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terça-feira, 3 de outubro de 2023

As variedades no monaquismo eremítico

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Vanderlei de Lima, 

eremita na Diocese de Amparo, BA


‘Iniciamos este artigo com uma afirmação do Pe. Dr. Jesús Hortal, SJ, ao comentar o cânon 603 do Código de Direito Canônico a regular a consagração puramente eremítica na Igreja. Diz o sábio canonista : ‘A vida eremítica foi o primeiro tipo de vida consagrada masculina, muito florescente a partir do último terço do século III’.

Entre os eremitas eram mais ou menos comuns cinco pontos : o silêncio, a oração, o trabalho manual (faziam cestas, esteiras, cordames etc.), a hospitalidade para com algum peregrino ou candidato à vida eremítica e a consulta dos mais jovens a monges experientes nos caminhos do deserto a fim de saberem se estavam trilhando bem a via da ascese. Esses monges mais velhos eram chamados de Abba (= Pai), pois sempre tinham algo a ensinar aos seus filhos espirituais, pela palavra e pelo exemplo da própria vida penitente que levavam.

No entanto, o modo de ser eremita variava muito a ponto de cada um escolher uma forma de vida que mais lhe parecia agradar a Deus e servir de penitência pelos próprios pecados e pelos males do mundo. Assim, se sobressaíram os estilitas, os reclusos, os pascolantes ou herbívoros, os sarabaítas, os dendritas e os adamitas.

Os estilitas seguiam o exemplo de São Simeão, o Estilita, cognome dado pelo modo como vivia. Habitou por 30 anos no topo de uma coluna de 40 cúbitos de altura. De lá, exercia a direção espiritual de homens e mulheres recém-chegados ao deserto e socorria os necessitados como podia. Despertou, com isso, muitos seguidores. Junto a esses existiam os reclusos, religiosos que ficavam por muitos e muitos anos, outros até a morte, fechados voluntariamente numa cela estreita por eles mesmos construída. Foram deveras estimados pelas pessoas que com eles contatavam e suscitavam discípulos desejosos de uma vida mais santa entregue só a Deus.

Ficaram também conhecidos, nesse período, os pascolantes ou herbívoros, pois, a partir de seus eremitérios, saíam pelos campos a fim de colher ervas para se alimentarem só delas. Havia ainda os giróvagos que, como o nome diz, perambulavam de mosteiro em mosteiro, ficando neles como hóspedes por três ou quatro dias participando da comunidade em que faziam suas estadias, e os sarabaítas a viverem em grupos de dois ou três em celas distintas, mas sem superior nem Regra. São Bento, na sua Regra, capítulo 1,6-12, condena esses dois últimos tipos de monges. Além desses existiam, embora em menor número, os dendritas, que moravam em árvores, e os adamitas, assim chamados por usarem a roupa até que ela se acabasse. Imitavam Adão, antes do pecado original (cf. Gn 2,25) (cf. Dom E. Bettencourt, OSB. História da Igreja. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 2012, p. 126, J. Comby. Para ler a história da Igreja I: das origens ao século XV. São Paulo: Loyola, 1993, p. 85).

Como se vê, esse tipo de vida – em si muito belo, louvável e santo – poderia levar alguns deles, mais dados à fantasia do que à razão, a caírem em deslizes, inclusive doutrinários; por isso, São Basílio, Bispo de Cesareia (330-379), reagiu contra os desvios na forma de se praticar o eremitismo. Ele aconselhava os monges a viverem em comunidade; encorajava-os a empreenderem um trabalho intelectual e a favor dos pobres. O ideal do cenobita é a primitiva comunidade de Jerusalém (cf. At 2,42-47), na qual devem conviver em obediência a um superior. Este não faz mais do que interpretar e aplicar à vida diária a regra suprema que é o Evangelho.

Notamos aqui que o eremitismo, fortíssimo nos séculos IV e V, especialmente no Egito, na Síria e na Palestina, começou a perder, por razões práticas, terreno para a vida cenobítica, ou em comunidade, mas nunca deixou de existir na Igreja e se acha, como dito, regulamentada no Código de Direito Canônico de 1983, cânon 603. ‘Aí não se leva, como se vê na Regra de São Bento 2,3-5 a recomendar que se viva vida cenobítica antes de se tornar eremita’, como muito bem notou Dom Orani Tempesta, O. Cist. (O Papa e a intercessão pela evangelização, 02/05/2023, on-line). Basta, portanto, a decisão do bispo diocesano de acolher, em sua diocese, segundo critérios próprios, um(a) eremita.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/2023/10/01/as-variedades-no-monaquismo-eremitico/

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

O que é um eremita?

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 *Artigo de Vanderlei de Lima, 

eremita na Diocese de Amparo, BA


‘A palavra eremita vem do Latim eremus (= deserto) e designa, originalmente, aquele que se retirava para o deserto a fim de lá viver entregue a Deus na oração, no silêncio e na solidão. É considerado o primeiro tipo de vida consagrada masculina na Igreja. Depois, também mulheres o abraçaram.

Dois tipos 

Podemos distinguir, para efeito de legislação canônica, dois tipos de eremitas: os ligados a uma Associação ou Instituto reconhecido pela autoridade eclesiástica competente, com sua Regra de vida própria, e os autônomos, regidos pelo cânon 603 do Código de Direito Canônico, de 1983.

Os ligados a uma Associação ou Instituto aprovado pela Igreja vivem de modo isolado, mas emitem seus votos (ato canônico juridicamente válido) aos superiores da instituição que entraram. Os chamados autônomos, por não estarem ligados a uma instituição que abriga esse tipo de vida, fazem seu compromisso (votos ou algo equivalente) nas mãos do Bispo Diocesano e seguem suas diretrizes. Diga-se que tanto uma como outra modalidade de eremitismo não deve ser vista como fuga da realidade (o que não seria sadio), mas, sim, como entrega a Deus em favor dos (as) irmãos(ãs).

Consagrado

O eremita é um consagrado (monge) que faz a profissão dos chamados conselhos evangélicos de pobrezacastidade e obediência ligando-se, assim, à vida de santidade da Igreja (cf. Lumen Gentium, n. 44).

Em comentário, notamos que esses três votos clássicos da consagração se opõem aos três obstáculos de santificação apresentados na Sagrada Escritura. Com efeito, diz São João : ‘O que há no mundo – a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida – não vem de Deus’ (1Jo 2,16). Ora, é a essa tríplice concupiscência que a Igreja oferece seus remédios eficazes : à concupiscência da carne, o voto de castidade; à concupiscência dos olhos, o voto de pobreza e à concupiscência da soberba da vida, o voto de obediência.

Estilo de vida

Isso posto, pergunta-se : como vive um eremita? – Vive na busca de perfeição a que todos os cristãos somos chamados (cf. Mt 5,48) por meio da oração pública da Igreja – a Santa Missa e a Liturgia das Horas distribuída nos vários momentos do dia – bem como da oração particular do fiel : o Rosário, a Meditação da Sagrada Escritura entre outras tantas formas de preces a Deus em favor dos necessitados (pobres, idosos, doentes, perseguidos etc.). Busca, ainda, na caridade, atender aos pedidos de orações ou de conselhos que lhe chega. Também estuda, trabalha e se exercita na sadia caridade pastoral.

No campo material, sustenta-se, dentro da simplicidade, com o que a Divina Providência lhe concede pelos frutos de um trabalho condizente com seu estado de vida e por meio das doações de todos aqueles que reconhecem nessa modalidade de viver um grande bem para a Igreja e para a Humanidade inteira. Afinal, a oração é a alma da alma.

É um modelo belo de seguimento a Cristo mais de perto e está aberto a homens e mulheres de todos os tempos e lugares.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://pt.aleteia.org/2021/10/03/que-e-um-eremita/

terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Eremita de Charles de Foucauld


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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*Artigo de Vanderlei de Lima, 
eremita na Diocese de Amparo


‘Este artigo trata, em suas peculiaridades, do eremita de Charles de Foucauld à luz da tradição católica e do Código de Direito Canônico atual.

A palavra eremita vem do latim eremus (= deserto) e designa, originalmente, aquele que se retirava para o deserto a fim de lá viver entregue a Deus na oração, no silêncio e na solidão. É considerado o primeiro tipo de vida consagrada masculina na Igreja. Depois, também mulheres o abraçaram. Podemos distinguir, para efeito de legislação canônica, dois tipos de eremitas : os ligados a uma Associação ou Instituto reconhecido pela autoridade eclesiástica competente, com sua Regra de vida própria, e os autônomos, regidos pelo cânon 603 do Código de Direito Canônico, de 1983. Tanto uma como outra modalidade de eremitismo não devem ser vistas como fuga da realidade (o que não seria sadio), mas, sim, como entrega a Deus em favor dos(as) irmãos(ãs). 

Ora, o eremita de Charles de Foucauld segue o modelo de vida desse homem de Deus que viveu, no Saara, nos fins do século XIX e início do XX. Nasceu ele, em Estrasburgo, na França, no dia 15 de setembro de 1858, e morreu assassinado por um adolescente, no dia 1º de dezembro de 1916, em Tamanrasset, região do Saara, na Argélia. Sua beatificação se deu, no dia 13 de novembro de 2005, em Roma. Pode-se dizer que foi um contemplativo, intelectual e atento aos grandes problemas de seu tempo. Este último ponto causa estranheza, pois o distingue da ampla maioria dos demais eremitas. Todavia, escreve o Papa Francisco na Gaudete et exsultate, de 19/03/2018, n. 26 : ‘Não é saudável amar o silêncio e esquivar-se do encontro com o outro, desejar o repouso e rejeitar a atividade, buscar a oração e menosprezar o serviço. Tudo pode ser recebido e integrado como parte da própria vida neste mundo, entrando a fazer parte do caminho de santificação. Somos chamados a viver a contemplação mesmo no meio da ação, e santificamo-nos no exercício responsável e generoso da nossa missão’.

Charles de Foucauld foi contemplativo. Afastado das turbulências, alimentava-se da Palavra de Deus e da Eucaristia. Rezava, diariamente, o Ofício Divino (Liturgia das Horas), o Rosário e o Angelus. Passava horas, em adoração, diante do Santíssimo Sacramento e nutria grande devoção à Encarnação e ao Sagrado Coração de Jesus, cujo símbolo trazia no hábito. Era respeitado geógrafo, linguista, antropólogo, teólogo, escritor e tradutor. Sua obra Reconnaissance au Maroc, em francês, o fez ganhador da medalha de ouro da Sociedade Geográfica de Paris, em 1885, quando tinha apenas 27 anos. Contudo, estava atento aos grandes problemas de seu tempo. ‘Frequentemente, recebo de 60 a 100 visitas por dia, se não todos os dias’ (Irmãzinha Annie de Jesus. Charles de Foucauld : nos passos de Jesus de Nazaré. São Paulo : Cidade Nova, 2004, p. 59). Denunciou – mesmo correndo sério risco de vida – a escravidão em nome da dignidade humana. ‘Quando um governo deste mundo comete uma injustiça grave contra seres humanos pelos quais, em certa medida somos responsáveis […], é preciso dizê-lo a ele, pois representamos na terra a justiça e a verdade, e não temos o direito de bancar as ‘sentinelas adormecidas’, de ser ‘cães mudos’ ou ‘pastores indiferentes’’ (Jean-Francois Six. Charles de Foucauld : o irmãozinho de Jesus. São Paulo : Paulinas, 2008, p. 69).

Ainda : quando a região de Tamanrasset tornou-se perigosa devido às ameaças dos tripolitanos aos tuaregues, Foucauld, com a ajuda de mais sete pessoas, construiu um Forte, o ‘Forte-eremitério’, e em seu interior mantinha armamentos capazes de ajudar os tuaregues a se defenderem. Ele próprio é quem declara : ‘Eu transformei meu eremitério em um pequeno forte. […] Foram-me entregues seis caixas de cartuchos e trinta carabinas que me fazem lembrar a juventude’ (idem, p. 117).

O (a) eremita de Charles de Foucauld, fiel ao ideal de seu inspirador, sem deixar a contemplação, entrega-se, portanto, modestamente, também à ação concreta do anúncio e da denúncia, segundo os meios lícitos de que dispõe. Isso incomoda a alguns, mas tem de ser feito. Afinal, é Cristo quem padece nos que sofrem (cf. Mt 25,31-46).


Fonte :

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

A razão de ser dos contemplativos

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Vanderlei de Lima, 
eremita na Diocese de Amparo


‘Há quem compreenda, sob certo ponto, que um homem ou uma mulher seja membro de um Instituto religioso a atuar em trabalhos pastorais, mas não entende como alguém possa levar uma vida plenamente contemplativa : a sós ou em comunidade.
Eis, pois, a necessidade deste artigo : demonstrar a razão de ser dos religiosos (homens e mulheres) contemplativos à Igreja e à humanidade inteira.

Escreve um monge cartuxo – Ordem fundada por S. Bruno, em 1084, na França, para uma vida completamente afastada do mundo –, que : ‘A missão dos contemplativos é ser no meio do mundo ‘o olhar atento’ da humanidade concentrado em Deus; serem os que permanecem na presença de Deus, por aqueles que jamais se põem na Sua presença; serem os delegados da humanidade esquecida de Deus, para Lhe apresentar o amor, a adoração, as lágrimas e os pecados de todo o mundo; serem, enfim, os que deixam o mundo e as suas vaidades para procurar Deus e dedicar-se totalmente a Ele’.

E continua : ‘Portanto, não é o egoísmo, o desprezo dos valores humanos nem a covardia o que inspira essa renúncia e procura. Se o contemplativo deixa tudo, é com o intuito e o desejo de entrar plenamente na esfera e na órbita de Deus, amado e procurado sobre todas as coisas’ (A vida cartusiana. Ivorá : Mosteiro Nossa Senhora. Medianeira, s/d, p. 3). Ora, é nessa esfera de Deus que o contemplativo eleva ao Senhor as dores e angústias da humanidade inteira rezando por elas, seja de modo voluntário, seja atendendo aos numerosos pedidos de orações que lhe chegam diariamente.

Isso posto, pergunta-se : qual é a espiritualidade básica a mover um eremita (solitário) de Charles de Foucauld (1858-1916)? – É a da vida de Nazaré, tempo no qual o Senhor Jesus passou, dos 12 aos 30 anos, oculto ao mundo.

Todavia, também aprende esse mesmo eremita, a exemplo do Bem-aventurado Foucauld, a não ser um completo isolado, mas, sim, a gritar, com alegria, ao mundo a beleza do Evangelho com o exemplo da própria vida, em primeiro lugar, e com alguns apostolados condizentes com o seu modo de viver : catequese semanal, conversas com pessoas necessitadas, pessoalmente ou via meios eletrônicos, entre outras coisas. Aliás, Foucauld chegava a atender, em seu eremitério, 56 pessoas por dia e não queria que fosse deixada de lado a caridade para com o próximo em momento algum.

Questiona-se, contudo, o que reza um eremita de Charles de Foucauld? – Eis a resposta : às 5h00, reza o Ofício de Leituras (também chamado de Vigílias), depois Laudes (Louvores) e a saudação mariana do Angelus (O Anjo do Senhor anunciou a Maria etc.). Faz, na sequência, a Lectio Divina (Leitura orante da Bíblia) por 1 hora, seguida da Consagração do dia ao Sagrado Coração de Jesus e ao Imaculado Coração de Maria, além da Oração do Abandono ou de entrega incondicional nas mãos de Deus.

Logo depois, participa (ou celebra, se for sacerdote) a Santa Missa por volta das 7 horas. Volta a rezar, ainda, às 9h o Ofício de Terça (a vinda do Espírito Santo sobre Nossa Senhora e os apóstolos, At 2,15); às 11h40, o Ofício de Sexta (Início da agonia de Jesus, Mt 27,45), novamente o Angelus e o Rosário. Às 15h reza-se o Ofício de Noa (a morte do Senhor Jesus na Cruz, Mt 27,45) e o Terço da Misericórdia. Novamente, às 17h30, se volta para o Ofício de Vésperas (dá graças a Deus pelo dia e recorda a Ceia do Senhor ocorrida em tempo vespertino, bem como o Juízo Final, arremate da História, Jo 8,12). Novamente se reza o Angelus. À noite, há o Ofício de Completas que, como o próprio nome diz, encerra o dia com a entrega da vida a Deus (cf. Lc 2,29-32), uma Leitura Espiritual (a vida de um santo, um livro de piedade etc.) e o grande silêncio noturno até a manhã seguinte.

Certo é que esse tempo dedicado à oração está entrecortado pelo trabalho manual (manutenção da casa, preparo da alimentação), intelectual (estudos) e pastoral (atender a pessoas que necessitam, especialmente via e-mail). Tudo em louvor a Deus.

Fonte :