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quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Martas e Marias

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Jesús Ruiz Molina,

Bispo auxiliar de Bangassou, RCA

 

‘Betânia foi para Jesus um lugar de repouso, um oásis onde podia recarregar as suas baterias humanas e espirituais. A casa de Lázaro e das suas irmãs, Marta e Maria, tinha sabor a lar, a amizade profunda, a lugar de repouso para o coração. O que teria sido de Jesus e dos seus discípulos se Marta não se tivesse dado ao trabalho de os acolher, de lhes dar uma boa refeição e de lhes proporcionar um lugar de repouso? Onde se teria expandido o coração de Jesus se Maria não tivesse sabido escutar e acolher os segredos do Mestre? E aquele amigo Lázaro, que Jesus tanto amava. Marta e Maria, duas faces de uma mesma realidade, nem sempre fácil de combinar. Marta, a dona de casa que soube extrair de Jesus palavras de vida eterna : «Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que morra, viverá.» Maria, que aos pés do Mestre aprende os segredos escondidos no seu coração : «Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada.»

Estas reflexões sobre a vida de Jesus vêm-me à mente enquanto escrevo no meu diário tudo o que estou a viver com o povo centro-africano da diocese de Mbaiki, que me foi confiada como bispo. Talvez eu esteja enganado, mas tenho a sensação de que, desde há algum tempo, nós, na Igreja, estamos a inclinar a balança para o lado de Maria em detrimento de Marta. O fato de o Papa Francisco ter ido viver para a Casa de Santa Marta é um símbolo que pode equilibrar a realidade do discípulo que tem de nadar entre duas águas, a ação e a contemplação, duas asas da mesma ave. Não se trata de escolher uma em detrimento da outra, as duas juntas permitem-nos voar para as alturas do Reino. 

Ação e contemplação

Este difícil equilíbrio deve existir também na vida religiosa e missionária. Nos últimos tempos fui confrontado com uma situação que gera um conflito entre as duas asas da vida do discípulo. Na diocese há 40 religiosas pertencentes a uma dezena de congregações, entre as quais há apenas cinco Martas com as quais posso contar incondicionalmente para qualquer missão. As outras não são necessariamente Marias. Estas cinco Martas de que falo são mulheres preparadas, ativas, prontas a enfrentar novos desafios, a romper com os moldes, a misturar-se com os pigmeus Aka, a curar os doentes que ninguém se atreve a tocar, a enveredar por caminhos até então inexplorados por uma religiosa, a viver uma liderança feminina na Igreja... Mas o que descubro é que o fato de agirem como Martas, mulheres do Evangelho ao serviço da diocese, as coloca em sério conflito com as suas congregações. Várias superioras provinciais vieram queixar-se : que as irmãs estão sempre fora da comunidade, que viajam demasiado, que dormem nas aldeias com as pessoas, que abandonam a comunidade da qual são por vezes superioras, que dão prioridade aos compromissos diocesanos em detrimento dos congregacionais. A situação está a fazer sofrer três delas.

Nalguns casos, o conflito é latente com as suas congregações e leva-as a acentuar a sua identidade e pertença a uma Igreja diocesana, mas, outras vezes, o conflito cheira-me a ciúme escondido, como se houvesse infidelidade à congregação quando há grande doação à pastoral diocesana. E digo a mim mesmo : se o carisma da congregação não está ao serviço da Igreja particular, então corre-se o risco de «sectarismo». Como é difícil o equilíbrio entre esta Marta e esta Maria que cada instituição, cada congregação, cada discípulo, traz dentro de si! Durante séculos, a Igreja idealizou Maria e encerrou as freiras nos conventos, sem se dar conta de que Marta é indispensável para as coisas de Jesus.

Sofro quando vejo o conflito das cinco religiosas com as suas congregações, que as censuram pelo seu afastamento. Procuro não me meter nos assuntos internos, mas como é difícil para mim quando o que está em causa é um estilo de missão, um estilo de Igreja. Sofro porque pressinto as ameaças que pesam sobre algumas delas e que as destinarão a outra comunidade. Uma das superioras disse-me que tinha feito um ultimato a uma delas. Eu disse-lhe : «Sei que estás em vantagem, mas também te peço que revejas o teu carisma de fundação. Tenho a certeza de que a vossa fundadora foi uma mulher que abriu novos caminhos, que ultrapassou muitas fronteiras eclesiais e sociais. Ah, e por favor digam às vossas superioras em Roma que o bispo está muito grato pela vossa preciosa presença na diocese e, especialmente, pela irmã N.» Que equilíbrio difícil!

Mais tarde, falando com uma das Marias, conhecendo a espada de Dâmocles que paira sobre o seu destino, pedi-lhe que não rompesse com a sua congregação, que construísse pontes, que tentasse exercer a asa das Marias que a sua congregação lhe reclama. Eu não gostaria de a perder.

Ação e contemplação, Marta e Maria. Uma sem a outra não gera a vida de Deus.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.combonianos.pt/alem-mar/actualidade/6/1294/martas-e-marias/

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Mais Marias e menos Martas...

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Precisamos urgentemente de mais Marias. 
*Artigo de Evaldo D´Assumpção,
médico e escritor

‘Numa das visitas de Jesus à casa de amigos, em Betânia, Marta, irmã de Lázaro estava atarefada com os muitos afazeres domésticos, enquanto Maria, sua irmã, estava sentada aos pés de Jesus, escutando-o atentamente. Incomodada com a situação, Marta disse a ele : ‘Não te importa que minha irmã me deixe sozinha no serviço?’ Ao que Jesus respondeu : ‘Marta, Marta! Andas muito inquieta e te preocupas em demasia com muitas coisas, todavia pouca coisa é necessária, e até mesmo uma só. Maria escolheu a melhor parte e essa não lhe será tirada!
Relembro esta narrativa bíblica, no final do capítulo 10 de Lucas, pensando nos dias atuais. Afinal, Marta representa muito bem as pessoas ativas, azafamadas, com a agenda cheia de tarefas, obrigações e compromissos excessivos. Com Maria, identificam-se as pessoas mais contemplativas, mais comprometidas com a sua qualidade de vida do que com a execução imediata e detalhada de tudo o que lhes pareça necessário fazer, por vezes nem tão necessário assim. 
Lembro-me então dos meus tempos de criança, adolescência e juventude, quando tinha meus compromissos colegiais, depois acrescidos dos cursos de piano e inglês, e mais tarde de jiu-jitsu. A despeito dessas atividades, sobrava-me tempo para brincar, frequentar o Minas Tênis Clube, e reunir-me com meus amigos, ir ao cinema, frequentar festas de aniversário, dançar, namorar, tudo sem atropelo, sem reclamar da falta de tempo que até parecia sobrar para tudo. Os anos se passaram, veio a vida adulta, o exercício da medicina, o casamento, filhos, inúmeras atividades, mas ainda assim não me recordo de tantas reclamações por falta de tempo, de angustias estressantes, insatisfação pela qualidade da vida. A condição de meus pais era de classe média típica, tendo casa própria e aproveitando as férias para viagens familiares, algumas vezes ao exterior. Falo das décadas de 50 a 70, quando era predominante a classe média, a qual se subdividia em três grupos : média baixa, média-média e média alta. Elas se integravam razoavelmente bem, quase sempre frequentando os mesmos lugares, estudando nos mesmos colégios. Eu diria que era uma época de certa forma tranquila.
Não sei precisar exatamente quando as condições de vida de quase todos os brasileiros dessa mesma classe média, mudaram completamente. E, como consequência dessas mudanças, cresceu a violência urbana, agravaram-se as competições profissionais e sociais e as pessoas se tornaram, em grande parte, pouco amistosas. A luta pela sobrevivência, a cada dia mais agressiva; a influência dos meios de comunicação que contribuíram, e ainda contribuem, para a mudança das pessoas, transformou aquela sociedade que eu diria pacata, num verdadeiro caldeirão efervescente. Nela todos correm, ninguém tem tempo para o outro nem para si próprio, as fisionomias que eram leves tornaram-se carregadas, o mundo que era gostoso para nele se viver, perdeu seus encantos, os quais se concentraram em ilhas onde quem delas não faz parte, dificilmente entra. A depressão, as angustias, as doenças psicossomáticas (praticamente 70% de todas as moléstias), passaram a tomar conta da população. Segundo a Anvisa (Agência nacional de vigilância sanitária) e de outras instituições de pesquisa, o consumo brasileiro do princípio ativo do calmante Rivotril (clonazepan), que em 2007 era de 29 mil caixas por ano, em 2015 passou para 23 milhões de caixas, tornando-se o medicamente mais prescrito pelos médicos.
Diante desse quadro, que até poderia ser bem mais explorado, ouso afirmar que estamos precisando, urgentemente, de mais Marias do que Martas. Não é sem razão que hoje se multiplicam os gurus e mestres de yoga, meditação e outras artes orientais de interiorização.
Os humanos começam a buscar, cada um por novos caminhos, condições para aquietar suas mentes, e por consequência seus corpos cansados e maltratados pela faina diária. São os que almejam se desvencilhar da Marta que trazem dentro de si, e que direciona sua existência, valorizando o trabalho acima de tudo, como se fosse a coisa mais importante, a própria razão de se viver.
Muitos criticam os que param, até para períodos de férias, essenciais à melhoria da eficiência laborativa e da própria sobrevivência.
Alguns rejeitam a aposentadoria porque querem, como orgulhosamente proclamam, morrer trabalhando. Outros afirmam ser o trabalho o sentido de suas vidas, como se fossem máquinas, robôs programados para a produção, tão cara para os defensores do capitalismo consumista irracional. Com isso não lhes sobra tempo para viver a família, não aproveitam para contemplar o desenvolvimento de seus filhos, não cultivam suas mentes com leituras, músicas harmoniosas, espetáculos teatrais, cinema, pois tudo isso consideram como perda de tempo. São as Martas, sempre voltadas para o trabalho e a produção.
Para o próprio bem estar pessoal, para a felicidade da família, para a harmonia social, precisamos urgentemente de mais Marias, voltadas também para o crescimento interior, para a paz de espírito, para a verdadeira felicidade, que é a nossa máxime razão de ser.’

Fonte :