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quinta-feira, 17 de março de 2022

O 'papa' da Romênia

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Papa Francisco, em visita à Romênia em 2019, encontrou-se com o patriarca Daniel, líder da Igreja Ortodoxa Romena (La Stampa)
 

*Artigo de Mirticeli Medeiros,

jornalista e mestre em História da Igreja, uma das poucas brasileiras

credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé


Quando pensamos no chefe da Igreja Católica, não conseguimos imaginá-lo sem aquela roupa branca. Porém, em outras épocas, o sumo pontífice vestia branco e vermelho respectivamente, e complementava essa indumentária com alguns acessórios, que também serviam para que ele se destacasse entre os cardeais purpurados.

A história mais famosa sobre a introdução da prática remonta o século XVI, quando o Papa Pio V, que pertencia à ordem dos dominicanos - cujos membros vestem hábito branco - resolveu continuar usando a túnica da sua congregação por baixo das insígnias pontifícias.

Embora essa história tenha se tornado, popularmente, a principal explicação para a formalização dessa prática, as fontes históricas atestam que esse costume, na verdade, se consolidou muito antes.

Um relato sobre a posse do Papa Vitório III (1086) fala que ele ‘se recusou a usar a veste branca sobre a qual seria colocado um manto vermelho’, comprovando, com isso, que era comum aos papas fazer uso do acessório. Isso aumenta a suspeita, entre os historiadores, que já em época carolíngia os pontífices a adotavam.

Mais à frente, os livros cerimoniais escritos entre os séculos XIII e XVI descrevem que, na coroação pontifícia, ‘uma veste branca de linho, revestida por um manto púrpura’ compunha o ‘guarda-roupa’ do recém-eleito.

Mas será que somente o pontífice romano manteve essa tradição? A resposta é não.

O patriarca da Igreja Ortodoxa Romena, cargo atualmente ocupado por Daniel, arcebispo de Bucarest, locus tenens do trono de Cesaréia e Capadócia, como é chamado, também usa batina branca. Dos patriarcas do cristianismo oriental, é o único a fazê-lo, já que as vossas beatitudes, tanto da Igreja Católica quanto das igrejas ortodoxas, adotam o preto como cor predominante do vestuário episcopal.

Assim como acontece em Roma, o uso do branco na igreja romena, por parte de seu líder supremo, também é amparado por uma tradição milenar.

Geralmente, alguns patriarcas ortodoxos das igrejas eslavas portam já, no dia a dia, a talar preta com a kamilafca branca - uma espécie de barrete, traduzindo para o vocabulário latino. Nas igrejas de tradição grega, os chefes das igrejas possuem todos os acessórios na cor preta.

No caso da romena, em particular, o período no qual essa igreja foi elevada à categoria de patriarcado (século XIX), reacendeu essa tradição.

A Igreja Ortodoxa Romena nasceu da fusão entre as metrópoles de Moldávia e da Ungro-Valáquia, em 1885. Seu primeiro patriarca, Miron Cristea, na cerimônia de posse, foi presenteado com um manto branco que, segundo a tradição, teria sido usado por todos os patriarcas eslavos. A relíquia simbolizava a própria autonomia da igreja romena frente aos patriarcados orientais históricos (Jerusalém, Alexandria, Antióquia, Constantinopla), nos quais seus respectivos líderes usavam, justamente, a cor preta.

Diferente do catolicismo, que atribui às vestes do Papa as categorias teológicas da santidade e da paz, no caso da Igreja Ortodoxa Romena, o branco simboliza a manutenção de ‘uma ortodoxia e de uma canonicidade permanente’ as quais, segundo seus membros, ‘jamais foram quebradas’.’


Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticia/1569816/2022/03/o-papa-da-romenia/

domingo, 13 de março de 2022

O papel das Igrejas ortodoxas na guerra na Ucrânia

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Christine Lehnen


‘A guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia provoca um cisma na Igreja Ortodoxa : enquanto o patriarca russo Cirilo justifica a ofensiva, ele é condenado tanto pelas Igrejas ucranianas quanto por alguns sacerdotes da Rússia.

O patriarcado moscovita silenciou longamente sobre a guerra’, comenta o professor de Ecumenismo, Igrejas Católicas Orientais e Pesquisa da Paz Thomas Bremer, da Universidade de Münster. Contudo, isso mudou : em seus sermões em Moscou, Cirilo apresenta a guerra de Vladimir Putin como uma resistência legítima aos valores ocidentais.

Ele afixa isso às paradas do orgulho gay, que se teria supostamente tentado impor ao Donbass’, explica. Na linha do decreto presidencial vedando que se noticie, ou sequer se caracterize a guerra como tal, o patriarca evitou usar o termo em relação à invasão da Ucrânia, referindo-se a ‘acontecimentos’ e ‘ações militares’.

Duas Igrejas ortodoxas na Ucrânia

Enquanto na Rússia apenas a Igreja Ortodoxa Russa é relevante, sendo seguida por 75% da população, a Ucrânia é marcada por diversidade religiosa. O Cristianismo Ortodoxo tem uma história movimentada no país, sobretudo desde a independência em relação à União Soviética, em 1991.

Atualmente há no país duas comunidades ortodoxas : de um lado, a Igreja Ortodoxa da Ucrânia (IOdaU), autônoma e liderada pelo metropolita Epifânio. Ela foi reconhecida em 2019, em Istambul, por Bartolomeu 1º, uma espécie de ‘pontífice honorário’ dos 260 milhões de cristãos ortodoxos de todo o mundo.

Do outro lado está a Igreja Ortodoxa Ucraniana do Patriarcado de Moscou (IOU-PM), uma comunidade independente dentro da Igreja Ortodoxa Russa e que no passado não se manifestou com frequência sobre questões políticas. Juntas, elas representam 60% da população ucraniana.

Ambas chamam pelo nome a guerra deflagrada por Moscou e a condenam expressamente, explica Bremer. Isso já seria de se esperar da IOdaU, porém mesmo o patriarca da IOU-PM, que afinal é parte da Igreja Ortodoxa Russa, já falava de uma ‘invasão’ da Ucrânia desde o primeiro dia da operação militar, e instou Putin a dar fim à guerra.

O Sínodo das Igrejas ortodoxas da Ucrânia chegou a apelar ao patriarca de Moscou para fazer valer sua influência sobre Putin e se engajar pela paz’, diz o teólogo. ‘Mas o noticiário da Rússia deixou isso de fora. Lá os horrores da guerra não são absolutamente visíveis.’

Assinaturas corajosas

Pelo fato de o patriarca Cirilo não ter se empenhado pela paz, diversos bispos da IOU-PM aconselharam a não mais mencionar o nome dele nas orações, como é usual. A indicação foi seguida até mesmo no nordeste da Ucrânia, na fronteira com a Rússia.

Desse modo, se nota um grande afastamento da Igreja em relação a Moscou’, destaca Bremer. O patriarca de Moscou perdeu a confiança de seus irmãos da Ucrânia e, com isso, também numerosos fiéis praticantes no país : das 38 mil congregações da Igreja Ortodoxa Russa, cerca de 12 mil se localizam na Ucrânia e são parte da IOU-PM.

No início de março, clérigos e sacerdotes ortodoxos-russos publicaram uma carta aberta exigindo o fim da guerra. O documento em russo diz, literalmente : ‘Nós, os sacerdotes e diáconos da Igreja Ortodoxa Russa, apelamos em nosso próprio nome a todos em cujo nome a guerra de irmãos na Ucrânia terminará, e conclamamos à conciliação e a um cessar-fogo imediato.

Eles se referem ao ‘calvário a que os nossos irmãos e irmãs da Ucrânia são expostos, sem merecer’, e já olham para o futuro : ‘Estamos tristes ao pensar no abismo que nossos filhos e netos na Rússia e na Ucrânia vão ter que transpor para voltar a ser amigos, a se respeitar e a amar mutuamente.’ Até a terça-feira (08/03), 286 sacerdotes e diáconos já haviam assinado a carta.

Thomas Bremer admira a coragem desses signatários, embora se trate ainda de um grupo relativamente pequeno, entre os 36 mil clérigos da Igreja Ortodoxa Russa. Mas agora eles estão expostos a represálias e perseguição por parte das autoridades russas e do serviço secreto FSB.

Putin evoca falsa dimensão religiosa

Para os russos, a adesão à Igreja Ortodoxa pode ser tanto religiosa quanto cultural : ‘Há gente na Rússia que se define como ortodoxo, mas ao mesmo tempo diz que não acredita em Deus’, observa Thomas Bremer. ‘É também uma questão de identidade.

Historicamente, o Cristianismo Ortodoxo está intimamente ligado à Rùssia, e Putin se aproveita disso. Assim, num discurso em que justificava suas ‘operações militares especiais’ na Ucrânia, chegou a evocar uma dimensão religiosa, também ao afirmar, falsamente, que ortodoxos russos seriam perseguidos na Ucrânia.

Trata-se de uma narrativa de unidade que tanto a IOdaU quanto a IOU-PM repudiam decididamente, o mais tardar desde a eclosão da guerra. Segundo o pesquisador do ecumenismo, os efeitos da invasão sobre as Igrejas ortodoxas dependerá dos próximos desdobramentos – e de quem vai sair vencedor.

Caso a Rússia anexe o país-irmão, isso será o fim da autônoma Igreja Ortodoxa Ucraniana do Patriarcado de Moscou, prediz. Mas, seja como for, a Igreja Ortodoxa Russa já perdeu diversos fiéis na Ucrânia, e talvez também alguns na própria Rússia.’


Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticia/1569080/2022/03/o-papel-das-igrejas-ortodoxas-na-guerra-na-ucrania/

sábado, 28 de agosto de 2021

Um pequeno panorama sobre a Teologia Cristã Ortodoxa

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
Página de um manuscrito da Biblioteca Deir al-Surian

*Artigo de Fabrício Veliq,

teólogo protestante


‘A teologia cristã ortodoxa, infelizmente, é ainda pouco conhecida pela grande parcela da população cristã no Brasil, se comparada com a teologia cristã latina. Porém, ela se mostra riquíssima, tanto referente às suas formulações, quanto à sua iconografia, tendo muito a nos ensinar em nossos dias. Diante disso, no texto de hoje, gostaria de apresentar duas dimensões importantes dentro dessa teologia, bem como um conceito muito caro a ela : a dimensão apofática, a dimensão catafática e o conceito de Theosis (1).

No que tange à primeira dimensão, no pensamento oriental prevalece aquela que é chamada dimensão apofática da teologia, ou seja, segundo a definição de Evdokimov, ‘a teologia é a negação de toda definição humana’ (EVDOKIMOV, 1996, p.22). Dessa forma, para Evdokimov, não existe nome capaz de exprimir Deus de forma adequada, podendo somente se falar sobre aquilo que Deus não é e nunca aquilo que Ele é. Nesse sentido, a tônica da teologia oriental é apofática desde que ela não se desligue de sua base que é a teologia catafática.

Meyendorff, em seu livro La teologia Bizantina, nos dá uma boa visão do que seria a teologia catafática, mostrando-nos sua premissa que diz que só podemos conhecer de Deus aquilo que Dele é revelado. Uma vez que Ele sempre se revela como Pai, Filho e Espírito, esse fato não pode ser deduzido de nenhum princípio ou de forma racional (cf. MEYENDORFF, 1984, p.220). Aqui, fica-se claro que a teologia apofática e catafática são complementares. Enquanto não é possível dizer quem Deus é em sua essência (dimensão apofática), ainda assim é possível falarmos de Deus a partir daquilo que ele revelou a nós (dimensão catafática).

Algo que é importante de se ter em mente é que a teologia cristã ortodoxa sempre deu ênfase à monarquia do Pai. Tudo procede do Pai e está em estreita relação com o ele. Dessa forma, as relações da Trindade se manifestam de acordo com as propriedades pessoais de cada um e são essas propriedades que distinguem o Pai como não gerado e fonte de todas as coisas, o Filho como gerado e o Espírito na qualidade de expirado. O Pai é eternamente Pai, o Filho é coexistente ao Pai e o Espírito procede do Pai. Essas características de não gerado, gerador e expirador permanecem no campo apofático na perspectiva oriental, cabendo ao ser humano simplesmente contemplar o mistério divino.

Por último, apresentamos o lindo conceito da TheosisTheosis, ou divinização do homem querem dizer a mesma coisa. Ambas tratam da pneumatização do ser humano, do seu ser transformado pelo Espírito Santo. A Theosis representa o fim último do ser humano, que é viver a semelhança que faz com que a imagem siga em direção ao seu arquétipo, ou em outras palavras, participar da vida de Deus.

Diversos foram os padres gregos que discorreram sobre o tema da Theosis, tais como Orígenes, Clemente de Alexandria, Irineu e Atanásio, dentre vários outros que poderíamos citar, padres esses de fundamental importância para o desenvolvimento da teologia oriental. Em todos esses é clara a visão de que o homem deve ser deificado, ou seja, ter restaurada a imagem autêntica de Deus.

Contudo, mostra-se muito importante percebermos que a deificação, no pensamento oriental, não se encerra na restauração da imagem de Cristo, o que tornaria esse processo estático, mas se trata de um movimento contínuo, de um se assemelhar crescente a essa imagem, tendo o Espírito Santo um papel fundamental nesse processo. Esse pensamento segue ao longo dos séculos na teologia oriental, tendo diversos sistematizadores, tais como Máximo Confessor, Gregório Palamas e, mais recentemente, Paul Evdokimov e John Meyendorff, fazendo-nos perceber ser esse um dos pilares dessa teologia.

Logicamente, não tem como desenvolvermos todos esses temas na profundidade que merecem e muitos outros ficaram de fora, tais como a questão sacramental e a epiclese. Contudo, diante desse pequeno panorama, convidamos o leitor e a leitora a conhecer mais dessa teologia tão rica, que pode cooperar muito para uma experiência mais profunda da própria fé cristã em nossos dias. 

Nota :

1) Esse texto toma por base nosso artigo A epiclese enquanto espelho da Theosis: uma abordagem possível na teologia oriental

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1535187/2021/08/um-pequeno-panorama-sobre-a-teologia-crista-ortodoxa/

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Leste ou Oeste?

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo do Padre Arthur W. Terminiello
Tradução : Carlos Martins Nabeto


– A Igreja Ortodoxa Grega é a mesma que a Igreja Católica Romana?

‘A Igreja Católica é dividida geograficamente em duas grandes divisões : o Oriente e o Ocidente. No Oriente, há uma divisão adicional de igrejas: aquelas que estão em comunhão com o Papa e as que não estão. Aquelas que estão ligadas a Roma são chamadas ‘UNIATAS’ ou, mais corretamente, ‘Igrejas Católicas Orientais’. Aquelas que não estão ligadas a Roma são chamadas de ‘igrejas ortodoxas’.

A igreja grega é uma dessas igrejas orientais e, na Grécia, esta igreja é dividida entre aquelas que estão unidas a Roma e as que não estão, ou sejam, a Igreja Católica Grega e a Igreja Ortodoxa Grega.

As Igrejas Ortodoxas Orientais são divididas em muitos ramos e reconhecem a supremacia de cinco Patriarcas : Constantinopla, Alexandria, Antioquia, Jerusalém e Chipre[*].

Em questões essenciais, as Igrejas Ortodoxas creem como a Igreja Ocidental em sua maior parte. No entanto, elas não aceitam a autoridade do Papa. Seus padres são validamente ordenados e seus bispos validamente consagrados. Os padres podem ser homens casados, desde que se casem antes de se tornarem diáconos.

Sua liturgia é semelhante à liturgia católica oriental, mas diferente da liturgia ocidental, exceto nas partes essenciais, como a consagração.’


[*NdoT. : Isso em 1956. Atualmente o número de Patriarcados é bem maior : além dos 5 elencados nesta resposta, há ainda : Rússia, Sérvia, Romênia, Bulgária e Geórgia, além de Kiev, secessionada da Rússia e não reconhecida por esta.


Fonte :