Mostrando postagens com marcador Liturgia das Horas. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Liturgia das Horas. Mostrar todas as postagens

domingo, 9 de março de 2025

A atuação da reforma da Liturgia das Horas Monástica na Congregação Beneditina do Brasil

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Beneditinos de São Bento, Salvador, Bahia (Brasil). © AIM

 *Artigo de Dom Jerônimo Pereira, OSB

Mosteiro de São Bento de Olinda, PE


‘A vida liturgica emerge como a índole que, em certo sentido, distingue a vida monástica beneditina. Essa perspectiva norteou o Congresso internacional dos Abade e Priores Conventuais da Confederação Beneditina, sediado em Santo Anselmo, Roma, dos dias 19 de setembro a 04 de outubro de 1966, sob a direção do Abade Primaz Benno Walter Gut (1897-1970). O argumento central foi a reforma do Breviário Monástico. A acalorada discussão girava em torno dos temas da pluralidade ou uniformidade, do latim ou da língua vulgar, do canto ‘moderno’ ou do Canto Gregoriano, e, sobretudo para o Saltério, do aplicar o conceito da quantidade ou da qualidade. Era em jogo a procura do equilíbrio entre a letra e o espírito da Regra. O Congresso concluiu-se com a formação de uma comissão – De re liturgica – para estudar a forma mais adequada de responder e harmonizar esses impasses e acalmar os ânimos. No ano sucessivo se deu a segunda parte do Congresso (de 18 a 30 de setembro), como previsto. Votou-se nas propostas apresentadas pela comissão; elegeu-se o novo Abade Primaz, Dom Rembert George Weakland, formou-se uma nova comissão para prosseguir com os estudos, e no dia 15 de outubro do mesmo ano o Consilium ad exsequendam Constitutionem de Sacra Liturgia aprovou o uso ad experimentum do ordo provisório do Saltério, apresentado no Congresso pelo Abade Dom Emmanuel Maria Heufelder (1898-1982), Abade de Niederalteich, Alemanha.

No dia 10 de fevereiro de 1977, a Sagrada Congregação para os Sacramentos e o Culto Divino aprovou o documento litúrgico preparado pela comissão e apresentado para a aprovação pelo Abade Primaz no dia 11 de novembro de 1976, o Thesaurus Liturgiae Horarum Monasticae [1]. Para a distribuição do Saltério o Thesaurus apresenta quatro esquemas diferentes que levam os nomes dos seus autores : esquema A’ (da Regra de São Bento); B, organizado por um monge da Abadia suíça de Dissentis, Notker Füglister (esquema ‘Füglister’); C, chamado de ‘Scheyern’ por causa da Abadia homônima alemão onde foi idealizado e D, estruturado pelo trapista Chrysogonus Waddell, da Abadia de Gethsemani, Kentucky, Estados Unidos [2].

O processo de atuação em terras brasileiras

1. A constituição da commissio

Para atuar a reforma do Breviário Monástico em terras brasileiras, o Capítulo Geral da Congregação Beneditina do Brasil, sob a direção de Dom Basílio Penido, Abade do Mosteiro de São Bento em Olinda desde 1964 e Abade Presidente da Congregação de 1972 a 1996, instituiu uma comissão de monges e monjas sob a direção da Madre Maria Teresa Amoroso Lima (1929-2011), então Abadessa da Abadia de Santa Maria, em São Paulo. Compunha a comissão, além da supracitada Abadessa, Dom Timóteo Amoroso Anastácio (1910-1994), Abade do Mosteiro de São Sebastião, na Bahia; Dom Marcos de Araújo Barbosa, poeta e tradutor, da Abadia de Nossa Senhora do Monserrate, no Rio de Janeiro; Ir. Francisca Biolchini (1920-2012), da Abadia de Santa Maria em São Paulo; e duas monjas do Mosteiro de Nossa Senhora das Graças, em Belo Horizonte, a Ir. Maria Teixeira de Lima (1913-2012) e a Madre Martinha Marques Mello (1925-2020). Infelizmente, nos arquivos da Abadia de Santa Maria, não se encontram registros documentais dos trabalhos da comissão.

2. O método de trabalho da commissio e o resultado

A ‘renovação do Breviário Monástico’ consistia na tradução dos textos do então recentemente publicado Thesaurus. A comissão passou a reunir-se regularmente na Abadia de Santa Maria, em São Paulo. Segundo o testemunho da atual Abadessa de Santa Maria, Madre Escolástica Ottoni de Mattos, Dom Abade Timóteo Amoroso Anastácio, foi encarregado da tradução dos textos da Sagrada Escritura, procurando uma linguagem mais poética, enquanto os hinos eram traduzidos pela comissão, competindo a Dom Marcos de Araújo Barbosa os ajustes de métrica e rima da poesia. Os livros da Liturgia das Horas Segundo o Rito Monástico da Congregação Beneditina do Brasil foram publicados em quatro volumes. O primeiro veio à luz no ano de 1981, destinado ao ciclo das manifestações, Advento, Natal e Epifania, incluindo o Próprio dos Santos desse ciclo litúrgico [3]. O segundo volume, destinado às celebrações do Tempo Comum, incluindo as festas do Senhor : SS. Trindade, Corpus Christi, Sagrado Coração de Jesus e Cristo Rei, apareceu no ano seguinte, 1982 [4]. No início da Quaresma daquele mesmo ano de 1982 veio à luz o terceiro volume com os formulários para o ciclo da glorificação, Quaresma, Páscoa e Pentecostes [5]. O último volume, o Santoral, traz a data de apresentação da Festa de Santa Rosa de Lima, 23 de agosto do mesmo ano [6].

Os volumes são apresentados pela Madre Maria Teresa como experiência e publicação provisória, em vista de uma publicação completa e definitiva três anos mais tarde. Em todo o caso, apresentam-se escassos de oficialidade : não constam de um nihil obstat e apresentação da parte do Abade Presidente da Congregação e não têm nenhuma forma de ‘Praenotanda’.

3. Características gerais dos volumes

Em linhas gerais, os volumes, dos quais nunca veio à luz a prometida publicação completa e definitiva, têm a mesma apresentação assinada pela Madre Maria Teresa. Algumas linhas mestras foram observadas para essa publicação ‘provisória’, das quais apontamos as mais universais : Para manter reduzidas os números das páginas dos fascículos, não se incluiu a totalidade dos textos do Thesaurus, escolhendo apenas os esquemas A’, da Regra de São Bento, e o esquema B (esquema ‘Füglister’) de distribuição do Saltério. Em muitos casos, em vista do canto, os textos das antífonas do Thesaurus foram substituídos pelos textos do Psalterium Monasticum, de então recente edição pelos monges de Solesmes [7]. Pelo mesmo motivo incluíram-se somente as memorias obrigatórias. No fascículo do Tempo Comum foram incluídas as antífonas do Magnificat e do Benedictus com respectivos responsórios para as semanas pares (II) e ímpares (I). Para o final das Vigílias deu-se a possibilidade de usar o esquema da Regra de São Bento, presente também no Psalterium Monasticum solesmense. Os responsórios das Vigílias, tomados da Liturgia das Horas Romana, apareceram como apêndice, na espera da publicação do Lecionário Beneditino.

4. Questões ligadas ao canto

Com a tradução dos novos livros da Liturgia das Horas Monástica surgiu o problema da adequação do canto, especialmente das antífonas que tinham passado por mudanças dos mais diversos gêneros (mudança de lugar e de ordem, substituição, desaparecimento etc.), sem contar o número de novos textos dos responsórios breves e dos hinos, além das várias festas novas. Para responder a essa lacuna, a Madre Maria Teresa apresentou ‘pela comissão’ o Antiphonale Monasticum pro Diurnis Horis (Ad instar manuscripti) [8]. O Antiphonale oferece ‘melodias gregorianas para todos os textos, tiradas, em primeiro lugar, das fontes indicadas no ‘Thesaurus’, e também do ‘Psalterium Monasticum’ de Solesmes’. Para estar de acordo com o Psalterium solesmense substituíram-se antífonas indicadas no Thesaurus por outras com sentido similar e já musicadas. Alguns textos foram adaptados a melodias já existentes e copiou-se muitos responsórios breves publicados pelas Beneditinas do SS. Sacramento de Alatri, Itália.

O trabalho de confecção do Antiphonale pode ser dividido praticamente em três etapas : a primeira corresponde ao período da coleta de livros ‘antigos e novos’ entre as comunidades; a segunda, a experimentação que algumas comunidades faziam à medida que as folhas (folhetos) eram impressas e, finalmente, a reunião de todo o material num volume que supera o número de 900 páginas. O critério fundamental era que tudo se aproximasse ao máximo da Liturgia das Horas Monástica que era já em processo de uso nas comunidades. O Antiphonale, impresso de forma muito artesanal, apresenta duas datas. Na primeira página encontra-se a data de 24 de novembro de 1981, onde a Madre Maria Teresa assinala o início das comemorações do 700 aniversário do início do Louvor Divino na Abadia de Santa Maria. Duas páginas depois, no fim da apresentação geral do volume, aparece a data da Festa da Exaltação da Santa Cruz (14 de setembro) de 1982.

Conclusão e questões abertas

Passadas 4 décadas, a Congregação Beneditina do Brasil nunca procurou levar a cabo o projeto de uma edição definitiva dos seus livros corais. Uma série de inciativas foram tomadas isoladamente, fazendo com que cada comunidade se organizasse de acordo com as suas próprias forças para manter, dentro do possível, uma celebração coral digna.

É bem verdade que somente em 2018 apareceu a tradução oficial da Bíblia, obra da Conferência episcopal (CNBB), de onde se deveriam extrair os textos para o uso litúrgico, cujo Saltério não se adequa ao canto, especialmente coral, e esse ano o Missal Romano, com a tradução dos textos eucológicos.

Com relação ao canto, convém salientar que nem todas as comunidades, pelas mais variadas razões, fazem mais um uso abundante do latim, e consequentemente do Canto Gregoriano, nas suas celebrações, tanto da Missa quanto do Ofício, o que, se de um lado lamenta-se a perda de um tesouro multissecular, de outro alegra-se, porque tal ‘acidente de percurso’ suscitou o desenvolvimento de um repertório justo à atual situação, embora correndo-se sempre o risco de melodias de gosto duvidoso.

O grande desafio de uma reedição dos livros corais para a Congregação Beneditina do Brasil, o que se faz absolutamente necessário, é a manutenção do equilíbrio em manter alta a qualidade da oração coral em todos os seus elementos, sem sufocar a criatividade operosa de cada comunidade, masculina e feminina, levando em consideração as suas mais variadas características, e o fato de estarem espalhadas num território multicultural e de dimensões continentais, chamado Brasil.’

[1]   Thesaurus Liturgiae Horarum Monasticae, éd. Secretariatus Abbatis Primatis, Tipografia Leberit, Rome, 1977.

[2]   Cf. R. M. Leikam, «El Thesaurus liturgiae horarum monasticae de 1977 y la renovación del opus Dei benedictino», Cuadernos Monásticos 86 (1988), 299-330.

[3]   Liturgia das Horas Segundo o Rito Monástico I: Tempo do Advento, Natal e Epifania, éd. Congregação Beneditina do Brasil, Lumen Christi, Rio de Janeiro, 1981.

[4]   Liturgia das Horas Segundo o Rito Monástico II: Tempo Comum, éd. Congregação Beneditina do Brasil, Lumen Christi, Rio de Janeiro, 1982.

[5]   Liturgia das Horas Segundo o Rito Monástico III: Tempo da Quaresma, Páscoa e Tempo Pascal, éd. Congregação Beneditina do Brasil, Lumen Christi, Rio de Janeiro, 1982.

[6]   Liturgia das Horas Segundo o Rito Monástico IV: Próprio e Comum dos Santos, éd. Congregação Beneditina do Brasil, Lumen Christi, Rio de Janeiro, 1982.

[7]   Psalterium Monasticum cum Canticis Novi & Veteris Testamenti. Psalterium Monasticum iuxta regulam S.P.N. Benedicti et alia schemata Liturgiae Horarum Monasticae cum canto gregoriano cura et studio monacorum solesmensium; abbaye Saint-Pierre, Solesmes, 1981.

[8]   Antiphonale Monasticum pro Diurnis Horis (Ad instar manuscripti), ed. Abadia de Santa Maria, São Paulo 1981.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.aimintl.org/pt/communication/report/125

sexta-feira, 7 de março de 2025

Liturgia monástica: O grande “hoje” de Deus

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Dom Jean-Pierre Longeat, OSB

ex-Presidente da AIM

 

‘As poucas reflexões propostas aqui pretendem ser um convite para escolher viver hoje como o dia mais importante e real que nos é dado. Hoje, como todos os dias, tudo acontece pela força e verdade dos seres e das coisas, desde que nossas vidas estejam dispostas a acolhê-los. Como se sabe, a liturgia destaca esse ‘hodie’, esse presente que nos faz entrar no dia sem fim de Deus.

Essa proposta é feita pensando em todos aqueles que, hoje, como todos os dias desde a criação dos seres humanos, têm sede de ser, de viver, de compreender, de compartilhar, de amar, de existir intensamente em uma humanidade que clama por sua sede e desejo, sem realmente saber quais podem ser o objeto e o modo.

Primeiro, colocaremos a questão da escuta diária : ‘Hoje, se ouvirdes a minha voz’; depois a do alimento diário : ‘O pão nosso de cada dia nos dai hoje’, e finalmente nos voltaremos para o Dia de Deus, o dia além dos dias, o dia prometido e tão desejado.

 ‘Hoje, se ouvirdes a minha voz, não permitais que se endureçam vossos corações’ (Sl 94)

Este versículo do salmo é citado no início da Regra de São Bento :

‘Levantemo-nos então finalmente, pois a Escritura nos desperta dizendo : ‘Já é hora de nos levantarmos do sono’. E, com os olhos abertos para a luz deífica, ouçamos, ouvidos atentos, o que nos adverte a voz divina que clama todos os dias : ‘Hoje, se ouvirdes a sua voz, não permitais que se endureçam vossos corações’, (Sl 94, 8). E em outro lugar : ‘Quem tem ouvidos para ouvir, ouça o que o Espírito diz às igrejas’ (Ap 2, 7). E o que ele diz? ‘Vinde, meus filhos, ouvi-me; eu vos ensinarei o temor do Senhor’ (Sl 33, 12). ‘Correi enquanto tendes a luz da vida, para que as trevas da morte não vos apanhem’ (Jo 12, 35).’ (Pról. 8-13).

O salmo 94 é ou era cantado todos os dias no início do Ofício de Vigílias na liturgia beneditina : é por excelência o salmo invitatório, o salmo que convida à oração com suas diferentes partes.

Primeiramente, um apelo geral ao louvor : ‘Vinde, exultemos de alegria pelo Senhor, aclamemos o Rochedo que nos salva! Avancemos para Ele com ações de graças! A Ele, nossos cânticos e aclamações!’ [1]. Em seguida, uma ação de graças pela obra da criação : ‘Ele é o grande Deus, o Senhor, o Rei, maior do que todos os deuses! Em Sua mão, as profundezas da terra; também a Ele pertencem os cumes das montanhas.  A Ele o mar, pois foi Ele que o fez, e os continentes que Suas mãos modelaram.’ Antes mesmo de ser reconhecido como o Criador de todas as coisas, o Senhor é confessado como o Deus único, o Deus grande acima de todas as grandezas, de todas as alturas. É por isso que Ele pode segurar em Sua mão todos os elementos criados, das profundezas da terra aos cumes das montanhas, em toda a extensão dos mares e continentes.

Depois, uma oração agradecida pela obra da salvação em relação direta com a caminhada no deserto e as maravilhas ali realizadas pela mão do Senhor. Esta oração é acompanhada de um convite ao arrependimento, garantia da verdadeira ação de graças : ‘Vinde, inclinemo-nos, prostremo-nos! Adoremos o Senhor que nos fez! Sim, Ele é nosso Deus, e nós somos o povo que Ele conduz, o rebanho guiado por Sua mão... Não endureçais vossos corações como no deserto, como no dia da revolta e do desafio, quando vossos pais me desafiaram e provocaram, apesar de terem visto o que fiz!’ Esta ação de graças pela redenção e este apelo ao arrependimento estão ligados a uma nova confissão de fé : ‘Ele é nosso Deus, e nós somos o povo que Ele conduz...’.

Por fim, o salmo termina com uma evocação da promessa feita por Deus ao homem de compartilhar Sua vida em Seu repouso eterno, no último sábado, se o coração humano não se desviar, com uma nova referência ao pecado de Israel no deserto : ‘Quarenta anos, suportei essa geração; eu disse : ‘É um povo de coração desviado; eles não querem saber dos meus caminhos’. Por isso, jurei na minha ira : ‘Jamais entrarão na terra do meu repouso!’’.

No meio desse conjunto, surge o versículo citado por São Bento : ‘Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais vossos corações!’. Portanto, neste salmo, há a dimensão da memória, a da promessa e a que dá sentido a ambas, a da atualidade cotidiana. Esta é uma das chaves da espiritualidade cristã. São Bento, seguindo a tradição monástica, é um comentarista particularmente notável.

Do que se trata? Trata-se de viver cada dia acordado. Cada manhã e cada instante do dia são um chamado feito pela voz de Deus. Este chamado só pode ser percebido por aqueles que estão atentos a ele. Aqueles que abrem os olhos e os ouvidos de seus corações para ver e ouvir ‘o que o olho não viu, o ouvido não ouviu, o que Deus preparou para aqueles que O amam’ (1 Cor 2, 9 citado por RB 4, 77). O que pode nos tornar infelizes nesta vida é estar aprisionado na ilusão dos sentidos externos. Se vejo apenas com meus olhos físicos, se ouço apenas com os ouvidos do meu corpo, ainda não vi nem ouvi nada que possa me permitir saborear a verdadeira vida.

A cada dia, a cada segundo, através dos seres e das coisas criadas, nos é dada a totalidade da existência. No entanto, muitas vezes, estamos dormindo e só sonhamos. É urgente, constantemente urgente, acordar, levantar, ressuscitar e começar a ouvir : ‘Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais vossos corações’. Este é um dos propósitos essenciais do Evangelho. Para poder ouvir, o coração precisa ser tocado, convertido, circuncidado. É preciso reler a este respeito o discurso da montanha no início do Evangelho de São Mateus. Desde o primeiro versículo do Prólogo, São Bento nos convida : ‘Escuta, inclina o ouvido do seu coração’ (Prol. 1).

Ao comentar o versículo citado do Salmo 94, a epístola aos Hebreus atualiza de maneira especialmente forte nossa relação com a Palavra de Deus, que o homem recebe para colocar em prática, a fim de poder saborear um dia o descanso de Deus : ‘Viva é a Palavra de Deus, eficaz e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, penetra até o ponto de divisão entre a alma e o espírito, entre as articulações e a medula, e pode julgar os pensamentos e intenções do coração. E não há criatura invisível diante dela, mas tudo está nu e descoberto aos olhos daquele a quem devemos prestar contas’ (Hb 4, 12-13). Nossa vida está totalmente orientada para essa perspectiva do hoje da Palavra que ocorre em nossas vidas humanas para que possamos dizer com Cristo : ‘Hoje se cumpriu aos vossos ouvidos esta passagem da Escritura’ (Lc 4, 21)?

 ‘O pão nosso de cada dia nos dai hoje’ (Mt 6, 11; Lc 11, 3)

Não basta inclinar o ouvido do coração e não o endurecer para ouvir o chamado do Senhor por meio de Sua Palavra diária; é também necessário aceitar receber o que o Senhor providencia para nós diariamente, de acordo com Sua vontade.

É bom aqui fazer referência à experiência de Israel no deserto. O Senhor providencia gratuitamente para a fome de Seu povo, enviando durante a noite ‘uma camada de orvalho ao redor do acampamento’. Essa camada de orvalho, uma vez evaporada pela manhã, revela na superfície do solo algo pequeno e granuloso. ‘Este é o pão que o Senhor vos deu para comer. Eis o que o Senhor ordenou : Cada um recolha conforme o que pode comer’. E Moisés lhes disse : ‘Que ninguém guarde nada para o dia seguinte’; ‘Eles recolhiam a cada manhã, cada um conforme o que podia comer, e quando o sol esquentava, aquilo derretia’ (cf. Ex 16, 13-21). O alimento diário do maná descido do céu é, portanto, um elemento-chave da espiritualidade do hoje proposto por Deus ao Seu povo.

O Evangelho de São Mateus faz um belo comentário sobre este dom do céu :

‘Não vos inquieteis pela vossa vida, quanto ao que haveis de comer; nem pelo vosso corpo, quanto ao que haveis de vestir. [...] Portanto, não vos inquieteis, dizendo : o que vamos comer? O que vamos beber? O que vamos vestir? [...] Vosso Pai celeste sabe que necessitais de tudo isso. Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e tudo isso vos será dado por acréscimo. Portanto, não vos inquieteis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará os seus cuidados. A cada dia basta o seu próprio mal’ (Mt 6, 25-34).

Será que devemos levar esses textos ao pé da letra? Não, isso não é suficiente, é necessário interpretá-los. Mas também é indispensável saber viver essa entrega diária com o abandono de uma fé sempre a ser renovada. Está claro que nossa busca raramente é, em primeiro lugar, pelo Reino de Deus, e é isso que apresenta um problema. Se, como os israelitas no deserto, quisermos fazer provisões de maná, se quisermos acumular o dom de Deus, se não aceitarmos receber diariamente apenas os dons que nos são necessários, não poderemos realizar a vida de Deus neste mundo.

O discurso sobre o Pão da Vida apresenta o cumprimento desse sinal do maná. Cristo nos revela que Ele mesmo é o Pão da Vida. ‘Vossos pais comeram o maná no deserto e morreram; este é o pão que desce do céu, para que todo o que dele comer não pereça. Eu sou o pão vivo que desceu do céu. Se alguém dele comer, viverá eternamente’ (Jo 6, 49-51).

Nosso único verdadeiro alimento cotidiano é Cristo, dado para que o mundo tenha vida. Recebemos isso em Sua palavra ruminada e na oração, no pão da Eucaristia e nos sacramentos, bem como na comunhão fraterna.

Assim, ‘O pão nosso de cada dia nos dai hoje’ só pode ser compreendido plenamente nessa relação diariamente renovada com Cristo entregue. É assim que podemos buscar o Reino e Sua justiça, é assim que podemos nos contentar com o alimento cotidiano.

Toda a vida de Cristo é assim, como relata São Lucas à sua maneira : ‘Hoje, se cumpriu a Escritura que acabais de ouvir’ (4, 21); após a cura do paralítico, as testemunhas exclamam : ‘Hoje, vimos prodígios’ (5, 26). ‘Eis que expulso demônios e realizo curas hoje e amanhã, e no terceiro dia serei consumado! Mas hoje, amanhã e no dia seguinte, devo seguir meu caminho, pois não é conveniente que um profeta pereça fora de Jerusalém’ (13, 32-33). ‘Zaqueu, desce depressa, pois me convém ficar hoje em tua casa... Hoje, a salvação chegou nesta casa...’ (19, 5-9).

Assim, é possível nos interrogar a respeito de nosso alimento diário. Estamos realmente recebendo Cristo em primeiro lugar para cumprir a vontade de Deus, ou estamos nos preocupando com um acúmulo completamente supérfluo que não podemos levar para o túmulo? Nossa vida está sob o sinal primário da Eucaristia, com todas as suas dimensões espiritual, pessoal, comunitária e social, ou é algo particularmente vão? Aceitar receber o alimento cotidiano do Cristo é aceitar que nossos planos imediatos sejam desviados e vivê-los alegremente seguindo Jesus que sobe a Jerusalém em direção ao Seu Êxodo.

São Bento prescreve ao abade lembrar este ensinamento do Evangelho, para que não esqueça ‘não trate com mais solicitude das coisas transitórias, terrenas e caducas, negligenciando ou tendo em pouco a salvação das almas que lhe foram confiadas, mas pense sempre que recebeu almas a dirigir, das quais deverá também prestar contas. E para que não venha, porventura, a alegar falta de recursos, lembrar-se-á do que está escrito : ‘Buscai primeiro reino de Deus e sua justiça, e todas as coisas vos serão dadas por acréscimo’’ (RB 2, 33-35).

O Dia do Senhor

Mas o hoje real na vida dos crentes é o grande hoje de Deus que se estende por toda a história e muito além. De fato, para o Senhor, ‘mil anos são como um dia’ (Sl 89), e ‘mais vale um dia nos átrios do Senhor que mil em minha morada’ (Sl 83, 11). Este hoje de Deus é o da Sua vinda permanente. O Senhor não cessa de vir, Ele visita a Sua criação, dirige-lhe a palavra, encarna-se nela, promete a Sua vinda gloriosa quando Cristo for tudo em todos.

Assim, a Revelação bíblica está pontuada pela proclamação deste hoje de Deus que se manifesta constantemente na vida dos homens : ‘Houve uma tarde, houve uma manhã, o primeiro dia’ (Gn 1,5); ‘Este é o dia que o Senhor fez’ (Sl 117, 24); ‘Naquele dia...’incessantemente proclamado nos profetas; esta expressão não visa necessariamente uma projeção no futuro, é um anúncio do dia de hoje, onde cada um é chamado a escolher entre a vida e a morte (cf. Deuteronômio). O Evangelho de São Lucas abre-se com o anúncio da Boa Nova : ‘Hoje, na cidade de Davi, nasceu-vos um Salvador’ (Lc 2, 11), e conclui com a promessa : ‘Hoje estarás comigo no Paraíso’ (Lc 23, 43).

Mas o que expressa melhor este grande dia de Deus é o hoje da celebração litúrgica. Na liturgia latina, hodie ressoa como uma esperança extraordinária ao longo de todo o ano. O hodie mais famoso é o de Natal : ‘Hodie Christus natus est…’ – ‘Hoje, Cristo nasceu para nós; hoje, o Salvador apareceu; hoje os anjos cantam na terra, os arcanjos se alegram; hoje os justos exultam, dizendo : ‘Glória a Deus nas alturas’’ (antífona do Magnificat das II Vésperas de Natal). Essa antífona encontra sua preparação no ofício da Vigília de Natal, onde é anunciado o hoje da revelação : ‘Hoje sabereis que o Senhor virá, e amanhã vereis a sua glória’. Podemos adicionar a essa antífona de Natal a da Epifania : ‘Hodie caelesti sponso’ – ‘Hoje, a Igreja se uniu ao seu Esposo celeste, pois Cristo a lavou de seus pecados no Jordão; os Magos correm com seus presentes para as núpcias reais, e os convivas se alegram com a água transformada em vinho’ (antífona do Benedictus das Laudes da Epifania). A antífona do Magnificat das II Vésperas  retoma esse tema : ‘Hoje, a estrela guiou os Magos até o presépio; hoje, a água se transformou em vinho no festim nupcial; hoje, no Jordão, Cristo quis ser batizado por João, para nos salvar’. No mesmo espírito, a antífona do Magnificat das II Vésperas de Pentecostes anuncia o Mistério atualizado neste dia : ‘Hoje se completaram os dias de Pentecostes; hoje, o Espírito Santo apareceu aos discípulos sob a forma de fogo e derramou sobre eles dons misteriosos; ele os enviou pelo mundo para pregar e testemunhar. Aqueles que crerem e forem batizados serão salvos’. No meio de tudo isso, há obviamente o domingo de Páscoa e o Tempo Pascal, onde ressoa o ‘Haec dies quam fecit Dominus’ tirado do Salmo 117, 24, o salmo pascal por excelência : ‘Este é o dia que o Senhor fez, exultemos e alegremo-nos nele’. Este dia é o Dia dos dias : o verdadeiro hoje da vida divina. Algumas antífonas marianas recentes (8 de dezembro, 11 de fevereiro) retomaram esse tema, e a liturgia beneditina o aplicou a São Bento, Santa Escolástica e São Mauro. O domingo é o grande Dia do Senhor, ao mesmo tempo o primeiro dia da criação, assim como da redenção na ressurreição de Cristo, e o oitavo dia, dia além dos dias, dia de Deus transfigurando todas as coisas, dia de sua vinda. O sacramental do domingo é verdadeiramente de grande importância para a expressão da vida de Cristo. Devemos desenvolver em cada uma de nossas vidas uma espiritualidade deste cotidiano que é o hoje de Deus. É o dia do nascimento, é o dia do começo, do recomeço, é o dia da ressurreição e é também o hoje da eternidade, o dia em que as aparências desaparecem para dar lugar à realidade, o dia do discernimento, que é outro nome para o julgamento.

Ao cantar os mistérios no hoje, a liturgia faz com que eles se realizem aqui como figura. Os fiéis tornam-se assim contemporâneos dos mistérios celebrados, que tomaram forma num dia do tempo e que estão sempre atuais. Este é o verdadeiro sentido do memorial cristão.

Um velho monge de nosso mosteiro, falecido há alguns anos, viveu a última parte de sua vida na convicção de que cada manhã era domingo, e como era sacristão, ele preparava diariamente tudo o que era necessário para a liturgia dominical. Claro, esse monge idoso tinha perdido um pouco o juízo, a menos que, na verdade, tenhamos sido nós que a perdemos, e ele, nessa candura, a tenha recuperado após cerca de setenta anos de vida monástica.

Um monge do deserto do Egito, no século IV, repetia a si mesmo toda manhã : ‘Hoje, eu começo’. Que este começo nunca deixe de habitar nossa ação : assim iremos, nas palavras de Gregório de Nissa, ‘de começo em começo, por começos que não têm fim’, e é assim que chegaremos ao dia sem declínio que Deus nos oferece já em figura.

Conclusão

Não basta estabelecer alguns princípios de análise; é igualmente necessário derivar deles consequências concretas.

Será que realmente ouviremos o chamado que ressoa em nossos ouvidos vindo de Deus? Teremos o coração suficientemente receptivo para entrar no hoje da Palavra? Estamos verdadeiramente nos perguntando se estamos mantendo contato com a Palavra divina de alguma forma (leituras bíblicas e espirituais, oração, meditação, ruminação, lectio divina)? Será que nosso hoje é o advento de Deus em nós e ao nosso redor, procurando e chamando Seu operário de maneiras sempre inesperadas? Faremos da nossa vida um companheirismo cotidiano? Como partilhar o Pão de Deus com irmãos e irmãs? Como receber o maná, que é o verdadeiro Pão da Vida? É evidente que, quando sabemos que metade dos habitantes do nosso planeta morre de fome, realmente nos perguntamos onde está a oração : ‘O pão nosso de cada dia nos dai hoje’; há, então, impossibilidade de nos tornarmos discípulos na travessia do deserto deste mundo?

Finalmente, como nossa vida testemunha o Dia além dos dias? Sabemos relativizar os bens imediatos para nos entregarmos a Deus, com a coragem de um trabalho incansável, mas desprovido da preocupação de nos promovermos? O dia de Deus é sempre um dia de julgamento, onde somos desnudados para sermos verdadeiramente o que devemos ser : simples criaturas, simples servos que se reconhecem como filhos de Deus para a eternidade. Aí está o nosso tesouro, e ‘onde está o teu tesouro, aí também estará o teu coração’ (Mt 6, 21).

‘Este é o dia que o Senhor fez; alegremo-nos, passemo-lo na alegria’ (Sl 117, 24).’

[1] As citações dos salmos são provenientes da tradução do saltério pelos monges de Ligugé, publicada em ‘Le Psautier de Ligugé’, edições Saint-Léger, 2019.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.aimintl.org/pt/communication/report/125

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Liturgia das horas para os leigos


 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Resultado de imagem para liturgia das horas
*Artigo de Didier Rance


‘Os primeiros cristãos eram ‘fiéis às orações’ (Atos 2:42). Essa oração das Horas passou por muitas evoluções, mas o princípio permaneceu o mesmo : atender ao chamado de Cristo para orar em todos os momentos, como Igreja e baseados na Palavra de Deus (especialmente nos Salmos). O Concílio Vaticano II reiterou a obrigação para os clérigos e pessoas consagradas. Além disso, revivendo a tradição mais antiga, recomendou-se a todos os fiéis que a rezassem ‘com o clero, em comunidade ou sozinhos’ (Sacrosanctum Concilium, n ° 100). A Liturgia das Horas é assim ‘destinada a se tornar a oração de todo o povo de Deus’ (Catecismo da Igreja Católica § 1175).

O que é a liturgia das horas?

A Liturgia das Horas é composta de louvores matinais (laudes), nos quais se dedica o dia a Deus e, por ações de graças à noite (vésperas). Além das orações ao longo do dia (terceira, sexta, nona) e da oração antes da hora de dormir (completas). Há também o ofício das leituras, que não tem um horário fixo. Esse ciclo diário dura quatro semanas e se combina com o ciclo anual da liturgia : Advento, Natal, Tempo comum, Quaresma, Páscoa, celebrações dos mistérios de Cristo, da Virgem Maria e dos santos.

Pausas e descansos são parte integrante desta rotina para promover a ressonância no coração da voz do Espírito Santo. A maioria desses elementos varia de acordo com os dias e as épocas do ano; o domínio do livro da Liturgia das Horas requer algum estudo para saber como manipula-lo. 

Por que rezar a liturgia das Horas?

Ela é a oração oficial de toda a Igreja, a ‘voz da Esposa que se dirige ao Esposo’ (Vaticano II). Ao rezarmos, ritmamos os nossos dias com a Igreja, participamos de sua missão de louvor e intercessão, estamos em comunhão mais estreita com todos aqueles que rezam diariamente. A Liturgia das Horas é a pedagogia do Espírito Santo, em particular através dos Salmos. Rezamos em diálogo com Deus, respondemos a Ele com suas próprias palavras, com sua Palavra!

Essas músicas podem ter mais de um milênio e meio de idade, mas é sobre nós e para nós que elas falam. Elas ainda são atuais e muitas vezes muito mais reais do que aquilo que podemos ler nos jornais. Felicidade, infortúnio, lutas da vida, desespero, súplica, intercessão e, acima de tudo, louvor e gratidão – toda a paleta de relacionamentos com Deus, com os outros e consigo mesmo está lá. Com os Salmos, não há perigo de viver um cristianismo ruim ou diluído! Graças a eles, a vida se transforma em oração e a oração em uma escola da vida (e até, através do louvor, uma escola da vida eterna).

Acima de tudo, não se opõe à oração pessoal e ao estudo bíblico

Jesus nos disse : ‘Quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo’ (Mt 6: 6), mas também: ‘Porque onde dois ou três estão reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles’ (Mt 18, 20). Esses dois modos de oração irrigam e fertilizam um ao outro para transfigurar nossos dias juntos à luz de Cristo.

Essa forma de oração recomendada pela Igreja, inclusive para as famílias, deve se tornar uma obrigação moral para todos? Não. Aqui devemos levar em consideração as vocações e possibilidades de cada um de seus membros. O rosário também é uma oração familiar altamente recomendada pela Igreja, e outras formas de oração produzem bons frutos, para o lar e além. Que a experiência – especialmente a das crianças – seja a mestre da verdade aqui. Mas se uma comunidade religiosa ou uma paróquia reza as Horas não muito longe de sua casa, por que não participar quando possível?

Como ler os Salmos?

É melhor, é claro, cantar os Salmos, porque são canções (alguns até têm indicações de melodia e instrumentos). O principal é que seja belo e que ‘a alma esteja em harmonia com a voz’ (São Bento). No entanto, não podemos ignorar a existência das lutas, mesmo após o domínio do processo. Por exemplo nas situações de ‘estou sem tempo!’, do estresse da vida moderna, cujo ritmo caótico não combina bem com o da liturgia, das distrações ou da estagnação da rotina, acrescenta-se ainda a distância cultural com os Salmos e a repugnância diante da violência de alguns (mesmo que os versos mais chocantes à mentalidade contemporânea não sejam cantados). Devemos aprender a leitura cristã e espiritual dos Salmos, e perseverar.

Os Salmos, que falam tantas vezes de combate, não poderiam ser diferentes. Para muitos de nós, incluindo clérigos, o ofício divino cantado ou recitado sozinho requer uma atitude de quase heroísmo. Mas, em troca, que alegria é experimentar a misericórdia de Deus dia após dia, saber que estamos ‘cercados por essa imensa nuvem de testemunhas’ (Hb 12, 1) que se nutriram dos Salmos através dos tempos!

E, às vezes, sem que o busquemos, o verso de um salmo repentinamente chama a sua atenção, como se você o tivesse ouvido pela primeira vez, como se ele tivesse sido escrito apenas para você. Isso vai mexer com o seu interior, e talvez até mudar a sua vida. Acima de tudo, sua intimidade com Cristo aumentará. Aquele que orava e cantava esses Salmos, gostava de levantar-se antes do nascer do sol para a oração da manhã (Mc 1:35) e às vezes prolongava a oração da noite pela madrugada (Lc 6, 12). Nosso coração em seu coração, nossa experiência de oração fundada na deles, podemos então dizer : ‘Vivo, mas não sou mais eu, é Cristo que vive em mim’ (Gl 2, 20), e seremos então introduzidos em sua intimidade com o Pai.’


Fonte :

domingo, 5 de maio de 2019

A Sete Horas Canônicas

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Helber Clayton



‘Obviamente que para nós que estamos envolvidos com as labutas diárias, trabalho, estudo e outros compromissos, é difícil rezar sete vezes ao dia.

Mas a oração é como um poço. Como aquele poço de Jacó, onde o Senhor está sentado a nos esperar para saciar a nossa sede com a água viva de sua presença. E o coração fiel, tomado pela devoção, e sedento de encontrar-se com o seu Deus, sempre encontrará pelo menos 2 ou 3 momentos para se entreter com Ele, falando e também ouvindo sua voz, num intenso diálogo de amor.

OFICIO DAS LEITURAS

O ofício das leituras é resultado da reforma litúrgica que aconteceu na Igreja após o Concílio Vaticano II. Antes havia as Matinas, que era composta por três noturnos, cada noturno com três salmos mais as leituras longas da Escritura e da patrística. Com a reforma litúrgica, as matinas passam a se chamar OFÍCIO DAS LEITURAS que ficou reduzido a uma tríade de salmos e duas leituras longas, uma da Escritura e outra da patrística ou de algum documento da Igreja. Nas Solenidades e Festas é possível estender a oração, que são acrescidas de mais três cânticos e o Evangelho. Essa extensão do Ofício das Leituras é chamado de Vigílias.

Como vimos, o Ofício das Leituras é originalmente oração noturna, para ser rezada durante a madrugada, mas, com a reforma litúrgica, acrescentou-se também a possibilidade de ser rezado a qualquer hora do dia e da noite, à escolha de quem reza.

LAUDES

Na transição entre a noite e o dia, somos chamados às LAUDES, os louvores da manhã. A finalidade das Laudes é consagrar a Deus os primeiros movimentos de nossa alma, antes de sairmos para o trabalho, de se envolver nos afazeres domésticos, com estudos ou qualquer outra atividade. É a consagração das primícias do dia para o Senhor. A hora mais apropriada para a oração da Laudes é próximo do nascer do sol, que lembra a ressurreição do Senhor na manhã de páscoa, o Sol nascente que nos veio visitar, como exclama Zacarias no famoso canto do Benedictus.

Uma curiosidade : Após as Laudes seguia a Hora Prima, ou seja, a primeira hora após o nascer do sol. A hora prima foi extinta após a reforma litúrgica.

HORA MÉDIA (Terça, Sexta e Noa)

A hora média, também chamada de ‘horas meridianas’ é oração durante o curso do dia. Ela é dividida em três momentos : A HORA TERÇA, A HORA SEXTA E A HORA NONA ou NOA. Esses nomes dados a essas horas são os mesmos que os antigos judeus identificavam as horas do dia a partira do nascer do sol. Desse modo, a hora terça corresponde as 9 da manhã, a hora sexta ao meio-dia, e a hora nona as 15 horas. Esses três momentos também lembram acontecimentos da História da nossa salvação, como a descida do Espírito Santo na manhã de Pentecostes, ás 9 horas, A crucificação do Senhor as 12 horas e morte do Senhor na cruz as 15 horas.

VÉSPERAS

No encontro entre o dia e a noite, somos convidados a rezar as VÉSPERAS. Essa oração deve ser rezada o mais próximo possível do por do sol. Ela sempre nos lembra da fragilidade humana e da esperança da nossa completa restauração em Deus. A oração das vésperas é, portanto uma oração de gratidão por tudo que recebemos de Deus durante o dia e tudo que temos ainda por receber na vida futura. O Senhor, assim como sol que se põe no horizonte, amanhã voltará para nos iluminar e alegrar nossa existência.

COMPLETAS

Por fim, as completas. É a oração que fecha o ciclo da vida de oração. E as completas sempre lembram da morte, não como algo assombroso ou temível, mas como o sono necessário para o despertar de uma nova vida. É uma oração de profunda entrega e confiança em Deus. Nas completas sempre terminamos nos braços da Virgem Mãe, recitando para ela belíssimos e antiquíssimas orações em forma de poesia.

Este é o ciclo completo das HORAS CANÔNICAS propostas para nós pela Igreja. Se não puder rezar os sete, escolha pelo menos dois ou três e viva intensamente essa maravilhosa Oração da Igreja.

Um grande abraço, e que a paz de Nosso Deus esteja em teu coração, em tua vida.’


Fonte :