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terça-feira, 15 de março de 2022

Via Sacra escrita por bispo denuncia: “a vida na África vale pouco”

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Francisco Vêneto,

jornalista


‘A vida na África vale pouco, denunciou a Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (AIS ou ACN, pela sigla internacional em inglês), mediante o texto de uma Via Sacra composto em 2021 por dom Jesús Ruiz Molina, bispo auxiliar de Bangassou, na República Centro-Africana.

O bispo, que é de origem espanhola, escreveu na ocasião :

Em quase todos os países da África subsariana, a esperança média de vida da população não chega aos 60 anos. No país em que vivo, ela é de escassos 50 anos. Morre-se antes do tempo e vive-se tão precariamente que muitas vezes me pergunto : será que há vida antes da morte? Como vale pouco a vida na África!

A vida na África vale pouco

Segundo matéria da agência portuguesa Ecclesia, dom Molina propôs aos fiéis que meditassem sobre a Paixão de Cristo e, ao mesmo tempo, a vissem refletida no calvário de um continente ‘escravizado pela ganância, violentado pelo terrorismo, mergulhado tantas vezes numa pobreza quase obscena’.

Assim como este panorama se arrastava no continente havia décadas e décadas, nada mudou do ano passado para cá. A ‘Via Sacra África’ segue atual, denunciando desumanidades como a fome, as violências contra as mulheres e o escândalo brutal das crianças-soldado.

A fundação AIS observou, no lançamento do texto, que as reflexões ali propostas ‘perturbam as consciências’ de quem ‘olha para a África como um lugar subalterno’.

O texto da Via Sacra foi editado em formato de livro. Em diversos países, como foi o caso de Portugal, a fundação AIS destinou o dinheiro angariado com a venda dos exemplares a projetos em prol dos cristãos da África, vitimados pela perseguição e pela intolerância religiosa.’

Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/2022/03/14/via-sacra-escrita-por-bispo-denuncia-a-vida-na-africa-vale-pouco/

segunda-feira, 6 de julho de 2020

De Bérgamo a Malauí: uma vida dedicada aos órfãos

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)        

 2020.07.03 Alleluja Care Center, Malauí

*Artigo de Antonella Palermo 

‘No Malauí, um dos países africanos mais pobres e esquecidos do mundo, há uma pequena Bérgamo. Uma das cidades italianas mais atingida pelo coronavírus. Rita Milesi, nasceu em Bérgamo, há 77 anos e está no Malauí desde 1974. Ela conta que perdeu três amigos de Bérgamo que lhe enviavam apoio através das adoções a distância das suas crianças. Explica que ‘em alguns vilarejos há alguns focos da doença, mas estão bastante isolados. A impressão é que as pessoas ainda não entenderam realmente a seriedade disso. Enquanto isso, fizemos 5000 máscaras e aqui todos os funcionários do Centro sãos obrigados a usá-las’. Rita fundou no país o Alleluya Care Center, onde são assistidas crianças órfãs e desnutridas. É uma leiga voluntária, mora sozinha, uma mulher com grande tenacidade e alegria interior e muito amável e simpática que mesmo por telefone, transmite a vontade de ir até o Malauí para conhecê-la pessoalmente. 

A África, um sonho antigo 

Agora todos a chamam de ‘Mãe Rita’. Antes da longa aventura africana, Rita trabalhou por mais de dez anos em algumas estruturas públicas em Bergamo e Milão como enfermeira e educadora em uma creche. O amor pelas crianças sempre a caracterizou, desde que estudava na escola primária. Em 1974 decidiu partir para as missões através do Celim (Centro de Leigos Italianos para as Missões). Trabalhou dez anos em um hospital no Malauí como enfermeira na pediatria. Foi uma das primeiras missionárias leigas a chegar nestas montanhas. Na época era difusa a cólera, a malária, e muitos casos de lepra e nos anos Oitenta começaram os casos de AIDS, tudo sem medicamentos adequados e insuficientes. ‘Fazíamos as vacinas debaixo de um pé de manga – conta - acudindo os poucos órfãos que chegavam de seis vilarejos no hospital, em uma pequena estrutura cedida pelo bispo. Em 2002 o hospital diocesano fechou por falta de fundos. Morei em uma cabana por nove meses. Depois fui ao Brasil onde fiquei pouco tempo e à Costa do Marfim por três anos. Estava procurando o meu centro. Enfim descobri que o meu coração ficara no Malauí’. 

Crianças sozinhas encontradas até sob arbustos 

Hoje Rita vive em Mangochi, no sul do Malauí, onde reestruturou e fundou o Alleluya Care Center, depois de ter vendido os bens que herdara de seus pais. ‘Os primeiros anos foram felizes, todas as nossas esperanças, todo o nosso amor, todas as nossas jovens energias lançadas no cuidado de crianças órfãs ou abandonadas, doentes e desnutridas. Não vamos à procura dos pobres porque eles estão fora de nossa casa. Os próprios familiares os trazem até nós. Ou os encontramos nos lugares mais impensáveis, à beira dos caminhos ou debaixo de arbustos. Nós cuidamos dessas crianças, e quando elas atingem a idade de três anos, as devolvemos aos seus parentes, se forem encontrados. Todos os meses – ela conta - vamos ver como eles estão, levando roupas e remédios. Se não encontramos ninguém mesmo, através dos serviços sociais, fazemos adoções às famílias interessadas. Em Bérgamo temos um, em Gênova outro, na Austrália temos cinco’. 

A história de Bakhita, parecia um coelho sob as plantas 

Rita já salvou 2.500 crianças em todos esses anos. Recorda o caso de Bakhita. ‘Nós a encontramos debaixo de um pé de banana. Corria o risco de ser morta porque parecia um coelho. Aos seis meses a levei para a Itália para uma operação no coração. Agora tem vinte anos, mora em Bérgamo, e nestes dias saiu do hospital depois de mais uma cirurgia. Mas pelo menos cresceu em um ambiente protegido – explica Rita – e tem uma família que adora, apesar das cicatrizes físicas. Uma outra história é a de um menino encontrado na rua, estava na calçada. Calculamos que tinha dois anos e pesava 4 quilos. Cuidamos dele e agora está muito bem e feliz, mas não sabemos quem é a mãe. Nós estamos entre Malauí e Moçambique, talvez ela tenha fugido para lá. Já fiz todas as assinalações, mas até agora não apareceu ninguém. Cuidaremos dele, aqui no Malauí já conseguimos adotar cinco crianças’. 

Fui pobre, amo os pobres 

Em 2017, Rita conseguiu abrir uma creche para estas crianças sem pais. ‘Eu não queria fazer uma escola só para eles - esclarece - porque as crianças têm que interagir. Cheguei a ter 200 crianças e 50 órfãos. Infelizmente, aqui a mortalidade precoce é generalizada. As mães, devido à fome, são anêmicas, por isso quando dão à luz muitas delas morrem’, explica. ‘Acontece com frequência que homens e mulheres adoecem e morram de AIDS, deixando os seus filhos com os avós, que em muitos casos têm enormes dificuldades em cuidar deles, porque eles próprios devem ser cuidados. Nós estamos entre os pobres. Mas eu amo os pobres. Fui pobre e amo os pobres. E eu rezo sempre pelo Papa Francisco, que ama tanto os pobres. Eu gostaria muito de conhecê-lo, abraçá-lo, chorar com ele’. 

Que o novo Presidente dê justiça e reconciliação. 

Alguns dias atrás foram feitas as eleições presidenciais no país que elegeram o líder da oposição Lazarus Chakwera. ‘Temos realmente que agradecer ao Espírito Santo que ajudou estas pessoas’, disse Rita sobre a eleição, ‘muitos estavam cansados de serem enganados. O novo presidente não quer as separações norte, sul e centro. Todos, católicos, muçulmanos e protestantes, devem colaborar. Quer que todos nós sejamos Malauianos. Ele quer mais igualdade, paz e reconciliação. Acredito que ajudará também os pobres’. 

Apelo aos jovens para prosseguir o trabalho de Rita 

Depois de criar estas crianças, as separações dão tristeza, as lágrimas descem abundantes’, diz Rita, enquanto nos envia as fotos desta preciosa obra, ‘mas devo deixá-los voltar aos seus povoados, quando for possível, porque essa é a sua realidade, as suas origens, o seu povo. Devemos ajudar estas crianças. Eles querem viver. Se Deus nos colocou aqui, há uma razão, que devemos dar esperança’. Como a senhora lida com a solidão? ‘Muitas vezes a solidão toma conta de mim, mas eu digo : Mãe, Pai, dai-me a sua fé, a sua esperança e a sua caridade’. E concluiu com um convite aos jovens : ‘Não tenham medo, se forem iluminados pelo espírito, doem-se com coragem, porém com segurança. Força.’’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://www.vaticannews.va/pt/mundo/news/2020-07/bergamo-malaui-historia-leiga-missionaria.html


quarta-feira, 3 de maio de 2017

Grande Hotel Beira

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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*Artigo de Donatella Penati M.


Como uma aposta para ricos, concebido pela mãe-pátria portuguesa, tornou-se o refúgio de pobres destinos.


‘Beira, segunda cidade de Moçambique, é ainda hoje um porto comercial estratégico para a África que não se debruça sobre o mar. Malauí, Zimbabué e Zâmbia pescam no canal de Moçambique, atravessando estradas, desordenadas e sujas, pouco seguras, mas que ainda ostentam os sinais do passado colonial.

E, seguramente, a companhia portuguesa de Moçambique apostou na década de 1950 num desenvolvimento de «luxo». Frente ao mar. E assim nasceu o Grande Hotel Beira, que nos seus 116 quartos, piscina olímpica e jardins paradisíacos viu passar a História e morrer os sonhos. Dos colonizadores e dos colonizados. Demasiado custoso para a África.

E assim o encanto de toda aquela art déco, a partir de 1963, ano do seu encerramento, começou a morrer. Não obstante a História batesse ainda à sua porta. Em 1971, o casamento da filha de um ministro, e depois quartel-general para os homens da Frelimo (em luta com a Renamo) nos anos 1970, e depois a preciosa piscina olímpica utilizada pelos atletas da equipa nacional de pólo aquático. O maior hotel do continente não devia ser desperdiçado assim. Aqui não se deita fora nada. E do sonho dos ricos nasce uma outra história.

Grande Hotel Moçambique, 3000 lugares sentados, quartos com vista ou sem vista, quartos particulares sem luz, quartos particulares sem casa de banho, quartos particulares com vista total para a atmosfera. Para todos os gostos, vasta escolha de degradação. Fascinante se não se cresce e vive aqui. Hotel misterioso e horripilante, com tantas «presenças sombrias» que relatam as noites sem um fio de luz, os dias com as retretes a céu aberto que fazem acumular excrementos ao longo das escadarias.

E como sábias videntes, milhares de aranhas pretas e enormes, penduradas nos tetos. Miram e bamboleiam-se com a brisa do mar. Tranquilas, olham de alto a baixo aquela desumanidade que nem elas querem partilhar. Todos sabem que ali nada mudará. A elegante sala de jantar dos ricos, agora coberta por ripas e usada como morgue para os mortos que ninguém reclama. Aqui põem aqueles que se vão embora pela demasiada miséria, que aqui cada ano apaga muitas vidas. Aqui, vistas para o mar, canal de Moçambique, cada um tem as suas comodidades. Porta com número de quarto, luz e brisa marinha, «negócios» à porta de casa. E todavia, também aqui, esperanças e sonhos entram, iludem a imundície, vento e aranhas e relatam-se.

Olívia com os seus dois miúdos que não largam o pequeno pai natal de pano, sonha com uma pequena casa com casa de banho. José, o negociante improvisado que gostaria de descer aquelas escadas e abrir uma oficina. Sofia, nascida aqui, mas com vontade de conhecer o mundo e contá-lo. E depois Sara Jacinto, que faz de locutora, em direto da degradação, sonhando com a televisão. E Baltasar, barbearia Califórnia que, ecoando um dos Magos, distribui beleza por todos. E o ATL de Marcus para as dezenas de crianças penduradas nas varandas e janelas como as aranhas. Nunca foi tão vivo este lugar. Embora aqui tudo pareça uma guerra perene. Sempre entre ricos e pobres, que agora só um muro anônimo divide. Um muro que pertence à história do homem. E assim ainda hoje, a Beira, o bairro de quem tem poder e dinheiro está ali, além daquela barreira de cimento. Entre pobres que permanecem e ricos que se foram embora. Grande Hotel Beira, vistas para o mar, canal de Moçambique. Um luxo para muitos desesperados sonhadores.’

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Fonte :

terça-feira, 5 de julho de 2016

As obras de misericórdia de Caravaggio

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Fernando Félix,
Jornalista


As sete obras de misericórdia corporais são o tema de uma pintura do pintor italiano Michelangelo Merisi da Caravaggio, do final de 1606. O quadro encontra-se no altar da Igreja Pio Monte della Misericordia, numa estreita rua do centro histórico de Nápoles.


‘Em 1597, o cardeal italiano Roberto Belarmino escreveu um catecismo em que defendia um retorno aos valores mais puros do Evangelho e, nesse espírito, recomendava a prática de obras de caridade como um meio de expiação dos pecados e de elevação espiritual. Em consequência, uma das missões da Igreja seria a promoção e a prática das obras de misericórdia, para ser uma Igreja mais acolhedora dos desamparados. Os pobres eram, na retórica religiosa oficial, considerados a imagem terrena de Jesus Cristo, o redentor sofredor.

Nesse contexto, em 1601, nasceu em Nápoles a irmandade Pio Monte della Misericordia, fundada por sete jovens nobres piedosos que se dedicavam a cuidar dos pobres. Cinco anos mais tarde, eles encomendam ao grande mestre da pintura renascentista Michelangelo Caravaggio sete quadros, cada um dedicado a uma obra de misericórdia corporal. Todavia, Caravaggio optou por reunir as sete obras numa única tela. E completou a sua maior obra – tem quase quatro metros de altura e mais de dois metros e meio de largura – em menos de quatro meses. Entregou-a a 9 de Janeiro de 1607.


Mendigo e guardião da misericórdia

Michelangelo Merisi nasceu em 1571, na pequena cidade de Caravaggio, no Norte de Itália, de onde colheu o seu apelido. O seu pai, Fermo Merisi, era administrador e arquiteto-decorador do marquês de Caravaggio.

Tinha 6 anos quando a peste bubônica matou o seu pai e praticamente todos os homens da família. Por causa disso, cresceu buliçoso e o temperamento conflituoso nunca o abandonou. Teve inúmeros confrontos com a polícia e viveu os últimos anos da sua vida como fugitivo da justiça, mudando constantemente de cidade. Morreu com apenas 38 anos, em circunstâncias nunca esclarecidas, a caminho de Roma, levando consigo três quadros.

Caravaggio era talentoso. Era dono de uma técnica apurada. Tornou-se famoso por pintar diretamente sobre as telas sem esboços preliminares. Pintava tanto cestos com frutas quanto pessoas. Usava o contraste entre luzes e sombras para transmitir maior realismo. No entanto, foi nas pinturas religiosas que lhe encomendavam que ele encontrou a sua verdadeira vocação, assim como a fama. As suas pinturas A Vocação de São Mateus e O Martírio de São Mateus, por exemplo, fizeram dele, por volta de 1600, o artista mais imitado na Itália, mas também o mais polémico, por causa do naturalismo com que abordava as paisagens bíblicas e que o clero não via com bons olhos. O ser humano era analisado e representado a partir do seu lado animalesco, da sua agressividade e das suas características fisiológicas e naturais. O homem e a mulher são apenas um fruto da Natureza.

Havia, simultaneamente, teatralidade nos seus quadros. Na Crucificação de São Pedro e na Conversão de São Paulo imprimiu uma intensa ação dramática.

Também a sua espiritualidade era intensa e crítica. Socialmente, os ricos tudo faziam para banir os pobres. Diziam que estes eram capazes de todos os crimes. Metiam-nos em asilos, por exemplo. Mas Caravaggio tinha o hábito de retratar as cenas com mendigos comuns : os seus santos são camponeses, os seus anjos assemelham-se às crianças das ruas de Nápoles. Também abundam bispos e cardeais representados. «O que Caravaggio faz é trazer os homens e mulheres comuns para dentro de suas pinturas e torná-los sagrados», diz o escritor norte-americano Terence Ward na obra dedicada ao autor italiano, The Guardian of Mercy : How an Extraordinary Painting by Caravaggio Changed an Ordinary Life Today [O Guardião da Misericórdia : Como a Extraordinária Pintura de Caravaggio Muda a Vida Quotidiana, em tradução livre].


As sete obras de misericórdia

A obra de misericórdia «enterrar os mortos» [1] é retratada ao fundo, à direita, com o transporte de um cadáver de que se vêem apenas os pés. Quem o leva é um diácono que segura uma tocha.

As obras de misericórdia «visitar os presos» [2] e «dar de comer a quem tem fome» [3] são representadas num único episódio, do lado direito da tela, retirado do livro Factorum et dictorum memorabilium, do escritor romano Valério Máximo. Cimone estava condenado a morrer à fome na prisão, mas foi alimentado pela filha Pero, que lhe dava leite do seu peito. Em atenção a isso, os magistrados perdoaram-lhe a pena e ergueram no local um templo dedicado à deusa Misericórdia. No mesmo sítio, mais tarde foi construída a Basílica de São Nicolau no Cárcere.

A obra de misericórdia «vestir os nus» [4] surge à frente, do lado esquerdo. Caravaggio usa a figura de um jovem cavaleiro, que representa São Martinho de Tours a dar de presente o seu manto ao homem nu. À esquerda do homem nu está outro homem, um paralítico, também associado a São Martinho de Tours, em cuja biografia se refere a prática de «visitar os doentes» [5].

A obra de misericórdia «dar de beber a quem tem sede» [6] é retratada a meio da faixa esquerda da tela, no homem que bebe água servindo-se de uma mandíbula de burro. Esta cena evoca o episódio bíblico em que Sansão, depois de derrotar os filisteus lutando com uma queixada de jumento (Jz 15, 18-19), bebe água no deserto graças a um milagre do Senhor.

A obra de misericórdia «dar pousada aos peregrinos» [7] é sintetizada em duas figuras na faixa esquerda da tela : um estalajadeiro de pé aponta para o exterior a outro homem que ostenta uma concha no chapéu, símbolo do peregrino de Santiago de Compostela.

A figura de Maria com uma criança ao colo e o seu manto que desce em direção ao homem nu aludem ao papel da Igreja na promoção e prática das obras de caridade.

Os anjos simbolizam a Graça divina que inspira as obras de misericórdia. E a sua sombra projetada na parede indica que é algo concreto, que tem uma aplicação terrena.’


Fonte :
* Artigo na íntegra


segunda-feira, 20 de junho de 2016

Naturalização da miséria

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)


‘O Papa Francisco voltou a ser ‘a voz dos últimos’ nesta semana quando chamou a atenção para o paradoxo da existência de obstáculos, sejam econômicos, sejam políticos nas ajudas para lutar contra a fome, enquanto as armas circulam livremente. A ocasião para esta dura crítica do Pontífice foi a sua primeira visita à sede em Roma do Programa Mundial Alimentar, PMA, organismo das Nações Unidas que se encarrega de distribuir ajudas alimentares.

No seu denso discurso diante dos representantes dos Estados que fazem parte do Conselho Executivo do PMA, Francisco fez notar um fenômeno estranho e paradoxal : ‘enquanto as ajudas e os planos de desenvolvimento se veem obstaculizados por intrincadas e incompreensíveis decisões políticas, por tendenciosas visões ideológicas ou por insuperáveis barreiras alfandegárias, as armas não; não importa a sua origem, circulam com uma liberdade jactanciosa e quase absoluta em muitas partes do mundo. E assim nutrem-se as guerras, não as pessoas. Em alguns casos, usa-se a própria fome como arma de guerra’.

As vítimas se multiplicam – observou o Pontífice – porque ao número de pessoas que morrem de fome e desnutrição se acrescenta a de combatentes que morrem no campo de batalha e de muitos civis que caem nos conflitos e nos atentados. Estamos plenamente conscientes disso, porém deixamos que a nossa consciência se anestesie.

E assim, as populações mais fracas não somente sofrem os conflitos bélicos mas também, por sua vez, sofrem com a falta de ajudas, que são bloqueadas. É urgente, - disse Francisco -, desburocratizar tudo aquilo que impede que os planos de ajuda humanitária cumpram seus objetivos. Nesta desburocratização da fome o Papa citou o papel fundamental do PMA.

Em outra parte do discurso o olhar de Francisco tocou a excessiva informação de hoje. Sim, ‘o excesso de informação de que dispomos gera gradualmente a habituação à miséria; ou seja, pouco a pouco tornamo-nos imunes às tragédias dos outros, considerando-as como qualquer coisa de ‘natural’; em nós gera-se a ‘naturalização’ da miséria’. E uma dura constatação de Francisco : ‘são tantas as imagens que nos invadem onde vemos o sofrimento, mas não o tocamos; ouvimos o pranto, mas não o consolamos; vemos a sede, mas não a saciamos. Assim, muitas vidas entram a fazer parte de uma notícia que, em pouco tempo, acabará substituída por outra. E, enquanto mudam as notícias, o sofrimento, a fome e a sede não mudam, permanecem’.

O Santo Padre voltou a levantar a sua voz para deixar claro que a falta de alimentos ‘não é algo natural, não é um dado óbvio nem evidente’. E destacou que em pleno século XXI, onde muitas pessoas sofrem deste flagelo, tudo se deve a uma egoísta e má distribuição dos recursos, a uma ‘mercantilização’ dos alimentos.

Francisco lamentou como o acesso aos alimentos se ‘transformou em privilégio de uns poucos’ e que o consumismo nos induziu a nos a acostumarmos ao supérfluo e ao desperdício cotidiano de comida. O Santo Padre não perdeu a oportunidade para recordar que o alimento que se desperdiça é como se fosse roubado da mesa do pobre, ‘de quem tem fome’ e exortou a identificar caminhos e modos que, afrontando seriamente tal problemática, sejam veículos de solidariedade e de partilha para com os mais necessitados.

Dirigindo a sua atenção ao PMA Francisco fez um apelo para que os Estados membros incrementem decisivamente sua real vontade de cooperar com essa finalidade para que o PMA, não somente possa responder às urgências, mas também possa realizar projetos sólidos e consistentes.

Aos funcionários do PMA, um pensamento ‘que brotou do coração’. Falando de improviso animou-os a seguirem avante. A não se deixarem vencer pelo cansaço, e a não permitam que a dificuldades os desencorajem. ‘Necessitamos sonhar e necessitamos de sonhadores’, disse Francisco.

Fiel à sua missão, a Igreja Católica quer trabalhar com todas as iniciativas que visam a salvaguarda da dignidade das pessoas. Para se tornar realidade esta prioridade urgente da ‘fome zero’, o Papa assegurou todo o apoio e sustentação.

Fazemos nossas as palavras do Observador da Santa Sé junto à agência humanitária das Nações Unidas, Mons. Fernando Chica Arellano, que através da Rádio Vaticano fez um convite, para que seja lido todo o discurso do Santo Padre, porque se trata de um texto verdadeiramente programático que ajuda todos. O Papa disse que não podemos considerar a fome um problema a mais, não podemos habituar-nos com o fato de existir famintos no mundo. Ou seja, os famintos devem realmente mexer com a nossa consciência e será a única maneira de realmente se fazer alguma coisa, não confiar somente nas palavras, mas começar a agir. ‘A fome deve pertencer aos museus, isto é, ao passado.’.’


Fonte :
* Artigo na íntegra