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domingo, 4 de dezembro de 2022

Advento: tempo para cuidar das raízes

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo d0 Padre Adroaldo Palaoro, SJ

 

Sentimos indignação quando alguém corta uma árvore e deixa desnudo uma cepa do velho tronco com suas raízes ainda fundadas na terra. Estava já velha, dizem alguns. Era um perigo, comentam outros. Só ocupava lugar, exclamam mais alguns. Todos apresentam justificativas para eliminá-la e jogá-la abaixo. Todos têm razão quando se trata de eliminar o que é visto como inútil ou velho.

No entanto, quando acreditavam que o velho tronco estava condenado a desaparecer, se esqueceram que ainda não tinham arrancado suas raízes. Subitamente, quando menos esperavam, viram como novos rebentos brotavam no tronco velho. O tronco estava para ser cortado, mas as raízes ainda tinham vida. E enquanto há vida nas raízes, a vida é possível. ‘Do velho tronco de Jessé, brotará o rebento que é Jesus’. A vida é mais forte que a velhice; a vida é mais forte que o robusto tronco; a vida sempre triunfa sobre aquilo que consideramos inútil, estorvo ou perigo.

O problema que nos aflige hoje, talvez, não seja tanto referente aos troncos, mas um problema de raízes. Há demasiadas vidas sem raízes profundas; há demasiadas instituições carentes de raízes, que terminam sendo instituições vazias; há demasiadas vocações sem raízes profundas, que nascem de ideais mais emotivos que evangélicos; há demasiadas decisões sem raízes, porque são tomadas em um momento emocional, mas sem terra que as sustente; há demasiadas convicções ideológicas sem raízes...

Por isso são vidas que morrem facilmente; morrem com a facilidade com a qual morrem os sentimentos que as sustentavam. Suas raízes estão tão na superfície da terra que acabam morrendo antes que o tronco.

Cultivamos os ramos com muito esmero, mas nos esquecemos das raízes. Cultivamos muito o tronco, mas não alimentamos as raízes; cultivamos muito a aparência, mas não nos preocupamos em colocar água nas silenciosas raízes que não se veem.

Quando as raízes têm vida, pode ser que alguns ramos se sequem, mas ainda permanecem outros suficientes para embelezar a árvore. Quando as raízes têm vida, podemos encontrar dificuldades no caminho, mas a vida é mais forte que os obstáculos. Quando as raízes têm vida, podemos passar por momentos de prova, mas a vida que sobe pelo tronco é mais forte. Com frequência, passamos a maior parte do tempo regando os ramos enquanto as raízes morrem de sede. 

O evangelho deste domingo nos revela que João Batista é o broto novo no velho tronco. No velho ‘tronco’ de ontem (1º. Testamento), ‘vem a palavra de Deus sobre João, filho de Zacarias, no deserto’. João não é do AT. Tampouco do NT. Ele é a travessia, a ponte, o broto novo. Ele é o anúncio do novo que está prestes a brotar. O AT é um velho tronco que já não dá fruto, mas em suas raízes ainda permanece uma Vida que no NT será revitalizada.

Porque o que Deus semeou durante séculos são sementes de Vida. Desaparecerá o tronco, mas suas raízes ainda têm vida. 

João é o novo rebento que anunciará a nova Árvore e a nova Vida. E ele mesmo começa por lançar água nas velhas raízes, anunciando a conversão do coração. Cultivar as raízes é fazer que, até os velhos troncos renunciem a morrer, mesmo que os cortemos, pois a vida das raízes encontrará novos brotos para continuar crescendo e vivendo. Serão vidas novas; serão troncos novos.

O tempo litúrgico do Advento se revela como um momento privilegiado que nos motiva a ‘descer’ em direção às nossas raízes interiores, para ativá-las, cultivá-las e evangelizá-las. Nosso contexto social-político-religioso está saturado das ‘palhas’ da aparência e da superficialidade, gerando o veneno do ódio, da intolerância e da violência contra quem ‘pensa-sente-ama’ de maneira diferente. É preciso levar as águas vivas do evangelho às profundezas do coração.

Nesse sentido, Advento nos revela um componente de expansão, que alarga nosso ser, que nos dinamiza e nos eleva, ao mesmo tempo que é experiência radical daquilo que é mais humano em cada um. A partir das ‘raízes interiores’ o Advento ilumina e dá sentido ao nosso modo de ser e viver; ao abarcar toda a vida, alcança também a nossa ação transformadora no mundo.

Espiritualidade do Advento é a força vital que sacode nosso mundo interior, alimenta nossas raízes e faz surgir novos brotos que se visibilizam na nossa maneira original e inspirada de ser e viver no mundo de hoje. Tal força regenerativa procede do Espírito Santo de Deus, que nutre e aquece nossa vida. 

Compreendemos, então, que espiritualidade não tem a ver com práticas piedosas alienadas e autocentradas; é uma experiência que deve ter raízes no coração, precisa de interioridade. Se não tem interioridade, não tem sonhos nem criatividade. No interior de cada um existe uma riqueza acumulada que procura se expressar (sentimentos, atitudes e valores, crenças, motivações, intuições...). O nível profundo é o nível da Graça, da gratuidade, da abundância... onde a pessoa mergulha no silêncio à escuta de todo seu ser.

O Evangelho de Mateus nos apresenta João Batista clamando por conversão, ‘porque o reinado de Deus está próximo’. 

João contempla a realidade de seu povo e sente o impacto da violência e exclusão que tanto o poder religioso como o civil impunham a todos. Sua mensagem se concentra neste grito : ‘Preparai o caminho do Senhor, endireitar suas veredas!’ Também o Papa Francisco grita a mesma mensagem aos cristãos de hoje e nos lança uma pergunta : ‘Estamos decididos a percorrer os caminhos novos que a novidade de Deus nos apresenta ou nos entrincheiramos em estruturas caducas, que perderam a capacidade de resposta?’.

Advento nos mobiliza a ‘descer’ ao chão da vida para cultivar e cuidar do nosso ser essencial com o mesmo cuidado que tem o camponês quando trabalha a terra e a plantação. Apenas aquelas pessoas que se mantêm próximas ao chão, às raízes da vida, conseguem manter também esta postura totalmente radical, a ‘humilitas’ que vem de húmus, o chão escuro, úmido e fértil da terra.

Somos Advento, ou seja, pessoas ‘radicais’, que vivem a partir das raízes. 

Radicalidade’ significa, portanto, ser suportado, carregado e alimentado por uma raiz que está plantada fundo no chão. É como uma árvore que se apoia, se sustenta e se alimenta das suas raízes. Radical é aquele que vive perto da raiz, que se alimenta da raiz, que toma as coisas pela raiz, pelo fundamento.

O sentido que ‘radicalidade’ transmite é esta proximidade do chão, este estar plantado no chão da vida ou estar enraizado na terra, na realidade. Quando dizemos que os homens e as mulheres do Advento costumam ser radicais, queremos mencionar, em primeiro lugar, esta proximidade da terra e do húmus, esse enraizamento profundo que alimenta a vida, que sustenta o tronco e a copa da árvore em todo e qualquer tempo, dando-lhes firmeza e consistência.

Texto bíblico :  Mt 3,1-12

Na oração : Sou pessoa de ‘raiz’ ou me deixo determinar pela superficialidade, aparência? Posso dizer que minha vida está enraizada na pessoa de Jesus e na causa do Reino?

- João foi o oposto da sociedade de seu tempo; ou seja, não se encaixou comodamente à maneira de ser e de pensar de seus contemporâneos. Como eu me comporto no ambiente em que vivo? Há algo de anúncio-denúncia em minha maneira de ser e viver? Minha presença na realidade cotidiana é inspiradora? Faz a diferença?....

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticias/?id=1595223

domingo, 5 de abril de 2020

O preço da felicidade

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)


President Trump's National Day of Prayer Proclamation for all ...
*Artigo de Susana Vilas Boas, LMC


‘O amor é a fonte da nossa existência : nele somos criados e nele queremos crescer e existir. Não conseguimos, por isso mesmo, pensar a felicidade sem amor. Uma coisa parece estar ligada diretamente à outra, sendo inconcebível a ideia de separá-las. No entanto, a descoberta e vivência do amor nem sempre é fácil. Basta vermos, por exemplo, o amor inquestionável que temos aos nossos pais (e eles a nós) e, ainda assim, quantas vezes os fazemos sofrer, quantas vezes eles nos fazem sofrer a nós! Alerta o Papa Francisco para o fato de o amor, como a felicidade, não ser algo estático. Ao contrário, o amor é dinâmico – obriga a uma ação –, não está estagnado, e, consequentemente, «o amor que se dá e age, muitas vezes erra. Aquele que atua, aquele que arrisca, frequentemente comete erros» (Cristo Vive, n.º 198).

O mesmo se passa com o discernimento/ /descoberta vocacional. A vocação que nos realiza plenamente (aquela única que nos pode fazer felizes) também não está estagnada e, por isso, o caminho vocacional corre o risco de ter tropeços, de ter alguns erros de percurso, mas isso não significa que devamos desanimar. Ao contrário, a vida tem de ser vivida e a felicidade não pode ser evitada ou bloqueada pelo medo de errar! A vocação, como o amor, é sempre fecunda. Ela é sempre geradora de vida! Assim, há que ousar vivê-la, custe o que custar.

Os pés bem assentes na terra

O preço da felicidade começa a ser pago quando nos obrigamos a pensar a vocação (a própria felicidade) com os pés assentes na terra. Andar atrás de borboletas – a flutuar em ilusões, em desejos virtuais de uma felicidade sem esforço – não leva a lugar nenhum (é apenas perda de tempo!). É preciso ter a maturidade de pensar uma felicidade concretizável e verdadeiramente fecunda, além de uma vida de felicidade aparente que, simplesmente, não nos realiza.

O papa faz uma analogia bonita sobre as árvores, para explicar a importância do ter os pés na terra, quando diz : «Já me aconteceu ver árvores jovens, belas, que elevavam os seus ramos sempre mais alto para o céu; pareciam uma canção de esperança. Mais tarde, depois de uma tempestade, encontrei-as caídas, sem vida. Estenderam os seus ramos sem se enraizar bem na terra e, por ter poucas raízes, sucumbiram aos assaltos da Natureza» (Cristo Vive, n.º 179). A felicidade que procuramos – através da vivência vocacional – não é uma felicidade passageira, mas durável; não é uma felicidade que não tem tempestades, mas uma que permanece apesar das circunstâncias adversas que a vida possa trazer.

Muitas vezes não é fácil sonharmos o futuro com esta dimensão terra-a-terra. Por isso mesmo, temos de contar com as pessoas à nossa volta e, particularmente, com aquelas que nos acompanham ajudando-nos a discernir e a dar passos concretos na nossa vocação. Frequentemente, quando pensamos o futuro, somos tentados a ignorar a experiência de outros – sobretudo dos mais velhos – ora porque consideramos que eles nada compreendem sobre a nossa vida, ora porque o nosso orgulho nos faz pensar que somos auto-suficientes. Quão errados estamos! De fato, toda a nossa vida é fruto de uma herança deixada pelos mais velhos (o nosso falar, a nossa forma de comer, de vestir, etc.). Esta herança do passado é terra fértil onde a nossa vida – a semente da vocação que queremos que germine e dê flor e fruto – pode realizar-se plenamente. Negar o conselho dos mais velhos, a ajuda daqueles que nos acompanham, é tirar as raízes da terra e abrir portas a uma vida que se faz de planos que nunca se realizarão – planos e sonhos sempre adiados para mais tarde (quando surgirem outras condições de vida). Contudo, a felicidade não implica apenas o ter os pés bem assentes na terra – isso poderia até levar a enterrar a cabeça na areia. A felicidade implica ir sempre para lá da linha do horizonte, isto é, implica ir sempre além daquilo que podemos pensar ou até imaginar (Ef 3,20).

Os olhos postos no céu

Caminhar com os pés assentes na terra não significa viver como uma Maria vai com as outras. Antes, significa, muitas vezes, andar contracorrente. Nos nossos dias, inúmeras são as vozes que vendem uma felicidade fácil : ligada ao culto do sempre jovem, ligada à aparência de felicidade – aos caminhos da fama, dos flashes e dos aplausos. Neste caso, a felicidade é uma questão de dinheiro (comprar os produtos certos) e uma questão de sorte (estar no lugar certo à hora certa – para dar nas vistas), mas é também uma questão passageira – ela dura apenas até ao momento em que aparecer alguém mais jovem, com mais dinheiro, com sorte... Pouco a pouco, aquele que deveria ser o nosso projeto de vida e o nosso caminho de felicidade torna-se uma corrente de escravatura da aparência, em que deixamos de ser quem somos, para fingirmos ser aquilo que os outros desejam que sejamos.

Viver a vocação é ousar percorrer «outro caminho, feito de liberdade, entusiasmo, criatividade, horizontes novos, mas cultivando ao mesmo tempo as raízes que o nutrem e sustentam» (Cristo Vive, n.º 184). É viver o que se é e o que se deseja sem, na certeza de que não se está sozinho, por maiores que possam ser as dificuldades e as circunstâncias adversas. Apenas uma maior coerência de vida poderá conduzir a uma felicidade consistente – à medida dos nossos sonhos – e ‘sem prazo de validade’ predefinido. Com os olhos postos no céu, o impossível torna-se possível – não porque corremos atrás de ilusões, mas porque é a fé que nos move, uma fé consistente com a nossa humanidade, com as nossas capacidades, mas também com as nossas limitações e fraquezas.

Uma felicidade fecunda e com profundidade

O preço da felicidade é acreditar na felicidade, a partir do que somos verdadeiramente e da fé que nos habita e partilhamos com os que nos acompanham. «As raízes não são âncoras que nos prendem a outros tempos, impedindo de nos encarnarmos no mundo atual para fazer nascer uma realidade nova. Pelo contrário, são um ponto de arraigamento que nos permite crescer e responder aos novos desafios» (Cristo Vive, n.º 200). Elas não nos confinam a uma vivência puramente terrena, antes conduzem a um frutificar que só é possível em Deus. Que árvore poderia subsistir sem raízes? Nenhuma! Por outro lado, que árvore poderia florir e dar fruto se Deus não a fizesse frutificar? Estas são as dimensões inseparáveis da felicidade e de toda a vocação autêntica : a dimensão humana – que não nega o que somos e o passado que herdamos (que nos foi/é transmitido pelas pessoas mais velhas) –, e a dimensão divina – aquela que nos põe sempre em relação e verdadeira aliança com o Senhor da Felicidade, o Senhor que nos chama e acompanha na nossa realização vocacional.

Uma felicidade que tem em conta este dinamismo que lhe é próprio – um dinamismo constitutivo da nossa humanidade – é sempre fecunda, profunda e duradoura. Esta não é corrompida nem pelo medo, nem pelas circunstâncias, nem pelo passar dos anos, ela existe e cresce todos os dias, apesar das dificuldades, dos erros e de todos os contratempos que a vida possa apresentar.’


Fonte :