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quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Os supostos benefícios de teologias sem contexto

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)        

 Uma teologia séria é sempre feita a partir de determinado contextualização social, política, cultural, econômica e religiosa de uma sociedade

*Artigo de Fabrício Veliq,

teólogo protestante


‘Uma das coisas mais fáceis de se fazer é teologia sem contexto, algo facilmente encontrado na sociedade cristã atual. Para isso, basta tomar qualquer texto bíblico e torná-lo norma a ser obedecida com o intuito de alcançar o favor divino e ser titulado servo fiel.

Tal teologia não demanda muito estudo de seus artífices nem comprometimento com aquilo que ultrapassa suas suposições de verdade.  Por isso ela é tão atrativa. Caso seus ‘teólogos’ encontrem alguma dificuldade, deparando-se com uma afirmação contrária aos seus postulados, basta descartá-la, tratando-a como levante de Satanás contra a fé. Isso passa a ser critério de que princípios teológicos devem ser seguidos.

Outro grande atrativo para se fazer uma teologia assim é usar de suas premissas em qualquer situação, sem necessidade de grandes explicações. Com ditos como ‘está escrito’ ou ‘Deus quer dessa forma’ é possível resolver quaisquer problemas e trazer respostas prontas para as distintas demandas de determinada comunidade ou para problemas que acometam a sociedade em geral.

Teologias sem contexto têm o benefício de contar com um manual pronto e definido, aplicável a todos os espaços e situações possíveis. Com ele, as respostas se tornam bem mais fáceis, restringidas a ‘sim’ ou ‘não’, ‘certo’ ou ‘errado’, sem muitas discussões e ponderações. Afinal, o que Deus disse, assim o é para sempre. Portanto, vale para todas as eras e sociedades.

Outro ponto fundamental desse tipo de fazer teológico - talvez o mais atrativo - consiste na certeza de qual caminho seguir ou decisão a tomar. Quem não gostaria de ter respostas prontas e saber o que Deus quer frente às questões de nossos dias por mais espinhosas que sejam? Uma teologia sem contexto pode responder de maneira muito simples e ainda garantir se tratar de vontade divina para todos.

A ânsia de trazer respostas simples para problemas complexos explica a popularização desse tipo de teologia em nossos dias, embora faça mais mal à sociedade do que bem.

Uma teologia séria, entretanto, é sempre feita a partir de determinada contextualização social, política, cultural, econômica e religiosa de uma sociedade. Não cai do céu. Antes, mostra-se ciente da grande responsabilidade em explicar com rigor as razões e contextos nos quais os distintos textos da Sagrada Escritura foram redigidos, nunca os tomando de forma isolada, mas buscando compreender as imprecisões, erros e mensagens propostas em cada livro, bem como no conjunto todo da Bíblia.

Insistir em teologias e estudos bíblicos sérios, que consideram o contexto dos textos sagrados, é tarefa de todo teólogo. Sem isso, formas nocivas de teologia continuarão a ganhar força. O estrago que promovem se mostra extremamente perigoso tanto para o cristianismo quanto para a própria sociedade.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1467493/2020/08/os-supostos-beneficios-de-teologias-sem-contexto/

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Um Cristianismo que se arma continua sendo cristão?

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Todo discurso que promove a violência não é ancorado nos ensinamentos de Jesus.
*Artigo de Fabrício Veliq,
teólogo protestante


Em tempos tão polarizados quanto este em que vivemos no nosso país, aliando-se à grande hegemonia cristã predominante em nosso contexto, é sempre possível que surjam discursos que não se coadunam com o Evangelho e, curiosamente, são suportados por bases bíblicas aleatórias. Contudo, algo que é sempre importante de se lembrar é de que todo texto, retirado do seu contexto, torna-se pretexto para se dizer o que quiser. Essa máxima, embora muito apreciada por todos que a ouvem, constantemente é negligenciada e usada para fazer diversos tipos de afirmativas de cunho cristão.

Dentre os diversos temas em voga em nosso país, recentemente o tema da violência surge com força, principalmente, em época eleitoral. Diante desse cenário, não é difícil encontrar os discursos que pregam a violência como solução para as questões da sociedade e da criminalidade. Frases como ‘tem que matar mesmo’; ‘bandido bom é bandido morto’ etc são usadas por diversas pessoas que se dizem cristãs e, para justificar tais posições, tomam alguns versículos bíblicos aleatórios e fora de contextos. Os mais cotados são os textos do Pentateuco, em que está em voga a famosa lei de talião, do olho por olho e dente por dente e, nesse sentido, se alguém mata, tem que morrer e se alguém fere alguém deve ser ferido, bem como o texto do Novo Testamento, em que Jesus diz para Pedro para pegar em espadas no evento narrado em Lucas 22.

Que os textos do Antigo Testamento e a lei de talião não deveriam nem ser considerados para esse problema pelo viés cristão parece muito claro. Afinal, o ensinamento de Jesus segue justamente na contramão disso. ‘Eu, porém, vos digo’ lido constantemente no sermão do monte, mostra o caráter de desvinculação proposto por Jesus das antigas ordenanças do Antigo Testamento. No lugar da lei de talião, deve-se reinar, a partir de agora, a lei do amor, ‘para que vos torneis filhos do vosso Pai que está nos céus; porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons, e faz chover sobre justos e injustos’ (Mt 5,45). Nessa nova proposta, a lei da vingança não faz mais sentido e, consequentemente, não deveria fazer parte do discurso cristão que, obviamente, deve seguir os ensinamentos de Jesus.

O texto de Lucas 22, por sua vez, é usado como tentativa para justificar a violência nos ensinamentos de Jesus. Seria como se dissesse : ‘tá vendo, Jesus mandou os discípulos se armarem e, por este motivo, nós também, cristãos, devemos ser a favor do porte de armas etc’. Fazer isso, todavia, é tirar o texto do seu contexto sem atentar que, se Jesus realmente tivesse dito isso no sentido literal estaria indo contra todo seu ensinamento para com seus discípulos ao longo dos 3 anos de convivência, o que tornaria o próprio Jesus um hipócrita, por estar fazendo algo que ele mesmo condenou anteriormente. Assim, pela própria coerência da pregação de Jesus, o texto deve ser lido em sua forma de parábola, significando que um novo tempo está por vir sobre os discípulos, um tempo de violência e perseguição contra eles, sendo necessário que estivessem preparados para resistir a isso, não com armas (afinal, 2 espadas para 11 homens mostraria Jesus como péssimo estrategista de guerra), mas com o próprio Evangelho.

Dessa forma, o texto de Lucas também não se sustenta quando usado para justificar o uso da violência, ou o porte de armas. Deve-se sempre lembrar que a palavra de Jesus e sua pregação sempre foram voltadas para o amor, sendo este, conforme nos diz a primeira carta de João, aquilo que o próprio Deus é.

Pelo exemplo de Jesus e pela narrativa evangélica, bem como tendo como base todo o Novo Testamento, a violência não se mostra como aquilo desejado por Deus para a conduta na sociedade. Seguir o exemplo de Cristo, assim, se mostra dirigir-se na contramão de qualquer discurso que a incita, sendo isto também parâmetro para dizer se algum discurso é ou não cristão.

Todo discurso que promove a violência não é ancorado nos ensinamentos de Jesus e todo aquele que o prega não compreendeu ainda a mensagem do Evangelho que liberta e vence, não pela força da violência, mas pela fraqueza do amor.

 Em tempos de violência constante em nosso país, os/as cristãos/ãs não devem ser os que a propagam, antes aqueles/as que mostram que há outro caminho possível, em que a luta se dá de maneira diferente, não pelo uso das armas, mas pelos atos de amor consciente e engajado, denunciando as injustiças e as misérias, propondo um caminho que preze pela equidade de dignidade e condições para todos, de maneira que os vislumbres do Reino de Deus se faça presente na sociedade.


Fonte :