade encontra a sua motivação bíblica mais profunda e objetiva na doutrina da inabitação de Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, na alma do batizado.
Com o passar do tempo, na visão bíblica da interioridade cristã, algo ficou obscuro, contribuindo para a crise de que falei acima. Em certas correntes espirituais, como em alguns místicos do Reno, o caráter objetivo desta interioridade havia sido obscurecido. Eles insistem em um retorno ao ‘fundo da alma’ através do que eles chamam de ‘introversão’. Mas nem sempre fica claro se este ‘fundo da alma’ pertence à realidade de Deus ou à do eu, ou, pior ainda, se ambos estão, ao mesmo tempo, panteisticamente fundidos.
Nos últimos séculos, o aspecto do método tinha acabado por prevalecer sobre o conteúdo da interioridade cristã, por vezes reduzindo-a a uma espécie de técnica de concentração e de meditação, mais do que ao encontro com Cristo vivo no coração, embora não tenham faltado em nenhuma época realizações esplêndidas da interioridade cristã. A Beata Isabel da Trindade está na linha da mais pura interioridade objetiva, quando escreve : ‘Encontrei o céu na terra, porque o céu é Deus e Deus está no meu coração’.
Retorno à interioridade
Mas voltemos ao presente. Por que é urgente voltar a falar de interioridade e redescobrir o seu sabor? Vivemos numa civilização toda projetada para o exterior. O que se observa no âmbito físico ocorre no âmbito espiritual. O homem envia suas sondas para a periferia do sistema solar, fotografa o que está em planetas distantes, mas ignora o que se agita a poucos milhares de metros abaixo da crosta terrestre e, portanto, não consegue prever terremotos e erupções vulcânicas. Também sabemos, agora em tempo real, o que acontece no outro extremo do mundo, mas ignoramos o que se agita no fundo do nosso coração. Vivemos como numa centrifugadora em ação a toda a velocidade.
Fugir, isto é, sair, é uma espécie de palavra de ordem. Existe até uma literatura de escapismo, espetáculos de evasão. A evasão está, por assim dizer, institucionalizada. O silêncio assusta. Não se consegue viver, trabalhar, estudar sem voz ou música por perto. Há uma espécie de horror vacui, de medo do vazio, que nos leva a ficar atordoados.
Tive a oportunidade de pisar uma vez numa discoteca, convidado para conversar com os jovens ali reunidos. Bastou-me para ter uma ideia do que reina ali : a orgia do barulho, o ruído ensurdecedor como droga. Na saída da discoteca foram feitas pesquisas entre os jovens e à pergunta : ‘Por que vocês se reúnem neste lugar?’, responderam alguns : ‘Para não pensar!’. Mas é fácil imaginar a que manipulações estão expostos os jovens que desistiram de pensar.
Que sejam sobrecarregados de trabalhos; ocupem-se eles de suas tarefas e não deem ouvidos às palavras de Moisés!’ foi a ordem do Faraó do Egito (cf. Ex 5, 9). A ordem tácita, mas não menos peremptória, dos faraós modernos é : ‘Sobrecarreguem de barulho estes jovens, que fiquem atordoados, para que não pensem, não façam escolhas livres, mas sigam a moda que nos convém, comprem o que dizemos, pensem como queremos!’. Para um setor muito influente da nossa sociedade, o do entretenimento e da publicidade, os indivíduos contam apenas como ‘espectadores’, números que aumentam a ‘audiência’ dos programas.
Temos de nos opor a este esvaziamento com um ‘não’ resoluto. Os jovens são também os mais generosos e dispostos a rebelar-se contra a escravidão e, de fato, há fileiras de jovens que reagem a este assalto e, em vez de fugir, procuram lugares e tempos de silêncio e de contemplação para encontrarem de vez em quando a si próprios e, em si, a Deus. São muitos, mesmo que ninguém fale deles. Alguns fundaram casas de oração e de contínua adoração eucarística e, através da Rede, dão a muitos a possibilidade de se unirem a eles.
A interioridade é o caminho para uma vida autêntica. Hoje fala-se muito de autenticidade e se faz dela o critério de sucesso ou fracasso da vida. Talvez o filósofo mais famoso do século passado, Martin Heidegger, tenha colocado este conceito no centro do seu sistema. Para o cristão, a verdadeira autenticidade só pode ser alcançada vivendo o ‘coram Deo’, na presença de Deus.
Um vaqueiro – escreve Kierkegaard – que, se possível, é um ‘eu’ diante das vacas, é um ‘eu’ muito baixo; um soberano que é um ‘eu’ diante de seus servos, o mesmo. Nenhum deles é um ‘eu’; em ambos os casos falta a medida… Mas que realidade infinita o ‘eu’ não adquire, adquirindo consciência de existir diante de Deus, tornando-se um eu humano, cuja medida é Deus! […] Fala-se tanto de vidas desperdiçadas. Mas desperdiçada é apenas a vida daquele homem que nunca percebeu, porque nunca teve, no sentido mais profundo, a impressão de que existe um Deus e que ele, precisamente ele, o seu eu, está diante deste Deus’.   
O Evangelho nos conta a história de um desses ‘vaqueiros’. Havia fugido da casa paterna e dissipado os seus bens e a sua juventude, vivendo dissolutamente. Mas um dia ‘voltou a si mesmo’. Reexaminou a sua vida, preparou as palavras a dizer e partiu a caminho da casa de seu pai (cf. Lc 15, 17). A sua conversão ocorreu neste momento, antes de se mudar, enquanto estava sozinho no meio de uma manada de porcos. Aconteceu no momento em que ‘reentrou em si mesmo’. Depois disso, não fez nada além de executar o que tinha decidido. A conversão externa foi precedida da conversão interna e recebeu o seu valor da mesma. Quanta fecundidade nesse ‘retornar a si mesmo!’.
Não são apenas os jovens que estão sobrecarregados com a onda de exterioridade. O mesmo acontece com as pessoas mais comprometidas e ativas da Igreja. Até os religiosos! Dissipação é o nome da doença mortal que nos mina a todos. Acaba-se por ser como um vestido de cabeça para baixo, com a alma exposta aos quatro ventos. Em um discurso proferido aos superiores de uma ordem religiosa contemplativa, São Paulo VI disse :
Hoje estamos em um mundo que parece estar lutando com uma febre que se infiltra até no santuário e na solidão. O barulho e o ruído invadiram quase tudo. As pessoas já não conseguem se recolher. Nas garras de mil distrações, elas habitualmente dissipam as suas energias atrás das diferentes formas da cultura moderna. Jornais, revistas, livros invadem a intimidade das nossas casas e dos nossos corações. É mais difícil do que nunca encontrar a ocasião para aquele recolhimento em que a alma pode estar plenamente ocupada em Deus’.
Santa Teresa de Ávila escreveu uma obra intitulada O Castelo Interior, que é certamente um dos frutos mais maduros da doutrina cristã da interioridade. Mas há também, infelizmente, um ‘castelo exterior’ e hoje vemos que é possível fechar-se também neste castelo. Trancados fora de casa, incapazes de entrar. Prisioneiros da exterioridade! Santo Agostinho descreve assim a sua vida antes da conversão :
Estavas dentro de mim e eu fora e eu te procurava aqui em baixo, me jogando deformado, sobre essas formas de beleza que são as suas criaturas. Tu estavas comigo, mas eu não estava contigo. Mantinham-me afastado de ti aquelas criaturas que não existiram se não fosse porque as fizeste existir’.
Quantos de nós deveríamos repetir esta amarga confissão : ‘Estavas dentro de mim, mas eu estava fora!’ Há quem sonhe com a solidão, mas só sonham com ela. Amam-na, desde que permaneça no sonho e nunca se traduza em realidade. Na realidade, fogem dela, têm medo dela. O desaparecimento do silêncio é um sintoma grave. Foram removidos, quase que totalmente, aqueles típicos cartazes que em todos os corredores das casas religiosas intimavam em latim : Silentium!  Creio que em muitos ambientes religiosos exista o dilema : Ou silêncio ou morte! Ou encontramos um clima e tempos de silêncio e interioridade ou é o esvaziamento espiritual progressivo e total. Jesus chama o inferno de ‘as trevas exteriores’ (cf. Mt 8,12) e esta designação é muito significativa.
Não nos deixemos enganar pela objeção habitual : mas Deus se encontra fora, em nossos irmãos, nos pobres, na luta pela justiça; se encontra na Eucaristia que está fora de nós, na palavra de Deus… Tudo verdade. Mas onde é que tu realmente ‘encontras’ o teu irmão e os pobres, se não no teu coração? Se só os encontras fora, não é um ‘eu’, uma pessoa que encontras, mas uma coisa; é mais um choque do que um encontro. Onde encontras o Jesus da Eucaristia senão na fé, isto é, dentro de ti? Um verdadeiro encontro entre pessoas só pode acontecer entre duas consciências, duas liberdades, isto é, entre duas interioridades.
É também errado pensar que a insistência na interioridade pode prejudicar o empenho ativo pelo Reino e pela justiça; pensar, em outras palavras, que afirmar o primado da intenção pode prejudicar a ação. A interioridade não se opõe à ação, mas a uma certa forma de agir. Longe de diminuir a importância de agir por Deus, a interioridade a fundamenta e a preserva.
O eremita e o seu eremitério
Se quisermos imitar o que Deus fez encarnando-se, imitemo-lo verdadeiramente até ao extremo. É verdade que ele se esvaziou, saiu de si mesmo, da interioridade da Trindade, para vir ao mundo. Mas sabemos como isso aconteceu : ‘O que era permaneceu, o que não era assumiu’, diz um antigo adágio sobre a Encarnação. Sem abandonar o seio do Pai, o Verbo veio entre nós. Nós também vamos em direção ao mundo, mas sem nunca nos abandonarmos completamente. ‘O homem interior – diz a Imitação de Cristo – recolhe-se espontaneamente porque nunca se dispersa completamente nas coisas exteriores. Ele não é prejudicado pela atividade externa e pelas ocupações necessárias, mas sabe se adaptar às circunstâncias’.
Mas procuremos também ver como fazer, concretamente, para redescobrir e preservar o hábito da interioridade. Moisés era um homem muito ativo. Mas nós lemos que ele fez construir uma tenda portátil e em cada estágio do êxodo armava a tenda fora do acampamento e regularmente entrava nela para consultar o Senhor. Ali, o Senhor falava com Moisés ‘face a face, como um homem fala ao outro’ (Ex 33,11).
Isto nem sempre pode ser feito. Nem sempre é possível retirar-se a uma capela ou a um lugar solitário para reencontrar o contato com Deus. São Francisco de Assis sugere outra medida mais acessível. Ao enviar seus frades pelas ruas do mundo, dizia : ‘Temos um eremitério sempre conosco onde quer que vamos e quando quisermos podemos, como eremitas, voltar a esse eremitério. ‘O irmão corpo é o eremitério e a alma a eremita que  vive dentro dele para rezar a Deus e meditar’. É a mesma recomendação que Santa Catarina de Siena expressava com a imagem da ‘cela interior’ que todos levam consigo e na qual é sempre possível retirar-se com o pensamento, para reconectar um contato vivo com a Verdade que vive em nós.
É a esta cela invisível, não delimitada por muros – escreve Santo Ambrósio – que Jesus nos convida com as palavras : ‘Quando orares, entra no teu quarto e, quando a porta estiver fechada, ora a teu Pai em segredo’ (Mt 6, 6).
No início escutamos o apelo sincero de Santo Agostinho para voltar ao coração, terminamos escutando outro apelo igualmente sincero na mesma direção, o que Santo Anselmo de Aosta dirige ao leitor no início de seu Proslogion :
Vamos, homenzinho, abandona as tuas ocupações por um momento, esconde-te um pouco dos teus pensamentos tumultuados. Abandone agora as suas pesadas preocupações, adie os seus compromissos laboriosos. Dedique-se a Deus por um tempo e descanse nele. Entra na câmara do teu espírito, exclui tudo dela, exceto Deus e tudo o que te ajude a buscá-lo, e quando fechardes a porta (Mt 6, 6), buscai-o. Dize agora, ó meu coração, na tua totalidade, dize agora a Deus : ‘Busco o teu rosto; o teu rosto, ó Senhor, eu busco’ (Sl 27,8).
 Com estes desejos e intenções começamos o nosso dia de trabalho, ao serviço da Igreja.


terça-feira, 14 de outubro de 2014

Santa Teresa de Jesus, Virgem e Doutora da Igreja

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 *Artigo de Bento XVI, Papa Emérito

‘Durante as Catequeses que eu quis dedicar aos Padres da Igreja e a grandes figuras de teólogos e de mulheres da Idade Média, tive a oportunidade de meditar também sobre alguns Santos e Santas que foram proclamados Doutores da Igreja pela sua doutrina eminente. Hoje gostaria de começar uma breve série de encontros para completar a apresentação dos Doutores da Igreja. E começo com uma Santa que representa um dos vértices da espiritualidade cristã de todos os tempos : Santa Teresa de Ávila [de Jesus].

Nasce em Ávila, na Espanha, em 1515, com o nome de Teresa de Ahumada. Na autobiografia ela menciona alguns pormenores da sua infância : o nascimento de ‘pais virtuosos e tementes a Deus’, numa família numerosa, com nove irmãos e três irmãs. Ainda menina, com menos de 9 anos, tem a ocasião de ler as vidas de alguns mártires que lhe inspiram o desejo do martírio, a tal ponto que improvisa uma breve fuga de casa para morrer mártir e subir ao Céu (cf. Vida 1, 4); ‘Quero ver Deus’, diz a pequena aos pais. Alguns anos depois, Teresa falará de suas leituras da infância e afirmará que nelas descobriu a verdade, que resume com dois princípios fundamentais : por um lado, ‘o facto de que tudo o que pertence ao mundo daqui, passa’; por outro, que só Deus é ‘para sempre’, tema que retorna na celebérrima poesia ‘Nada te turbe / nada te espante; / tudo passa. Deus não muda; / a paciência obtém tudo; / quem possui Deus / nada lhe falta / só Deus basta!’. Tendo ficado órfã de mãe com doze anos, pede à Virgem Santissima que lhe seja mãe (cf. Vida 1, 7).

Se na adolescência a leitura de livros profanos a tinha levado às distracções de uma vida mundana, a experiência como aluna das monjas agostinianas de Santa Maria das Graças de Ávila e a leitura de livros espirituais, sobretudo clássicos de espiritualidade franciscana, ensinam-lhe o recolhimento e a oração. Com vinte anos entra no mosteiro carmelita da Encarnação, ainda em Ávila; na vida religiosa assume o nome de Teresa de Jesus. Três anos depois adoece gravemente, a ponto de ficar 4 dias de coma, aparentemente morta (cf. Vida 5, 9). Até na luta contra as próprias doenças a Santa vê o combate contra as fraquezas e as resistências à chamada de Deus : ‘Eu desejava viver — escreve — porque entendia bem que não estava a viver, mas sim a lutar com uma sombra de morte, e não tinha alguém que me desse vida, e nem eu a podia tomar, e Aquele que ma podia dar tinha razão de não me socorrer, dado que muitas vezes me dirigira para Ele, e eu O tinha abandonado’ (Vida 8, 2). Em 1543 perde a proximidade dos familiares : o pai falece e todos os seus irmãos emigram, um após o outro, para a América. Na Quaresma de 1554, com 39 anos, Teresa chega ao ápice da luta contra as próprias debilidades. A descoberta da imagem de ‘um Cristo muito chagado’ marca profundamente a sua vida (cf. Vida 9). A Santa, que nesse período encontra profunda consonância com o Santo Agostinho das Confissões, assim descreve o dia decisivo da sua experiência mística : ‘Acontece... que de repente tive a sensação da presença de Deus, que de nenhum modo eu podia duvidar que estava dentro de mim, e que eu estava totalmente absorvida nele’ (Vida 10, 1).

Paralelamente ao amadurecimento da sua interioridade, a Santa começa a desenvolver de modo concreto o ideal de reforma da Ordem carmelita : em 1562 funda em Ávila, com o apoio do Bispo da cidade, D. Alvaro de Mendoza, o primeiro Carmelo reformado, e pouco depois recebe também a aprovação do Superior-Geral da Ordem, Giovanni Battista Rossi. Nos anos seguintes continua as fundações de novos Carmelos, 17 no total. É fundamental o encontro com São João da Cruz com quem, em 1568, constitui em Duruelo, perto de Ávila, o primeiro convento de Carmelitas descalços. Em 1580 obtém de Roma a erecção a Província autónoma para os seus Carmelos reformados, ponto de partida da Ordem religiosa dos Carmelitas descalços. Teresa termina a sua vida terrena precisamente enquanto está empenhada na tarefa de fundação. Com efeito em 1582, depois de ter constituído o Carmelo de Burgos e enquanto voltava para Ávila, falece na noite de 15 de Outubro em Alba de Tormes, repetindo humildemente duas expressões : ‘No fim, morro como filha da Igreja’ e ‘Meu Esposo, chegou a hora de nos vermos’. Uma existência consumida na Espanha, mas despendida pela Igreja inteira. Beatificata pelo Papa Paulo V em 1614 e canonizada em 1622 por Gregório XV, é proclamada ‘Doutora da Igreja’ pelo Servo de Deus Paulo VI em 1970.

Teresa de Jesus não tinha uma formação académica, mas sempre valorizou os ensinamentos de teólogos, letrados e mestres espirituais. Como escritora, sempre se ateve àquilo que pessoalmente vivera ou vira na experiência do próximo (cf. Prólogo ao Caminho de Perfeição), isto é, a partir da experiência. Teresa consegue manter relações de amizade espiritual com muitos santos, em especial com São João da Cruz. Ao mesmo tempo, alimenta-se com a leitura dos Padres da Igreja, São Jerónimo, São Gregório Magno e Santo Agostinho. Entre as suas principais obras deve-se recordar sobretudo a autobiografia, intitulada Livro da vida, ao qual ela chama Livro das Misericórdias do Senhor. Composta no Carmelo de Ávila em 1565, discorre sobre o percurso biográfico e espiritual, escrito como afirma a própria Teresa, para submeter a sua alma ao discernimento do ‘Mestre dos espirituais’, São João de Ávila. A finalidade é evidenciar a presença e a acção de Deus misericordioso na sua vida : por isso, a obra cita com frequência o diálogo de oração com o Senhor. É uma leitura que fascina, porque a Santa não só narra, mas mostra que revive a profunda experiência da sua relação com Deus. Em 1566, Teresa escreve o Caminho de Perfeição, por ela chamado Admoestações e conselhos que Teresa dá de Jesus às suas monjas. Destinatárias são as doze noviças do Carmelo de São José em Ávila. Teresa propõe-lhes um intenso programa de vida contemplativa ao serviço da Igreja, em cuja base estão as virtudes evangélicas e a oração. Entre os trechos mais preciosos, o comentário ao Pai-Nosso, modelo de oração. A obra mística mais famosa de Santa Teresa é o Castelo interior, escrito em 1577, em plena maturidade. Trata-se de uma releitura do próprio caminho de vida espiritual e, ao mesmo tempo, de uma codificação do possível desenvolvimento da vida cristã rumo à sua plenitude, a santidade, sob a acção do Espírito Santo. Teresa inspira-se na estrutura de um castelo com sete quartos, como imagem da interioridade do homem, introduzindo ao mesmo tempo o símbolo do bicho da seda que renasce como borboleta, para expressar a passagem do natural ao sobrenatural. A Santa inspira-se na Sagrada Escritura, em particular no Cântico dos Cânticos, para o símbolo final dos ‘dois Esposos’, que lhe permite descrever no sétimo quarto o ápice da vida cristã nos seus quatro aspectos : trinitário, cristológico, antropológico e eclesial. À sua obra de fundadora dos Carmelos reformados, Teresa dedica o Livro das fundações, escrito de 1573 a 1582, em que fala da vida do grupo religioso nascente. Como na autobiografia, a narração visa frisar sobretudo a acção de Deus na obra de fundação dos novos mosteiros.

Não é fácil resumir em poucas palavras a profunda e minuciosa espiritualidade teresiana. Gostaria de mencionar alguns pontos essenciais. Em primeiro lugar, Santa Teresa propõe as virtudes evangélicas como base de toda a vida cristã e humana : em especial, o desapego dos bens, ou pobreza evangélica, e isto diz respeito a todos nós; o amor mútuo como elemento básico da vida comunitária e social; a humildade como amor à verdade; a determinação como fruto da audácia cristã; a esperança teologal, que descreve como sede de água viva. Sem esquecer as virtudes humanas : a afabilidade, veracidade, modéstia, cortesia, alegria e cultura. Em segundo lugar, Santa Teresa propõe uma profunda sintonia com as grandes figuras bíblicas e a escuta viva da Palavra de Deus. Ela sente-se em sintonia sobretudo com a esposa do Cântico dos Cânticos e com o apóstolo Paulo, mas também com o Cristo da Paixão e com Jesus Eucarístico.

Depois, a Santa realça como a oração é essencial; orar, diz, ‘significa frequentar com amizade, porque frequentamos face a face Aquele que sabemos que nos ama’ (Vida 8, 5). A idéia de Santa Teresa coincide com a definição que São Tomás de Aquino dá da caridade teologal, como ‘amicitia quaedam hominis ad Deum’, um tipo de amizade do homem com Deus, que foi o primeiro a oferecer a sua amizade ao homem; a iniciativa vem de Deus (cf. Summa Theologiae II-II, 23, 1). A oração é vida e desenvolve-se gradualmente com o crescimento da vida cristã : começa com a prece vocal, passa pela interiorização mediante a meditação e o recolhimento, até chegar à união de amor com Cristo e a Santíssima Trindade. Obviamente, não se trata de um desenvolvimento em que subir os degraus mais altos quer dizer deixar o precedente tipo de oração, mas é antes um aprofundar-se gradual da relação com Deus que envolve toda a vida. Mais do que uma pedagogia da oração, a de Teresa é uma verdadeira ‘mistagogia’ : ao leitor das suas obras ensina a rezar, orando ela mesma com ele; com efeito, frequentemente interrompe a narração ou a exposição para irromper em oração.

Outro tema amado pela Santa é a centralidade da humanidade de Cristo. Com efeito, para Teresa a vida cristã é relação pessoal com Jesus, que culmina na união com Ele pela graça, amor e imitação. Daqui a importância que ela atribui à meditação da Paixão e à Eucaristia, como presença de Cristo na Igreja, pela vida de cada crente e como centro da liturgia. Santa Teresa vive um amor incondicional à Igreja : manifesta um ‘sensus Ecclesiae’ vivo diante dos episódios de divisão e conflito na Igreja do seu tempo. Reforma a Ordem carmelita com a intenção de melhor servir e defender a ‘Santa Igreja Católica Romana’, disposta a dar a vida por ela (cf. Vida 33, 5).

Um último aspecto essencial da doutrina teresiana, que gostaria de frisar, é a perfeição, como aspiração de toda a vida cristã e sua meta final. A Santa tem uma idéia muito clara da ‘plenitude’ de Cristo, revivida pelo cristão. No final do percurso do Castelo interior, no último ‘quarto’, Teresa descreve tal plenitude realizada na morada da Trindade, na união a Cristo através do mistério da sua humanidade.

Caros irmãos e irmãs, Santa Teresa de Jesus é verdadeira mestra de vida cristã para os fiéis de todos os tempos. Na nossa sociedade, muitas vezes carente de valores espirituais, Santa Teresa ensina-nos a ser testemunhas indefessas de Deus, da sua presença e acção, ensina-nos a sentir realmente esta sede de Deus que existe na profundidade do nosso coração, este desejo de ver Deus, de O procurar, de dialogar com Ele e de ser seu amigo. Esta é a amizade necessária para todos nós e que devemos buscar de novo, dia após dia. O exemplo desta Santa, profundamente contemplativa e eficaz nas suas obras, leve-nos também a nós a dedicar cada dia o justo tempo à oração, a esta abertura a Deus, a este caminho para procurar Deus, para O ver, para encontrar a sua amizade e assim a vida verdadeira; porque realmente muitos de nós deveriam dizer : ‘Não vivo, não vivo realmente, porque não vivo a essência da minha vida’. Por isso, o tempo da oração não é perdido, é tempo em que se abre o caminho da vida, para aprender de Deus um amor ardente a Ele, à sua Igreja, e uma caridade concreta para com os nossos irmãos. Obrigado!’

 (6 de fevereiro de 2011)

Fonte  :
Bento XVISantos e Doutores da Igreja (catequeses condensadas), Lisboa, Paulus Editora, 2012.  

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Nossa Senhora de Lourdes

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)


Oração a Nossa Senhora de Lourdes

'Ó Virgem puríssima,
Nossa Senhora de Lourdes,
que vos dignastes aparecer a Bernadette,
no lugar solitário de uma gruta,
para nos lembrar que é no sossego e
recolhimento que Deus nos fala e
nós falamos com ele,
ajudai-nos a encontrar o sossego e
a paz da alma que nos ajudem
a conservar-nos sempre unidos a Deus.

Nossa Senhora da gruta,
dai-me a graça que vos peço e tanto preciso.

Nossa Senhora de Lourdes, rogai por nós.'
Amém.