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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

A Bíblia pode ser considerada um documento histórico?

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
'Manuscritos do Mar Morto' são os mais antigos registros bíblicos

*Artigo de Marcelo Rede,

professor


‘A Bíblia hebraica pode ser considerada um documento para escrever a história do antigo Israel ou para analisar outros fenômenos históricos, como a formação do monoteísmo ou a figura divina de Yahweh?

A indagação é parte de uma questão maior, sobre a presença da Bíblia no ambiente acadêmico e universitário. Do ponto de vista institucional e curricular, o panorama é diversificado.

O debate já é antigo nos centros universitários norte-americanos ou europeus. Entre nós, é ainda incipiente. No Brasil, a Bíblia penetrou na academia pela via dos estudos literários, que privilegiaram a análise de seus diversos gêneros e a interpretação linguística. Na arqueologia, a situação é ambígua : embora a arqueologia bíblica seja popular nos meios de comunicação, ela jamais se estabeleceu como disciplina por aqui, antes de ter praticamente desaparecido das universidades em todo o mundo para dar lugar a uma arqueologia do Oriente-Próximo ou Siro-Palestina. Naturalmente, nos cursos de teologia (quase totalmente de orientação cristã), a Bíblia hebraica, juntamente com o Novo Testamento, está no centro da reflexão, sob a forma da história da religião ou da exegese textual e teológica.

Nos departamentos de história, a presença da Bíblia é rarefeita, pois a história de Israel é menos praticada do que as histórias do Egito ou da Mesopotâmia, e prepondera o interesse pela Grécia e por Roma. Paradoxalmente, não há quase nenhum recorte em nossas disciplinas que possa desprezar a importância da Bíblia, do Brasil colonial à Revolução Francesa, da Idade Média à Independência norte-americana.

O problema, portanto, é saber se é possível integrar a Bíblia hebraica na operação historiográfica e como fazê-lo.

Para o historiador, isso significa duas possibilidades inseparáveis. A primeira : a Bíblia como sendo, ela mesma, um fenômeno histórico. A segunda : sua consideração, ou não, como fonte documental.

A própria questão poderia ser considerada um tanto descabida, pois a historiografia atual se constituiu a partir da profunda remodelação da noção de documento : quando surgiu como saber moderno no século XIX, a história privilegiou os documentos escritos, particularmente, os de natureza oficial. Embora os textos ainda predominem, a história abriu-se a novas fontes (imagens, objetos materiais, relato oral) e integrou todo tipo de documento não oficial : cartas privadas, textos literários, jornais, panfletos de propaganda etc. Se ‘tudo é história’, pode-se dizer também que ‘tudo é documento’. Mesmo um falso documento pode servir como fonte para se estudar algo, desde que o historiador tenha ciência de sua falsidade (uma obra de arte forjada; um decreto imperial não autêntico ou uma fake news). Diante desse quadro, o que poderia justificar a exclusão da Bíblia do campo de documentos históricos?

Ocorre que a Bíblia tem uma trajetória de mais de dois mil anos no pensamento ocidental e seus vários usos e apropriações levantaram questionamentos legítimos que precisam ser considerados.

O ponto mais evidente é a sua concepção como ‘Escritura Sagrada’. Muitos documentos com que trabalham os historiadores têm, igualmente, uma natureza sagrada atribuída por suas sociedades : o Livro dos Mortos, no antigo Egito; as preces aos deuses sumérios e tantos outros. Há, porém, uma grande diferença : enquanto estes pertenceram a religiões hoje mortas, a Bíblia continua sendo o livro sagrado do judaísmo, dos vários cristianismos e, indiretamente, do islamismo. A sacralização dos textos bíblicos criou obstáculos ao seu estudo fora do domínio teológico. Foi somente às vésperas do Iluminismo que as ‘Sagradas Escrituras’ passaram a ser objeto de reflexão crítica.

Na historiografia, a situação é particular e até curiosa : os especialistas que buscaram escrever uma história moderna do antigo Israel integraram as narrativas bíblicas como uma espécie de enredo histórico preestabelecido, como o guia de um passado já escrito. Caberia ao historiador traduzi-lo em um linguajar acadêmico aceitável. Em outros termos, a Bíblia não foi inserida na operação historiográfica como uma verdadeira fonte a ser submetida ao crivo dos instrumentos de análise aplicados aos demais documentos, o que, justamente, conferia à historiografia moderna sua mais importante característica : a de ser um saber inferencial sobre as sociedades, fundado na crítica das fontes.

A existência de um documento escrito complexo, extenso e praticamente único não é uma exclusividade. O mesmo ocorre, por exemplo, com a obra de Tito Lívio para vários períodos da história romana ou com a Ilíada e a Odisseia para o chamado período homérico. No entanto, em nenhum desses casos o texto impôs uma tutela narrativa ao historiador, sobretudo se considerarmos as novas perspectivas introduzidas por cada uma das ‘escolas’ historiográficas que se sucederam até hoje.

A história do antigo Israel, ao contrário, persistiu sendo praticamente uma paráfrase das narrativas bíblicas. O mesmo ocorreu na arqueologia bíblica tradicional, concebida como uma prática de escavação e de interpretação da cultura material que visava a corroborar a narrativa fornecida pelo texto bíblico. Os artefatos, as estruturas etc. tampouco foram integrados adequadamente como fonte documental para a produção de um conhecimento sobre a sociedade antiga.

Há, portanto, razões suficientes para que a legitimidade da Bíblia como documento histórico tenha sido questionada e para que um ruidoso debate tenha se estabelecido entre os chamados ‘maximalistas’ (que procuravam conservar ao máximo a narrativa bíblica) e os ‘minimalistas’ (que buscavam minimizar a validade documental da Bíblia).

Entre esses extremos, porém, uma solução intermediária parece ser mais sensata e produtiva. Não resta dúvida de que os textos bíblicos impõem dificuldades imensas ao historiador. O conjunto é extremamente diversificado e mesmo incoerente; sua unificação é fruto de um processo longo e mal conhecido; sua redação e, sobretudo, sua forma canônica final são tardias, em geral separadas por séculos dos contextos a que se referem. Para complicar ainda mais, materialmente falando, o texto que conhecemos hoje deriva de manuscritos medievais que datam de por volta do ano 1000 (depois de Cristo!). Entre esses códices medievais e os manuscritos ‘originais’ (do qual não temos sequer um exemplar) há um vácuo quase total, preenchido de modo apenas parcial pelos Manuscritos do Mar Morto e por pouquíssimos outros fragmentos esparsos.

São problemas sérios. Todavia, a situação não é muito diferente para grande parte do que nos sobreviveu da literatura antiga e não pode, por si só, ser motivo para descartar a Bíblia como documento.

No entanto, é preciso reconhecer que essa intricada condição documental da Bíblia só pode ser enfrentada se seu conteúdo for submetido às mesmas ferramentas críticas utilizadas para qualquer documento. Na feliz expressão de Mario Liverani, historiador italiano, é preciso fazer da história do antigo Israel uma ‘história normal’. Acrescentemos : é preciso tratar a Bíblia como um ‘documento normal’. Nem mais, nem menos.

Inserir a Bíblia na história implica, portanto, inserir a história na Bíblia, reconhecendo nela um fenômeno cultural, fabricado por sociedades humanas em uma série de contextos sociais concretos.

É nesse sentido que os estudos sobre a memória cultural e sobre o trauma coletivo enquanto fenômeno histórico e literário foram fundamentais para se entender melhor boa parte das narrativas bíblicas. Muitas delas só são compreensíveis historicamente como resultado do trauma representado pelo cativeiro babilônico. A conquista do Reino de Judá pelos babilônios, em 587 a.C., solapou pilares fundamentais da sociedade judaíta : a perda da terra e a migração forçada de parte da população; o fim da dinastia davídica; a destruição do templo de Jerusalém. O aparecimento de uma literatura de crise é parte das respostas culturais a esse trauma coletivo. Seja sob o domínio babilônico, seja depois, sob o domínio persa (Ciro, o Grande, conquistou a Babilônia em 539 a.C.), os judaítas exilados reformularam a memória de seu passado, fundindo antigas tradições e elementos inéditos. São mitologias da criação e do dilúvio, sagas de ancestrais, textos proféticos, literatura sapiencial e mesmo erótica. E, sobretudo, narrativas acerca de um passado remodelado pelo que restou dos escombros da tragédia de Judá. Sob esta ótica sulista, o reino do norte, Israel, foi pintado em cores francamente negativas. Ao mesmo tempo, ‘Israel’ ganhou um novo sentido : não mais uma entidade política, um reino governado por um soberano, mas um referencial identitário do qual os judaítas do exílio se reivindicaram como herdeiros legítimos.

A invenção de um passado que se apresenta como propriamente histórico é a matriz da memória cultural bíblica, que cria e mantém a coesão e a identidade da comunidade : a fuga espetacular do Egito, a conquista heroica de Canaã, uma monarquia unificada e esplendorosa sob David e Salomão. Ao mesmo tempo, essa construção memorial comporta reflexões sobre o sofrimento presente e sinaliza possibilidades e limites de projetos para um futuro melhor, tanto para os retornados quanto para os que restarão na diáspora, primeiro à sombra do Império Persa, depois em um universo profundamente marcado pela cultura grega e pelo domínio das monarquias helenísticas.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://jornal.usp.br/artigos/a-biblia-pode-ser-considerada-um-documento-historico/

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Inter Mirifica : 50 anos

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

* Artigo de Dom Orani João Tempesta, O.Cist,
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro
 
 
‘Há cinquenta anos, no dia 4 de dezembro de 1963, o Papa Paulo VI, em Roma, junto a São Pedro, assinava um dos dois primeiros documentos do Concílio Vaticano II: o Decreto “Inter Mirifica”, que se inicia com a seguinte tradução: “entre as admiráveis invenções da técnica...” Há dez anos, ao me pronunciar sobre os 40 anos desse Decreto, eu afirmava que para nós, pessoas da Igreja, “a comunicação é um processo de comunhão, participação, planejamento, acolhida e informação mais do que a utilização dos “meios”. Contudo, não podemos ficar alheios às modernas técnicas de comunicação e devemos dominá-las”.
 
Da comemoração dos 40 anos da “Inter Mirifica” ocorrida em Salvador, BA, no 3º. Mutirão Brasileiro de Comunicação já se passa uma década. Quantas maravilhas a humanidade pode contemplar neste período! Quantos passos foram dados pelo “engenho humano” que “rasgaram caminhos novos na comunicação”! Devemos olhar para o tempo sem piscar os olhos por que a tecnologia não para. Para nós, que comemoramos nestes anos o jubileu de ouro do Concílio Vaticano II, este ano nos alegramos em comemorar os seus dois primeiros documentos! A comunicação e seus meios estão entre “as maravilhas do nosso tempo”. Pela primeira vez um documento conciliar abre a discussão sobre esse assunto. É um decreto que abriu enormes possibilidades para a Igreja diante desses novos tempos de “mudança de época”. Esse decreto é a porta que se abre para essa dimensão e que será aprofundada pelos documentos que se seguirão.
 
 É louvável acompanhar estas evoluções tão rápidas criadas pela inteligência humana em todas as partes do mundo. Diferentes propostas e execuções acontecem a cada momento. Neste exato momento bilhões de palavras, bilhões de pessoas, entre todas as raças, línguas e nacionalidades se relacionam e se comunicam, transferindo conhecimentos e informações em tempo real graças às modernas tecnologias da invenção humana, através da comunicação social em favor das relações interpessoais.
 
A Igreja Católica também está conectada com esta realidade transformadora das relações humanas. Estas relações acontecem na esfera presencial e virtual. A Igreja faz uso de todas as formas de comunicação para levar o anúncio do Evangelho, mostrar os valores do Reino de Deus e os seus sinais seja na comunicação interpessoal presencial, bem como atingindo milhões de pessoas através dos diversos suportes de comunicação que hoje são utilizados graças à inteligência humana criativa, dom querido e gratuito dado por Deus ao homem.
 
Celebrar os 50 anos do Decreto “Inter Mirifica” significa muito mais que celebrar a maravilha da existência de tanta tecnologia em favor do anúncio da Palavra de Deus com os meios de comunicação. Pode-se dizer que é, também, celebrar o amanhecer de cada dia de um técnico, de um engenheiro, de um produtor, dos diretores, enfim, de todos os que passam 24h por dia respirando tecnologia para destinar uma mensagem ao mundo, que hoje não possui mais fronteiras. O grande segredo para nós é exatamente o ser humano que produz comunicação e que se utiliza dos meios – quanto melhor formada, quanto mais iluminada pelo evangelho, melhor utilizará para o bem os meios de comunicação social.
 
Parece impossível para os “adotados digitais” acompanhar tantos lançamentos que o mercado apresenta. Cada dia tem um novo modelo de Smart, de iPad, de iPhone, Tablets, de aparelhos trazendo “High Definition”. Para os “nativos digitais” é quase conatural. A cada nova edição ou modelo de meio de comunicação, a cada possibilidade de mídias sociais, os “nativos se sentem “em casa”. Porém, tudo isso é “assessório da comunicação” ou tornou-se meio essencial? A discussão entre virtual e presencial ainda é um sério debate que se trava. A discussão antiga sobre o “meio e a mensagem” ainda se trava em nosso dia a dia com os pensadores da comunicação. Fala-se hoje da “nova cultura” gerada por esses novos tempos e tecnologias.
 
Dentro dessa realidade, a pergunta que fazemos é como anunciar a palavra, como testemunhar Jesus Cristo, como proclamar a verdade em nosso tempo de tanta comunicação e tantos meios possíveis? A virtude do decreto “Inter Mirifica” é justamente abrir essa discussão e suscitar essa reflexão na Igreja. Por isso, um pequeno decreto, no alvorecer dos documentos do Concílio Vaticano II, colocou a Igreja na discussão desse grande fator de mudança da sociedade. Ele suscitou documentos importantíssimos e uma nova postura da instituição com relação ao tema. Além da utilização dos meios de comunicação, o documento suscita ainda a discussão sobre a própria comunicação enquanto tal e abre caminhos para refletir também sobre esse fator na sociedade hodierna.
 
A Palavra sempre existiu e existirá. Ganhará novos canais de veiculação para chegar ao seu destinatário de forma mais rápida e eficaz. A Palavra é a força motivadora para a criação de novas formas sempre mais rápidas e eficazes para chegar aos olhos e/ou aos ouvidos do receptor. Junto com a Palavra teremos também o exemplo e a vida. No passado a Igreja foi pioneira na utilização dos meios de então: imprensa, rádio, pintura, arquitetura, música e tantas outras manifestações. Por exemplo, na virada para o século XX um jovem italiano, Tiago Alberione, hoje Beato Padre Tiago Alberione, viu que os meios de comunicação poderiam servir para o anúncio do Evangelho. “Já que estas máquinas podem imprimir tantas informações que não constroem o bem, por que não as utilizar para o anúncio da Palavra de Deus? Preciso fazer algo pelo homem do novo século...” pensava ele. E assim se lançou numa missão inovadora e como protagonista daquele tempo, na longínqua cidade de Alba, norte da Itália, colocou a Igreja Católica no pódio das grandes conquistas no mundo das comunicações sociais do século XX.
 
Além dos meios modernos de comunicação, hoje, também vêm crescendo velozmente as diferentes formas de se expressar. É importante salientar o grande papel que hoje representam as redes sociais em nossa sociedade. Elas são um auditório e ao mesmo tempo o púlpito de todas as formas de manifestações de ideias que se possa imaginar. Desde as construtivas até as maléficas ao desenvolvimento do processo da educação humana em todos os níveis. Sabemos da utilização do tweter por parte do Papa e como crescem o número de seguidores. As mídias sociais estão mudando o mundo atual, convocando as pessoas às ruas e às manifestações. É, portanto, um território livre para todo tipo de manifestação.
 
É de se pensar: será que já vimos de tudo? Quando isso vai acabar? O que ainda será inventado? Para os que travam no tempo, a incredibilidade é a âncora; estagnaram com medo do novo, do diferente. Muitos dos instrumentos de comunicação que utilizaremos daqui a uma década ainda não estão inventados.
 
A modernidade cria uma nova geração de intérpretes da realidade, uma geração de cibernautas com ações de habilidades distintas daquelas gerações acostumadas somente com o texto impresso e ainda também somados os da era da imagem televisiva e os espectadores do cinema. Hoje tudo pode ser concentrado num único instrumento com qualidade HD. Manipulamos isto tudo, resgatamos os conteúdos que nos são necessários muitas vezes até sem compreender o processo de tamanha velocidade. E tudo isso cabe em nosso bolso com as novas tecnologias descobertas.Ao comemorarmos essa grande data dos 50 anos da assinatura do decreto conciliar “Inter Mirifica”, vemos com clareza como agiu o Espírito Santo, colocando como um dos dois primeiros documentos conciliares justamente a questão da comunicação. Este tema seria um dos mais importantes para a atualidade que estava se iniciando. Este documento, que criou o “dia mundial das comunicações”, estabeleceu coleta para o sustento dos meios e orientou a reorganização do departamento da Igreja na missão da comunicação.
 
Entre todas as maravilhas do universo estão os meios de comunicação social com suas diferentes formas. A comunicação humana também continuará existindo para sempre com suas diferentes formas. A qualidade de como é utilizada e o bem da humanidade estão dentro de nossas discussões. Nada melhor do que aprofundar esses tempos neste dia da comemoração da assinatura do decreto sobre a comunicação produzido pelo maior evento católico do século XX, o Concílio Vaticano II.
 
Muito já foi escrito e muita coisa terá que ainda ser, mas precisamos, com a qualidade da comunicação, construir pontes entre os seres humanos que os tornem ainda “pessoas humanas”. Num mundo que necessita de paz e fraternidade, comunicação para a comunhão pode ser um desafio proposto para hoje.
 
 
Fonte :
 

domingo, 1 de dezembro de 2013

A Alegria do Evangelho

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)


* Artigo de Dom Walmir Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte
 
‘O Papa Francisco define ainda mais nitidamente o horizonte norteador da Igreja Católica neste tempo com a sua recém-publicada Exortação Apostólica, intitulada “A alegria do Evangelho”.  Obviamente, trata-se de uma exortação que nasce da “escuta”, na dinâmica da vida da Igreja e do que é próprio da graça de Deus. O Papa Francisco, com frescor próprio do coração de pastor enraizado no chão latino-americano, reaviva, com singularidades, a recuperação de sentidos genuínos na vivência do Evangelho. O conhecimento da Exortação do Papa é determinante na compreensão e no tratamento do mais importante desafio da Igreja Católica na contemporaneidade: a insubstituível tarefa de anunciar o Evangelho no mundo atual.
 
Ao falar sobre alegria, um capítulo determinante da vida e um interesse comum a todos os corações, é imprescindível compreender que o Evangelho de Jesus Cristo não é um simples conjunto conceitual alternativo para aprendizagem, ou simples referência quando necessário. A alegria do Evangelho é duradoura.  Enche o coração dos que, no cotidiano, vivenciam a experiência do encontro pessoal com Jesus Cristo. Trata-se de uma alegria que não é como muitas outras, que seduzem, mas são passageiras e não têm força para resgatar o vazio interior, o isolamento e a tristeza. O Papa Francisco adverte que o grande risco do mundo contemporâneo, com a oferta múltipla e opressora de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração acomodado e avarento, da busca doentia de prazeres superficiais.
 
Não é possível encontrar uma alegria verdadeira e duradoura quando a vida interior se fecha nos seus próprios interesses. Isto impede a escuta de Deus e faz morrer o entusiasmo de se fazer o bem. Um risco que, sublinha o Papa Francisco, pode atingir também aos que creem e praticam a fé. Um cenário que pode ser constatado quando são encontradas pessoas descontentes, ressentidas, amargas e incapacitadas para cultivar sonhos e projetos, necessários para conduzir a vida na direção da sua estatura própria de dom de Deus. A alegria, necessidade natural do coração humano, expressão de vida vivida com dignidade, vem com o anúncio, conhecimento, experiência e testemunho do Evangelho de Jesus Cristo.
 
A Igreja, que tem a missão de promover a experiência dessa alegria duradoura tem que estar em movimento, isto é, sempre a caminho. Cada membro, tomando a iniciativa de sair e ir ao encontro, deve renunciar às comodidades e acolher o desafio da mudança, da renovação, numa atitude permanente de conversão. É preciso ter coragem de mudar, de ousar novas respostas, em todos os campos da sociedade, dinâmicas e projetos. No caminho contrário, corre-se o risco de se tornar um instrumento inócuo no serviço e no anúncio da fonte inesgotável dessa alegria.
 
Por isso, diz o Papa Francisco, a Igreja está desafiada por uma exigência de renovação improrrogável. Para se adequar a esta necessidade, é preciso reconhecer os muitos desafios postos pelo mundo contemporâneo. A consideração das diferentes culturas urbanas, com um conhecimento mais aprofundado de suas dinâmicas, interesses, linguagens e configurações, tem a propriedade de mostrar o caminho novo que fará a renovação da Igreja. O Papa Francisco sublinha que na atual cultura dominante, o primeiro lugar está ocupado por aquilo que é exterior, imediato, visível, veloz, superficial e provisório. O real dá lugar à aparência. Constata-se uma deterioração de valores culturais, com a assimilação de tendências eticamente fracas. Esse processo de renovação e  trabalhosa tarefa de ajudar o mundo a encontrar no Evangelho a fonte perene de alegria duradoura supõe, sem negociação, a coragem e a perseverança no dizer “não” a uma economia da exclusão, “não” à nova idolatria do dinheiro, que dá ao mercado a força de governar e não  a de servir, gerando perversidades inadmissíveis. “Não” a todo tipo de iniquidade que gera violência, “não” ao egoísmo mesquinho e ao pessimismo estéril.
 
É hora de compreender e testemunhar a dimensão social da fé, como força e instrumento de uma nova “escuta” prioritária dos pobres, trabalhando para respeitar o povo, de muitos rostos e necessidades. Convida-nos o Papa Francisco a buscar, corajosamente, novas configurações organizacionais, institucionais e pessoais, apoiados na certeza daquilo que, luminosamente, está na alegria do Evangelho.
 
 
Fonte :