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quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Autoridade missionária e ação profética das mulheres

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Afresco do século III no cubículo das Veladas nas Catacumbas de Priscila. Esta imagem sugere que tal como Grapte, o falecido foi incardinado na ordem das viúvas ​ 
 

*Artigo da Irmã Christine Schenk, CSJ


Quando eu era uma jovem religiosa de São José, tinha um grande desejo de compreender quem eram as nossas antepassadas na fé. Embora goste muito dos textos bíblicos, muitas vezes tenho dificuldade de me reconhecer neles, pois os textos do nosso lecionário falam quase sempre dos nossos antepassados homens. As discípulas devotas de Jesus — com exceção de Maria de Nazaré — são praticamente invisíveis. Mais tarde, quando comecei a estudar para um mestrado em teologia no seminário local, devorei toda a informação sobre as mulheres do cristianismo primitivo. Nesta série de quatro ensaios, pretendo identificar as raízes históricas das comunidades religiosas femininas e talvez ajudar os leitores a começar a reconhecer-se na história dos primeiros cristãos.

A difusão do cristianismo

O ‘movimento de Jesus’ espalhou-se rapidamente por todo o Império romano, em parte graças à iniciativa de viúvas e mulheres na veste de apóstolas, profetizas, evangelistas, missionárias e chefes de igrejas domésticas. O seu crescimento pode também ser atribuído ao apoio financeiro de mulheres empresárias cristãs como Maria de Magdala e Joana (cf. Lc 8, 1-3), Lídia (cf. At 16, 11-40), Febe (cf. Rm 16, 1-2), Olímpia, uma diaconisa do século IV, e outras. O Papa Bento XVI reconheceu-o precisamente quando, a 14 de fevereiro de 2007, afirmou que «a história do cristianismo teria tido um desenvolvimento muito diferente se não tivesse havido o contributo generoso de muitas mulheres». «No contexto da Igreja primitiva, a presença das mulheres — observou — não era minimamente secundária».

A igreja doméstica

As primeiras igrejas domésticas foram guiadas por mulheres como Grapte, que no século II dirigia a comunidade de viúvas que cuidavam de órfãos em Roma e Tabita, uma viúva do século I ‘dedicada a boas ações e obras de caridade’ (cf. At 9, 36-43), que fundou uma comunidade de Igreja doméstica em Jafa. Foi através das igrejas domésticas que os primeiros cristãos tiveram acesso a redes sociais que os colocaram em contato com pessoas de diferentes classes sociais.

Quando um chefe de família mulher, talvez uma viúva rica como Tabita ou uma mulher libertada da escravatura como Prisca (cf. Rm 16, 3-5), se convertia ao cristianismo, os evangelistas cristãos como Júnia (cf. Rm 16, 7) ou Paulo tinham acesso não só à sua casa, mas também ao grupo de pessoas que elas protegiam e à sua clientela, o que significava que os seus escravos, libertos, crianças, familiares e pessoas que estavam em contato com estas mulheres por razões profissionais também se convertiam. Foi assim que, quando Paulo converteu Lídia (cf. At 16, 11-15), teve automaticamente acesso a um vasto leque de relações sociais e, portanto, a um público potencialmente muito vasto. Num ensaio intitulado A Woman’s Place, Carolyn Osiek e Margaret Y. MacDonald mostram como as mulheres cristãs de classes sociais mais baixas conseguiam criar pequenas empresas graças à sua inclusão na rede social cristã e, assim, adquirir uma certa segurança economica. Isto significava, por sua vez, o acesso a uma classe mais elevada e, portanto, uma maior liberdade de movimento, nomeadamente no seio da família alargada da Antiguidade.

Mulheres evangelizadoras

Celso, famoso crítico da Igreja primitiva, tinha uma opinião escassa sobre a evangelização das mulheres. No entanto, embora sem intenção, forneceu provas independentes da iniciativa das mulheres no cristianismo primitivo, ao afirmar que os cristãos persuadiam as pessoas a «deixarem o pai e os mestres e a seguirem as mulheres e as crianças, companheiros de brincadeira, nas casas de mulheres, nos curtumes ou nas oficinas de carriões» (Orígenes, Contra Celso). A crítica de Celso coincide com as afirmações noutros textos do cristianismo primitivo de que a evangelização era feita de pessoa para pessoa, de casa para casa, por mulheres que iam ter com outras mulheres, crianças, libertos e escravos. A sua crítica diz-nos que as mulheres cristãs (e poucos homens) tomavam iniciativas fora das regras do patriarcado em função da sua fé em Cristo.

Contributos específicos das mulheres

Entre os séculos I e IV, ocorrem três inovações significativas na sociedade romana que podem ser atribuídas à evangelização e ao ministério de chefia das mulheres cristãs. A primeira, por volta do século IV, é a liberdade de escolher uma vida celibatária, o que efetivamente derruba um pilar do patriarcado, nomeadamente a obrigação de contrair matrimonio. A segunda é que as viúvas e virgens cristãs salvam, socializam, batizam e educam milhares de órfãos que, de outra forma, morreriam por terem sido abandonados ou seriam destinados à prostituição. A terceira é que as atividades de ligação e de evangelização das mulheres desempenham um papel decisivo na transformação da sociedade romana de uma cultura predominantemente pagã para uma cultura predominantemente cristã.

Conclusão

Podemos reconhecer elementos de vida religiosa não só nas primeiras comunidades de viúvas, como a de Grapte ou a de Tabita, mas também nas mulheres que escolheram a vida celibatária, como as quatro filhas profetisas de Filipe (At 21, 9) e as comunidades femininas da Ásia Menor, mencionadas nos Atos de Tecla. As mulheres destas comunidades não só salvaram órfãos e viúvas pobres, mas também profetizaram nas primeiras reuniões da Igreja primitiva (cf. 1 Cor 11; At 21, 8-19). O seu exercício contracultural da autoridade no contexto da vida doméstica quotidiana é uma das chaves, muitas vezes não ditas, da rápida difusão do cristianismo. A autoridade missionária e a liderança profética das mulheres na sua vasta rede social mudaram a face do Império romano.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2024-02/projeto-sister-autoridade-missionaria-acao-profetica-mulheres.html


quarta-feira, 16 de junho de 2021

Profecia não é adivinhação de futuro autorizada por Deus

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Quadro 'Pregação de São João Batista', de Mattia Preti, retratando o último profeta anterior a Jesus

*Artigo de Fabrício Veliq,

teólogo protestante

 

‘A profecia desempenhou um papel muito importante no texto bíblico, principalmente no Antigo Testamento. Se olhamos para o período da monarquia do povo de Israel, vemos que o profeta era aquele que trazia a mensagem de Deus para a sociedade em todos os seus níveis. O profeta, porta-voz de Javé, era o responsável por anunciar aquilo que Deus demandava de seu povo e de seus governantes, bem como chamá-los ao arrependimento, de maneira que o mal de suas ações cessasse e o castigo divino não lhes sobreviessem.

Neste ponto, algo se torna muito importante de ser esclarecido. A profecia bíblica nunca teve a ver com a adivinhação do futuro, como muitas vezes diversas pessoas tendem a pensar. Os profetas não eram uma espécie de Nostradamus autorizados por Deus para revelar aquilo que aconteceria em tempos muito distantes. O leitor atento ao texto bíblico pode perceber que a prática divinatória era condenada na sociedade de Israel, visto que enganavam o povo de Deus. Para se ter uma ideia do quão grave eram tais práticas, os adivinhos e adivinhas eram condenados à pena capital da sociedade judaica, que era o apedrejamento.

Assim, ao se ler uma profecia é preciso ter em mente que não se trata de uma adivinhação sobre o futuro; antes, toda palavra e atos proféticos tinham o intuito de, sendo palavra instruída por Deus, levar o povo e os governantes ao arrependimento de maneira que o mal anunciado por Deus não acontecesse.

Em outras palavras, quando um profeta anunciava a determinado governante que o mal haveria de vir sobre seu reino se ele continuasse a praticar as ações que iam contra a vontade de Javé, não estava adivinhando o futuro, mas alertando àquele governante de que caso permanecesse no erro, as consequências de seus atos trariam ao seu povo a ruína que estava sendo anunciada. A palavra profética, nesse sentido, sempre visava o arrependimento, de maneira que o bem, a justiça e a paz de Javé pudessem se fazer presente na sociedade.

Isso nos remete a algo muito importante. Toda profecia diz respeito ao seu tempo e para ser compreendida deve ser lida em seu contexto social, político, econômico e cultural. Sem isso, o risco de não se compreender determinada profecia se torna enorme, transformando-a em adivinhação. Por esse motivo que, por exemplo, não se deve ler o texto de Isaías 9:6, que diz : ‘Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu, e o principado está sobre os seus ombros, e se chamará o seu nome : Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz’, como sendo Isaías anunciando o nascimento de Jesus vários séculos depois de si. A compreensão do contexto da profecia deixa muito claro que Isaías anuncia o nascimento do rei Ezequias, que nasceria e seria um governante justo para o povo.

Só posteriormente que tal texto será lido sob uma ótica messiânica cristã, projetando-o para o messias definitivo, que cremos ser Jesus de Nazaré. No entanto, em seu contexto, Isaías não fala de Jesus, e nem poderia, visto que não tinha acesso a coisas futuras.

Compreender essa característica da profecia bíblica se torna importantíssimo para que o texto bíblico possa ser compreendido de uma maneira acertada. A não compreensão do texto bíblico e as diversas interpretações errôneas que se fazem de textos retirados de seus contextos continuam a fazer muito mal ao povo de Deus.

 Nesse sentido, é tarefa teológica insistir no bom conhecimento bíblico, de maneira a se compreender a riqueza e profundidade que tais textos trazem nos contextos em que foram escritos e que, com certeza, podem ainda ser compreendidos e atualizados para nossos dias.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1521807/2021/06/profecia-nao-e-adivinhacao-de-futuro-autorizada-por-deus/