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sexta-feira, 1 de julho de 2022

Pauta do novo humanismo

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 

*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,

Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG

Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil


‘Investir na consolidação do novo humanismo, proposto pelo Papa Francisco, é uma urgência capaz de corrigir os rumos da civilização. Especialmente, trata-se de movimento que contribui para formar líderes promotores do diálogo, comprometidos com a construção de um tempo melhor. A busca por um novo humanismo, que tem envolvido estudiosos e pesquisadores, frequentemente inspirando rodas de conversas, é ainda um projeto, mas constitui um broto de esperança, ‘luz no fim do túnel’. Permanecer distante, sem se envolver na efetivação desse projeto, por pouco compreender o que significa um novo humanismo, significa contribuir para o acúmulo de prejuízos na contemporaneidade. É preciso buscar uma reação para trilhar caminhos diferentes.

Individualmente ou em grupo torna-se importante compreender o significado de um novo humanismo, com suas potencialidades para reverter perdas na cultura, na história e nos patrimônios relevantes. O esvaziamento humanístico da existência revela-se na animalização das relações, com o assombroso recrudescimento de diferentes tipos de violência, naturalizando preconceitos e discriminações. Dentre essas muitas violências, inscreve-se aquela que se manifesta na indiferença em relação aos que sofrem. Ela se torna especialmente grave quando a fome de muitos passa a ser normalizada, não gerando o necessário incômodo para atitudes cidadãs mais assertivas. Consequentemente, prevalece certa inércia ou, no máximo, gestos pontuais.

Outra consequência do esvaziamento humanístico é o instinto de autofagia que se verifica quando segmentos da sociedade destroem o próprio patrimônio, com uma enfurecida cegueira que não os permite enxergar as consequências de suas atitudes. São, assim, capazes de destruir em pouco tempo o que se edificou ao longo de décadas e até de séculos, movidos por uma incompetência humana perigosa e desleal – rifam por pouco o que vale muito, negociam o inegociável. Também não são raras as manifestações de autoritarismo que sinalizam esvaziamentos humanísticos. Essas manifestações nada mais são do que tentativas para encobrir a realidade, explicitando a carência de um senso humanístico, com impactos nas relações.

A superficialidade humana nas impaciências de todo tipo, pelas redes digitais e nos encontros presenciais, inviabiliza a sincera constituição dos laços de fraternidade. Por isso mesmo, ainda que por abordagens simples, e sem a profundidade de reflexões filosófico-antropológicas, é preciso, cotidianamente, se dedicar à pauta do novo humanismo. É incontestavelmente urgente produzir adequada reação a discursos destrutivos, superando negacionismos, ódios e autoritarismos. Ao invés da destruição e do caos, a humanidade precisa construir o caminho que leve ao desenvolvimento integral. E a pauta do novo humanismo pode proporcionar à sociedade um discurso de união, com capacidade para ajudar na constituição e no fortalecimento de laços fraternos. O mundo político precisa ser fecundado por esse tom unificador, para dar conta de sua importante e insubstituível tarefa, intuindo legislações e práticas capazes de promover o bem comum. Nessa direção, é importante e determinante priorizar o ser humano, reconhecendo e dedicando-se especialmente aos clamores dos pobres e sofredores. Uma prioridade na contramão de lógicas com a aridez e a frieza da ilimitada ganância pelo lucro.

A consideração da pauta de um novo humanismo aponta, especificamente, para a necessidade de se dedicar atenção à cultura que fortemente incide sobre a vida. A dimensão cultural é fonte de sensibilização humanística. Contempla também o adequado tratamento da política, pela qualidade das relações no respeito incondicional a direitos. No campo econômico, efetiva-se novo humanismo quando se vence perversidades e se busca a inclusão, em um incondicional respeito ao meio ambiente. Este tempo grave exige, pois, criatividade para que sejam estabelecidas novas dinâmicas capazes de levar a grandes mudanças civilizatórias. Aqueles que se fundamentam em princípios e valores imprescindíveis – coerentes com o Evangelho de Jesus Cristo, sem manipulações e interpretações fundamentalistas – são promotores das mudanças almejadas. Cresça o interesse pela pauta do novo humanismo, única saída para a crise enfrentada pela humanidade, investimento para a edificação de um tempo novo.’

 


Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticia/1582887/2022/07/pauta-do-novo-humanismo/

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Brotos de nova política

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
  
Imagem relacionada
*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG


‘‘A esperança é a última que morre’, diz a sabedoria popular. Na verdade, a esperança não pode morrer, pois é chama que ilumina horizontes sombrios e permite enxergar rumos novos. Esse entendimento deve inspirar a sociedade brasileira neste ano eleitoral, quando todos são convocados a investir nos ‘brotos’ de uma nova política. Afinal, não é possível pensar em avanços, consertos e novas respostas sem a reconfiguração do universo político. E trata-se de uma obviedade dizer que graves problemas - corrupção, depredação e apropriação indevida do bem comum, entre tantos outros males - são alimentados pela velha política brasileira, que enterra a sociedade em um verdadeiro lamaçal. Então, como poderão surgir os brotos de uma nova política? Essa é uma pergunta que não pode ser respondida com facilidade, mas que deve orientar a participação cidadã de todos.

Pode-se pensar em nomes que ainda não disputaram eleições, acreditar que tantos outros, já veteranos, corrigirão suas posturas. De todas as formas, constata-se que a lista das boas opções não é grande, pois a vaidade toma conta dos corações dos candidatos e não deixa espaço para valores humanísticos, prevalecendo interesses partidários pouco nobres. O contexto brasileiro requer verdadeira conversão política. Isso exige que os candidatos não se limitem a apresentar-se apenas como ‘inocentes’ e ‘honestos’. Também são dispensáveis os discursos vazios, que objetivam passar falsa imagem ao eleitor. O desafio é reconhecer o autêntico sentido da política : lutar e contribuir para promover o bem comum.  

Ora, a finalidade da atividade política é o bem do Estado, nunca a sua depredação. A apropriação do erário por pequenos grupos e oligarquias, para o atendimento de interesses que são distantes dos anseios da coletividade, é inaceitável. A política deve se fundamentar na ordem moral e ter por objetivo a promoção do bem comum. Cada cidadão precisa trabalhar para que o universo político alinhe-se a essa perspectiva. Na Bíblia, o profeta Isaías evoca a imagem de um pano sujo para se referir ao que é podre e corrupto. Pode-se dizer que fizeram da política um ‘pano sujo’. E a tarefa de todos é recuperar o sentido genuíno do exercício do poder. Para isso, antes de observar interesses partidários ou princípios ideológicos, a consciência cidadã precisa enxergar e buscar o que promove o bem de todos.

Consciente do sentido genuíno da política, o eleitor será capaz de questionar aqueles que exercem o poder e os que desejam ser representantes do povo. Sem esse questionamento, não se pode esperar que ocorram as necessárias mudanças no país. A eleição de pessoas capazes de conduzir a sociedade rumo a novas direções depende, sobretudo, do compromisso cidadão de transformar o contexto político. Somente com o qualificado exercício da cidadania, será possível gerar os brotos de uma nova política. Nesse sentido, sejam combatidos discursos demagógicos, debates sem propostas, que se limitam ao ataque de concorrentes, procurando esconder as próprias limitações.

Gerar e cultivar o broto de uma nova política é contribuir para ultrapassar a velha dinâmica que prioriza a busca egoísta pela satisfação de interesses pessoais ou de pequenos grupos, a partir do sacrifício de muitos. É vencer processos com burocratizações estéreis que levam a perdas significativas e revelam a incapacidade para urgentes discernimentos. Mais importante : o passo primeiro para qualificar as instâncias do poder é reconhecer o real objetivo da política - estar a serviço da vida.

 Para ser autêntica, a política não pode ser identificada como conjunto de trapaças e outras atitudes que revelam mesquinhez. O bem comum precisa ser a meta de todos - eleitores e candidatos. O ano eleitoral convoca todos para redobrar a atenção e buscar, esperançosamente, os brotos da nova política. Não é tarefa fácil, mas ‘a esperança é a última que morre’. A esperança não pode morrer.’


Fonte :
* Artigo na íntegra http://domtotal.com/artigo/7603/2018/08/brotos-de-nova-politica/

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Humanismo ou terror?

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
 *Artigo de Ivanaldo Santos,
filósofo e doutor em estudos da linguagem pela UFRN


‘Em 1947 o filósofo francês Maurice Merleau-Ponty publicou o livro : Humanismo e terror. Nesse livro ele defende a tese que, ao contrário do que poderiam pensar os grupos sociais vencedores da II Guerra Mundial (1939-1945), o terror não se encontra preso a um país, a um partido político ou a uma estrutura de poder. Ele afirma que o regime nazista é um regime de terror, mas o terror na está apenas na Alemanha nazista, ele está diluído e presente em quase toda a sociedade ocidental. A cultura ocidental moderna, que fala do humanismo, que enfatiza um discurso humanístico, está cheia de estruturas de terror (o horror existente na cultura fabril, a violência cotidiana e, muitas vezes, sem consciência, etc) que, em muitos sentidos, se misturam ou são disfarçadas pelo humanismo. Por isso, segundo Merleau-Ponty, o ocidente pós-II Guerra Mundial viveria uma situação contraditória, onde o humanismo e o terror convivem lado a lado.

No início da segunda década do século XXI o Ocidente vive uma situação parecida com a que é descrita por Merleau-Ponty em Humanismo e terror. De um lado, fala-se em humanismo (humanizar a política, humanizar a saúde, etc) e, do outro lado, prolifera-se toda sorte de terror (violência do cotidiano, terrorismo, crescimento alarmante do número de refugiados, etc). Sendo que no atual momento histórico existe um agravante, parece que hoje não existe mais uma convivência, lado a lado, do humanismo com o terror, mas, ao que parece, temos um triunfo do terror. A questão contemporânea não é mais : ‘Humanismo e Terror’, mas sim a opção de escolha : ‘Humanismo ou Terror’.

O motivo dessa piora na situação, da gravidade do momento histórico atual, é que hoje em dia não existem mais discursos, ações, países e estruturas sociais que tenham um discurso humanizador que possa se impor diante do crescimento das ações de terror.

De um lado, os grupos e países que tradicionalmente defendem a liberdade e os direitos humanos estão passando por algum tipo de crise interna. Por exemplo, os EUA, que foram os grandes defensores da liberdade na primeira metade do século XX, estão perdidos em apoios duvidosos a países neo-autoritários, como, por exemplo, a Turquia e a Arábia Saudita. Do outro lado, muitos segmentos que, em um passado recente, defendiam a liberdade e a dignidade da pessoa humana, estão burocratizados, carregados com ideologias, cheios de disputas internas por poder e dinheiro. A consequência disso é que vemos segmentos que, historicamente defendem a liberdade e a ética, irem a público defenderem grupos que espalham o terror e a violência e até pedirem diálogo com o grupo terrorista Estado Islâmico (EI). Nesse contexto, as vítimas, a população civil, são esquecidas.

A sociedade contemporânea está paralisada, sem conseguir reagir à onda de terror que, de formas variadas, se alastra em escala internacional. O discurso humanístico está ficando fraco e chega, em alguns ambientes, até mesmo a perder o sentido. Em muitos lugares, a juventude não se empolga mais pelas campanhas em prol da paz, da sociedade do amor e da pregação feita pela Igreja e pelos místicos. Enquanto isso, essa mesma juventude se alegra com a pregação de ódio e de sangue feita por líderes terroristas.

Diante disso, para onde iremos? Será que os dias de desenvolvimento e de humanização, iniciados na Grécia antiga, perpassados pela pregação de Jesus Cristo e que atingiu a modernidade, chegaram finalmente ao fim? Será que a sociedade viverá um triunfo do terror e a morte do humanismo? Estamos diante do impasse : Humanismo ou Terror? É tempo das forças vivas da sociedade (a Igreja, grupos que lutam pela liberdade, etc) escolherem, mais uma vez, o humanismo e lutarem para tirar o ser humano do terror.’


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.zenit.org/pt/articles/humanismo-ou-terror
  

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Conflitos por minérios levam jesuítas ao Parlamento Europeu

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 

‘Os minerais são a principal causa dos conflitos no mundo. Segundo a ONU, 40% dos conflitos dos últimos 60 anos tem causas ligadas ao acesso aos recursos minerais como o ouro, os diamantes, mas também aos preciosos materiais com os quais se fabricam os nossos smarthphones.  Os jesuítas, também através da rede Jesuit European Social Centre, junto a organismos da sociedade civil e com o apoio de numerosos bispos, estão promovendo uma petição a ser apresentada no Parlamento Europeu até 18 de maio, data em que será votada em Estrasburgo uma normativa sobre o tema.

De fato, os conflitos envolvendo a disputa por recursos minerais vem sempre acompanhada por violações dos direitos humanos e aumento da pobreza. Estas verdadeiras chagas afligem países como a República Democrática do Congo, Zimbabwe, República Centro Africana, Myanmar e Colômbia, onde há um recrudescimento das problemáticas geradas pelas atividades minerais.

O objetivo da campanha dos jesuítas é buscar instrumentos eficazes para chamar as empresas à responsabilidade social que têm para com estes países, criar medidas legislativas sobre o tema e identificar e gerir os eventuais processos em risco. A coleta de assinaturas pela organização espanhola dos jesuítas ‘Alboab’ é um apelo à consciência humana, civil e social para que sejam tomadas legislativas rigorosas e taxativas em relação a esta problemática. As medidas aplicadas até hoje, revelaram-se ineficientes.

Um primeiro problema das minas diz respeito aos projetos implementados pelas multinacionais do setor extrativo, sem uma idônea avaliação do impacto a nível humano, social e ambiental. O segundo, de caráter político, diz respeito aos privilégios acordados com as empresas dos próprios países por falta de um monitoramento constante por parte dos órgãos internacionais sobre as respectivas responsabilidades. Assim, para exercer as atividades extrativas, inteiras comunidades são obrigadas a se transferir; ocorre poluição e exploração intensiva dos recursos hídricos, prejudicando o acesso das populações à água potável. Esta situação leva à conflitos cruentos dentro das comunidades. A falta de transparência sobre os métodos de concessão das minas, sobre as tratativas com os governos e no diálogo direto com as comunidades também é causa de conflitos entre as tribos.

Em 1996, após o conflito na República Democrática do Congo que provocou a morte de cinco milhões de pessoas, Wall Street aprovou algumas disposições que impuseram às empresas conhecer a origem dos minerais utilizados pelos produtos importados pelos Estados Unidos, devendo ser excluídos aqueles provenientes de áreas de conflito. Em 2012 foi aprovado nos EUA o ‘Dodd-Franck Act’, com o objetivo de bloquear o fluxo de recursos financeiros aos grupos armados que exploram o trabalho infantil e extorquem dinheiros dos mineradores da República Democrática do Congo.

Na Europa, por sua vez, a primeira ação concreta, mas insuficiente, ocorreu somente em 2013, com a previsão de um sistema voluntário de auto certificação para empresas siderúrgicas e as refinarias, chamadas a provar não terem nenhum vínculo com conflitos e evitar a alimentação dos mesmos. Um relatório do International Trade Committee (INTA), publicado em 14 de abril passado, revelou no entanto que somente 4% das empresas que importam minerais os fazem de forma responsável.

Neste interim, a rede europeia da Companhia de Jesus decidiu apoiar com força uma ação concreta, com o objetivo de aprovar uma normativa europeia que introduza um sistema de rastreamento da origem dos minerais adquiridos e utilizados pelas indústrias europeias. Outrossim, um apelo de 125 expoentes da igreja Católica de 37 países dos cinco continentes  foi enviado à União Europeia.’


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.news.va/pt/news/conflitos-por-minerios-levam-jesuitas-ao-parlament

sábado, 18 de abril de 2015

Aventuras do diálogo

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG

‘A referência ao diálogo como aventura, embora cause certo estranhamento, é algo a se considerar no estágio atual da situação sociopolítica, cultural e mesmo religiosa da sociedade brasileira. Cenários diversos revelam a dificuldade generalizada para se estabelecer diálogos. E o diálogo é condição sem a qual não se edifica a sociedade, particularmente a contemporânea, na sua constituição plural. Prejudica esse necessário processo de interação o enquadramento de pessoas e de situações que pode levar a arbitrariedades e a desrespeitos, criando, consequentemente, verdadeira anarquia.

As concepções monolíticas a respeito de situações plurais na política, na cultura e mesmo na vida religiosa provocam grande confusão. Evidentemente, é preciso observar certos parâmetros. Princípios éticos e valores inegociáveis devem sempre pautar as condutas. Porém, o diálogo só é exitoso quando se reconhece a pluralidade, compreendendo que ninguém é dono da verdade. O respeito ao outro e às diferenças são condições para se avançar em discernimentos e, assim, fazer escolhas acertadas, corrigir rumos e alcançar novas respostas. Só o diálogo e a capacidade de dialogar revelam e comprovam a envergadura moral e cidadã.

Uma das mais terríveis crises da sociedade brasileira é a generalizada incompetência para o diálogo entre instituições, grupos e pessoas. Para complicar esse quadro desafiador, aparecem os oportunistas e também aqueles que buscam travar as possibilidades do intercâmbio de ideias e opiniões. Prenúncio para radicalismos e outras perdas no necessário processo de se reconstruir a nação. Para superar a falta generalizada de diálogo, são necessários exercícios que alarguem corações e mentes, que iluminem visões capazes de contribuir para o enfrentamento dos muitos problemas que se abatem sobre a sociedade.

O Papa Francisco, na sua Exortação Apostólica Alegria do Evangelho, fala sobre a crise do compromisso comunitário. O enfrentamento desse problema, com respostas assertivas, é que pode permitir o revigoramento da cidadania, em vista de uma nação civilizada, estabelecida nos trilhos da igualdade social, da justiça e da participação de todos. A solução não é simples e demanda mais que análises de caráter sociológico ou político. É necessário ultrapassar a defesa egoísta dos próprios interesses, de pequenos grupos ou classes, para empreender esforços e garantir soluções que gerem benefícios para a coletividade.

Essa nova postura é que possibilita um processo de interpretação de fatos e de acontecimentos capaz de suscitar nos corações o desejo e a prática do diálogo. Urgente é considerar os rápidos processos de desumanização em curso, muitos deles até com consequências irreversíveis. Uma conta a ser paga no restante da história desta sociedade que acata e acelera esses processos.  Em vez de se defender interesses partidários ou de poucos, é preciso considerar os descompassos do mundo contemporâneo. Enormes avanços e conquistas, progressos científicos e inovações tecnológicas contracenam com a violência, a miséria e o medo.

É irracional aguçar a simples defesa de interesses particulares e não percorrer a circularidade existencial, exercício indispensável para conseguir ver a partir do lugar do outro, especialmente de quem é mais pobre. A sensibilidade necessária para enxergar além do que é particular constitui condição para abrir-se ao diálogo. Exercitar esse discernimento possibilita reconhecer que todos partilham a mesma estatura e merecem respeito.  Assim, é possível o diálogo, caminho para superar a mesquinhez e a indiferença que alimentam, entre outros males, o desarvorado desejo de se acumular dinheiro e poder, verdadeira porta para a corrupção.

Para promover a abertura ao diálogo, em todos os níveis, na sociedade brasileira, vale a pena começar por dizer ‘não’, como ressalta o Papa Francisco, conselheiro admirável, na Exortação Apostólica Alegria do Evangelho : Não a uma economia da exclusão, pela superação da globalização da indiferença; não à nova idolatria do dinheiro, pelo reconhecimento de que a crise econômica é, acima de tudo, antropológica, pois é desconsiderado o primado da pessoa humana; não à desigualdade vergonhosa, fonte de violência, pois é necessária uma profunda reforma que inclua mais simplicidade nos gestos de ricos, que precisam ajudar os pobres. É preciso reduzir distâncias, aproximar do outro, para que se possa construir um futuro melhor. Essa tarefa tem dinâmica própria, que desafia a sociedade brasileira a entrar nas aventuras do diálogo.


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=5006

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

São Francisco de Sales, Bispo e Doutor da Igreja

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

* Artigo de Bento XVI, Papa Emérito

Dieu est le Dieu du coeur human’ ou Deus é o Deus do coração humano (Tratado do Armor de Deus, I, XV) : nestas palavras aparentemente simples vemos a característica da espiritualidade de um grande mestre, do qual gostaria de vos falar hoje : São Francisco de Sales, bispo e doutor da Igreja. Nasceu em 1567, numa região francesa de fronteira, filho do senhor de Boisy, antiga e nobre família de Sabóia. Viveu entre dois séculos, XVI-XVII, e reuniu em si o melhor dos ensinamentos e das conquistas culturais do século que terminava, reconciliando a herança do humanismo com o impulso rumo ao absoluto, próprio das correntes místicas. A sua formação foi muito atenta; realizou os estudos superiores em Paris, dedicando-se também à teologia, e na Universidade de Pádua, fez os estudos de jurisprudencia, como desejava o pai, concluindo-os de modo brilhante, com uma licenciatura in utroque iure, direito canonico e direito civil. Na sua juventude harmoniosa, ponderando sobre o pensamento dos santos Agostinho e Tomás de Aquino, teve uma crise profunda que o levou a interrogar-se sobre a propria salvação eterna e acerca da predestinação de Deus no que se lhe referia, padecendo como verdadeiro drama espiritual as principais questões teológicas da sua época. Rezava intensamente, mas a dúvida atormentou-o de maneira tão forte que durante algumas semanas praticamente não conseguiu comer nem dormir. No ápice da provação foi à Igreja dos Dominicanos, em Paris, abriu o seu coração e orou assim : ‘Aconteça o que acontecer, Senhor, Vós que tendes tudo nas vossas mãos, e cujos caminhos são justiça e verdade; independentemente do que tiverdes estabelecido a meu propósito...; Vós que sois sempre Juiz justo e Pai misericordioso, amar-vos-ei, ó Senhor (...) amar-vos-ei aqui, ó meu Deus, e esperarei sempre na Vossa misericórdia, e repetirei sempre o Vosso louvor...Ó Senhor Jesus, Vós sereis sempre a minha esperança e a minha salvação, na terra dos vivos’ (I Proc. Canon., vol, I, art. 4). Francisco, então, com vinte anos, encontrou a paz na realidade radical e libertadora do amor de Deus : amá-Lo sem anda pedir em troca, confiando no amor divino; já não perguntar o que Deus fará de mim : amo-O simples e independentemente de quanto Ele me concede ou não. Assim encontrou a paz, e a questão da predestinação – sobre a qual se debatia naquela época – tinha sido resolvida, porque ele não buscava mais do que podia receber de Deus; amava-O simplesmente, abandonando-se à Sua bondade. E este será o segredo da sua vida, que transparecerá na sua obra principal : o Tratado do amor de Deus.

Vencendo as resistencias do pai, Francisco seguiu o chamamento do Senhor e no dia 18 de dezembro e 1593, foi ordenado sacerdote. Em 1602 tornou-se bispo de Genebra, num período em que a cidade era uma fortaleza do Calvinismo, a tal ponto que a sede espiscopal se encontrava ‘no exílio’, em Annecy. Pastor de uma diocese pobre e atormentada, na paisagem montanhosa da qual conhecia bem tanto a dureza como a beleza, ele escreve : ‘Encontrei-O (Deus) repleto de candor e suavidade, no meio das nossas montanhas mais altas e íngremes, onde muitas almas simples O amavam e adoravam com toda a verdade e sinceridade; cabritos-monteses e corças corriam aqui e ali, no meio de geleiras assustadoreas, para anunciar os seus louvores’ (Carta à Madre de Chantal, outubro de 1606, em Oeuvres, Ed. Mackey, T.XIII, p.223). e  no entanto, a influencia da sua vida e do seu ensinamento na Europa dessa época e dos séculos seguintes parece imensa. É apóstolo, pregador, escritor, homem de ação e oração; comprometido na realização dos ideais do Concílio de Trento; empenhado na controvérsia e no diálogo com os protestantes, experimentando cada vez mais, para além do necessário confronto teológico, a eficácia da relação pessoal e da caridade; encarregado de missões diplomáticas a nível europeu e de tarefas sociais de mediação e de reconciliação. Mas sobretudo, São Francisco de Sales é guia de almas : do encontro com uma jovem, a senhora de Charmoisy, encontrará inspiração para escrever um dos livros mais lidos da era moderna, a Introdução à vida devota; da sua profunda comunhão espiritual com uma personalidade extraordinária, Santa Joana Francisca de Chantal, nascerá uma nova família religiosa, a Ordem da Visitação, caracterizada – como o santo desejava – por uma consagração total a Deus, vivida na simplicidade e na humildade, a cumprir extraordinariamente bem as tarefas ordinárias : ‘(...) quero que as minhas Filhas’- escreve – ‘não tenham outro ideal, a não ser o de glorificar (Nosso Senhor) com a sua humildade’ (Carta a mons. Morquemond, junho de 1615). Faleceu em 1622, com cinquenta e cinco anos de idade, depois de uma exitencia marcada pela dureza dos tempos e da obra apostólica.

A vida de São Francisco de Sales foi relativamente breve, mas vivida com grande intensidade. Da figura deste santo emana uma impressão de rara plenitude, demonstrada na tranquilidade da sua investigação intelectual, mas também na riqueza dos seus afetos, na ‘docilidade’ dos seus ensinamentos, que tiveram uma grande influencia sobre a consciencia cristã. Da palavra ‘humanidade’ ele encarnou várias acepções que, tanto hoje como ontem, este termo pode adquirir : cultura e cortesia, liberdade e ternura, nobreza e solidariedade. No aspecto tinha algo da majestosidade da paisagem em que viveu, conservando também a sua simplicidade e naturalidade. As antigas palavras e imagens com que se expressava ressoam inesperadamente, até aos ouvidos do homem contemporaneo, como uma língua nativa e familiar.

Na Filotea, destinatária ideal da sua Introdução à vida devota (1607), Francisco de Sales dirige um convite que, nessa época, podia parecer revolucionário. Trata-se do convite a pertencer completamente a Deus, vivendo em plenitude a presença no mundo e as tarefas da sua condição. ‘A minha intenção é de instruir aqueles que vivem nas cidades, no estado conjugal, na corte (...)’ (Prefácio da Introdução à vida devota). O documento com que o Papa Pio IX, mais de dois séculos depois, o proclamará doutor da Igreja, insistirá sobre esta ampliação da chamada à perfeição, à santidade. Nele está escrito : ‘(A verdadeira piedade) chegou a penetrar até no trono dos reis, na tenda dos chefe dos exércitos, no pretório dos juízes, nos escritórios, nas oficinas e nas cabanas dos pastores (...)’ (Breve Dives in misericordia, 16 de novembro de 1877). Assim nascia aquele apelo aos leigos, o cuidado pela consagração das realidades temporais e pela santificação da vida diária, sobre o qual insistirão depois o Concílio Vaticano II e a espiritualidade do nosso tempo. Manifestava-se o ideal de uma humanidade reconciliada, na sintonia entre ação no mundo e oração, entre condição secular e busca da perfeição, com a ajuda da Graça de Deus, que permeia o humano e, sem o destruir, o purifica, elevando-os às alturas divinas. A Teótimo, o cristão adulto, epiritualmente maduro, ao qual dirige alguns anos depois o seu Tratado do amor de Deus (1616), São Francisco de Sales oferece uma lição mais complexa. Ela supõe, no início, uma visão específica do ser humano, uma antropologia : a ‘razão’ do homem, aliás, a sua ‘alma razoável’, é aí vista como uma construção harmoniosa, um templo subdividido em vários espaços, ao redor de um centro ao qual ele chama, juntamente com os grandes místicos, ‘cimo’, ‘ponta’ do espírito, ou ‘fundo’ das fases, ‘fecha os olhos’ e o conhecimento se torna um só com o amor (cf. liv I, cap. XII). Que o amor, na sua dimensão teologal e divina seja a razão de ser de todas as realidades, numa escada ascendente que não parece conhecer fraturas nem abismos, São Francisco de Sales resumiu-o nesta frase célebre : ‘O homem é a perfeição do universo; o espírito é a perfeição do homem; o amor é a do espírito, e a caridade a do amor’ (Ibidem, liv. X, cap. I).  No Tratado do nosso santo encontramos uma meditação profunda sobre a vontade humana e a descrição do seu fluir, passar e morrer para viver (cf. Ibidem, liv. IX, cap. XIII) no abandono completo não apenas à vontade de Deus, mas àquilo que é do seu agrado, ao seu bon plaisir, ao seu beneplácito (cf. Ibidem, liv. IX, cap. I). No ápice da união com Deus, além dos arrebatamentos da êxtase contemplativa, coloca-se aquele fluxo de caridade concreta, que se faz atenta a todas as necessidades do próximo, à qual ele chama ‘êxtase da vida e das obras’ (Ibidem, liv III, cap. VI).

Lendo o livro sobre o amor de Deus e ainda mais as numerosas cartas de guia e de amizade espiritual, compreende-se bem como São Francisco de Sales foi um grande conhecedor do coração humano. A Santa Joana de Chantal, a quem escreve : ‘(...) eis a regra da nossa obediencia, que te escrevo com caracteres grandes : fazer tudo por amor, nada por força – amar mais a obediencia do que temer a desobediencia. Deixo-te o espírito de liberdade, não aquele que exclui a obediencia, porque ela é a liberdade do mundo; mas aquele que exclui a violencia, a ansiedade e o escrúpulo’ (Carta, 14 de outubro de 1604). Não é por acaso que, na origem de muitas formas da pedagogia e da espiritualidade do nosso tempo, encontramos precisamente o vestígio deste mestre, sem o qual não teriam existido São João Bosco nem o heróico ‘pequeno caminho’ de Santa Teresa de Lisieux.


Caros irmãos e irmãs, num período como o nosso, que procura a liberdade, mesmo com violencia e inquietação, não deve passar despercebida a atualidade deste grande mestre de espiritualidade e de paz, que transmite aos seus discípulos o ‘espírito de liberdade’, aquela verdadeira, no ápice de um ensinamento fascinante e completo sobre a realidade do amor. São Francisco de Sales é uma testemunha exemplar do humanismo cristão; com o seu estilo familiar, com parábolas que às vezes teem as asas da poesia, recorda que o homem traz inscrita no profundo de si mesmo a saudade de Deus, e que somente n’Ele encontra a alegria autêntica e a sua realização mais completa.

(02 de março de 2011)


Fonte :
* Bento XVI, Santos e Doutores da Igreja (catequeses condensadas), Lisboa, Paulus Editora, 2012.