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sábado, 3 de maio de 2025

Conclave, uma história entre a Idade Média e o futuro

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Amedeo Lomonaco e Mariangela Jaguraba


‘Por alguns dias, a Capela Sistina se abre ao olhar da história e se fecha aos olhos do mundo. A partir do dia 7 de maio próximo, os cardeais eleitores são chamados a eleger o Pontífice. O Conclave, agora iminente, é o septuagésimo sexto na história da Igreja; o vigésimo sexto realizado sob os auspícios do Juízo Final de Michelangelo.

Cum-clave

O termo Conclave, que deriva do latim ‘cum-clave’, referia-se a um espaço reservado na casa, precisamente ‘fechado a chave’. Na linguagem da Igreja, é usado para indicar tanto o local fechado onde se realiza a eleição do Pontífice quanto o conjunto do Colégio Cardinalício chamado a eleger o novo Papa.

A eleição do Papa

O que está prestes a se iniciar é o septuagésimo sexto Conclave, estruturado na forma que conhecemos hoje, partindo do que foi estabelecido por Gregório X em 1274. No período anterior a essa data, falava-se simplesmente da eleição do Pontífice. Durante os primeiros 1.200 anos, aproximadamente, da história da Igreja, o Sucessor de Pedro, como Bispo de Roma, era de fato eleito com o envolvimento da comunidade local. O clero examinava os candidatos propostos pelos fiéis e o Papa era escolhido pelos bispos. Do século IV ao XI, a eleição também foi marcada pela questão das influências externas : imperadores romanos, carolíngios e outros tentaram de várias maneiras controlar o processo de designação do Pontífice.

As raízes do Conclave

Ao longo dos séculos, sucederam-se mudanças que moldaram a estrutura do Conclave até o atual. O primeiro a intervir, nesse sentido, foi o Papa Nicolau II, em 1059, com a bula ‘In nomine Domini’. Nesse documento, estabeleceu-se, em particular, que somente os cardeais poderiam eleger o Romano Pontífice. Essa bula foi definitivamente ratificada pela Constituição Licet de vitanda, promulgada por Alexandre III em 1179. Ela introduziu a necessidade da maioria de dois terços dos votos, um elemento importante da eleição do Papa que chegou até os dias atuais.

A eleição de 1268

Em 1268, realizou-se um capítulo descrito por muitas fontes históricas. Dezoito cardeais se reuniram no Palácio Papal de Viterbo para eleger o Papa. Foi o ‘Conclave’ mais longo da história. O Papa foi eleito após dois anos e nove meses. Eram tempos difíceis. Durante esse longo período, a população de Viterbo, exasperada, decidiu trancar os cardeais no Palácio. As portas foram fechadas com tijolos e o telhado removido. Por fim, Gregório X, arquidiácono de Liège, que na época se encontrava na Terra Santa, foi eleito. Em 1274, ele promulgou a Constituição Ubi periculum, que instituiu oficialmente o Conclave. Entre outras coisas, estabeleceu-se que ele deveria ser realizado num local precisamente ‘fechado a chave’ por dentro e por fora.

O primeiro Conclave da história

De acordo com essas disposições, o primeiro Conclave da história, após a promulgação da Constituição Ubi periculum, foi o de Arezzo, em 1276, com a eleição de Inocêncio V. Em 1621, Gregório XV introduziu a obrigação do voto secreto e escrito. Em 1904, Pio X proibiu o suposto direito de exclusividade, sob qualquer forma. Também foi introduzida a obrigação de sigilo sobre o que acontecia no Conclave, mesmo após a eleição, e a regra de manter a documentação disponível apenas ao Papa.

Mudanças do Século XX até os dias atuais

Após a guerra, em 1945, Pio XII promulgou a Constituição ‘Vacantis Apostolicae Sedis’, que introduziu algumas inovações. Em particular, a partir do início da Sé Vacante, todos os cardeais – incluindo o Secretário de Estado e os prefeitos das Congregações – cessam seus cargos, com exceção do Camerlengo, do Penitencieiro e do Vigário de Roma. Com o Motu Proprio 'Ingravescentem Aetatem', Paulo VI decidiu então que os cardeais poderiam ser eleitores apenas até completarem 80 anos.

As regras para a eleição do Papa

A legislação atualmente em vigor para a eleição do Pontífice é a 'Universi Dominici Gregis', promulgada por João Paulo II em 1996 e modificada por Bento XVI em 2013. Ela estabelece, entre outras coisas, que o Conclave deve ser realizado na Capela Sistina, definida como Via Pulchritudinis, o caminho da beleza capaz de guiar a mente e o coração em direção ao Eterno. O Motu Proprio de Bento XVI, De Aliquibus Mutationibus in Normis de Electione Romani Pontificis, também prevê que, após 34 escrutínios em que não tenha ocorrido eleição, os cardeais sejam chamados a votar nos dois nomes que receberam mais votos no último escrutínio, mantendo-se, no entanto, mesmo no segundo turno, a regra da maioria de dois terços, necessária para eleger o novo pastor da Igreja Católica.

À espera do 267º Sucessor de Pedro

São, portanto, os afrescos de Michelangelo que velam pela eleição do Romano Pontífice. Na Capela Sistina, um novo capítulo na história da Igreja está prestes a se abrir. Os olhos e as esperanças do mundo estão voltados para esta ‘Via Pulchritudinis’, que permanece fechada para o Conclave, aguardando para vislumbrar o rosto do novo Bispo de Roma e para conhecer o nome do Sucessor de Pedro de número 267.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2025-04/conclave-historia-idade-media-futuro-eleicao-pontefice.html

domingo, 11 de abril de 2021

A caminho do conclave

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Mirticeli Dias de Medeiros,

jornalista e mestre em História da Igreja, uma das poucas brasileiras

credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé

 

‘Certamente, alguém muito interessado pelo universo vaticano, já se pegou pensando : quem será o próximo papa?  E é um questionamento legítimo, afinal, Francisco já completou 84 anos de vida.

Seguindo a trajetória do papado moderno, nós, historiadores da Igreja, costumamos calcular o seguinte : depois de um papado longo, vem um de transição; depois de um ‘diplomático’ ou ‘de passagem’, um mais ousado, mais aberto às mudanças, e vice-versa. Basta olharmos para o que aconteceu entre 1939 e 1978, período em que governaram a Igreja os papas Pio XII, João XXIII e Paulo VI.

No exemplo citado acima, os três tinham algo em comum : uma carreira diplomática consolidada. E isso foi levado em consideração pelos participantes do conclave. Compreensível, afinal, estamos falando da época em que ocorre a Segunda Guerra Mundial e começa a Guerra Fria.

Após o pontificado de Pio XII, que governou a Igreja por quase 20 anos, os cardeais apostaram justamente num papado de transição, elegendo um sumo-pontífice idoso (77 anos), comparado aos que o haviam precedido. Queriam alguém que, aparentemente, ‘não fizesse muita diferença’, que preparasse o terreno para um líder mais jovem.

Porém, por ironia do destino, foi esse homem de idade avançada quem encabeçou um dos momentos mais marcantes da história do catolicismo. O filho de camponeses, João XXIII, eleito em 1958, inaugurou um ‘caminho sem volta’ para a Igreja ao convocar um concílio, de surpresa, após três meses da sua eleição : o Vaticano II.

Rapidamente, recebeu o título de ‘papa bom’ por romper de cara com a rigidez da linguagem, expressa em documentos e discursos pontifícios, e por revigorar a imagem do papado. Com seu sorriso, atitudes, simplicidade, e por ter tido a coragem de atravessar os muros do Vaticano e ir ao encontro do povo, após 100 anos de reclusão dos papados anteriores, conquistou católicos e ateus.

Hoje, para além das questões de Estado, que pesam na hora de escolher um sumo-pontífice, está a ‘visão eclesiológica’ do candidato ao papado. Deve ser alguém que esteja apto para ‘ler a sociedade do período’ e assim atender aos anseios do homem contemporâneo a partir do que ele tem a oferecer : a própria Igreja.

Porém, o ‘outsider’ Francisco ‘bagunçou um pouco o coreto’ das nossas previsões. Depois dele, chegar a um nome se torna cada vez mais difícil, haja vista a revolução que ele promove nessa instituição chamada papado, que é muito semelhante à que João XXIII provocou nos idos de 1960.

O sucessor do papa bom, Paulo VI, assumiu não só a tarefa de concluir o concílio outrora convocado, mas de fazer do diálogo inter e extraeclesial a mola propulsora do seu pontificado. Com uma diplomacia menos destemida que a de João XXIII, porém tecnicamente mais bem articulada, ele executou, a seu modo, um ‘aggiornamento’ que consistia em colocar a instituição também em posição de escuta. E foi isso que o motivou a atravessar o Atlântico e a visitar cinco continentes, sendo o primeiro papa da história a aventurar-se dessa maneira.

Fazendo esse resgate histórico, não podemos descartar a possibilidade de que o sucessor de Francisco seja alguém disposto a conciliar os pólos, a transpor a ‘cortina de ferro’ entre tradicionalistas e progressistas. Depois de muito tempo, pode ser que, novamente, entremos numa era de ‘papas diplomatas’.

Há também a possibilidade de que um papa de transição, que possa dar tempo aos cardeais para pensar no substituto, também seja uma boa pedida. Isso porque o governo de Francisco reúne duas características que condicionam esse tipo de tendência : é um pontificado que promove mudanças e traz as características de um papado longo. Não por acaso, as reformas da Cúria Romana foram executadas, justamente, pelos papas que passaram mais tempo ocupando o trono de Pedro. Em tempo recorde, o pontífice argentino fez o que muitos pontificados duradouros não conseguiram fazer em 20, 30 anos.

Mais que nos debruçarmos sobre uma lista de ‘papáveis’, é hora de analisarmos quais fatores mais pesarão antes de se chegar à fumaça branca. Provavelmente, o próximo pontifex maximusservus servorum Dei, que será escolhido para conduzir a maior instituição religiosa do mundo, terá que lidar com um mundo transformado após a pandemia; um cenário que, até um ano atrás, sequer imaginávamos. É um recálculo de rota. E para nós, vaticanistas, um recálculo nas previsões.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1509621/2021/04/a-caminho-do-conclave/

quarta-feira, 27 de junho de 2018

Consistório e cardeais: uma história que viaja no tempo


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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Pio XI no Consistório de 1935


‘No Consitório Ordinário público desta quinta-feira (28/06), serão criados pelo Papa Francisco 14 novos cardeais. A história do cardinalato tem origens longínquas. A palavra deriva do latim ‘cardo/cardinis’, em português ‘gonzo ou eixo’, algo que gira, neste caso, em torno do Papa. De fato, o papel dos cardeais está estreitamente ligado não apenas com a eleição do Pontífice, mas à colaboração com o Papa na sua função de Pastor da Igreja universal, como explica o Código de Direito Canônico em mérito.


A origem dos cardeais

Na Igreja antiga o Papa tinha como colaboradores alguns presbíteros responsáveis pelo cuidado das mais antigas igrejas de Roma, diáconos que administravam o Palácio de Latrão e os sete departamentos de Roma, e os bispos suburbicários, ou seja das dioceses próximas de Roma. A partir dos colaboradores nasceram os cardeais e as três ordens : os cardeais-bispos, os cardeais-presbíteros e os cardeais-diáconos.

Mas foi com Nicolau II, em 1059, que a eleição foi reservada apenas aos cardeais bispos romanos e não mais ao clero da Diocese de Roma. Em 1179, Papa Alexandre III ampliou este direito a todos os cardeais, e foi no século XII que começaram a ser nomeados cardeais também os prelados residentes fora de Roma.


Quem pode ser nomeado cardeal

Até o século XX os leigos também podiam ser nomeados cardeais e logo depois recebiam a ordenação diaconal, mas em 1918 Bento XV decidiu que todos os cardeais deveriam ser ordenados presbíteros. João XXIII decidiu que deveriam ser ordenados bispos. Atualmente os cardeais podem ser livremente eleitos pelo Papa entre os clérigos que tenham recebido pelo menos o presbiterado. De fato, os últimos três Papas, elevaram à dignidade cardinalícia também sacerdotes com mais de 80 anos, portanto sem direito a voto no Conclave.


O Consistório

Os novos cardeais são criados no Consistório. Voltando atrás no tempo pode-se ver como o termo tenha suas origens na antiga Roma : o ‘sacro consistório’ era o conselho privado do imperador formado pelos seus colaboradores mais próximos. Portanto os Consistórios são reuniões do Colégio Cardinalício e se dividem em ordinários e extraordinários : os primeiros com os cardeais residentes em Roma, enquanto que nos extraordinários devem participar todos os cardeais. O Consistório para a criação de cardeais é o Ordinário Público.

Também é interessante saber que nem todos os nomes dos cardeais são conhecidos com antecedência, pois há casos raros que o nome não é revelado por razões de perigo e portanto para protegê-lo.


O Conclave

No Conclave, os cardeais elegem o Pontífice. Enquanto nos primeiros séculos o número oscilava entre 20 e 40, com o Papa Sisto V, em 1586, foi fixado em 70, e por fim Paulo VI elevou o número de cardeais eleitores para um máximo de 120. Um limite confirmado pelos Sucessores, com algumas derrogações. Atualmente o Colégio conta com 212 cardeais, dos quais 114 eleitores e 98 não eleitores, e com o Consistório desta quinta-feira (28/06) se somarão outros 14 novos cardeais, dos quais 3 não eleitores.

Foi o próprio Paulo VI com a Carta Apostólica Ingravescentem Aetatem a estabelecer o limite de 80 anos para os cardeais que elegem o Papa. Hoje os cardeais são provenientes dos cinco continentes e precisamente de 83 países.

Entre os cardeais há o Decano do Colégio cardinalício, que é eleito e preside o Colégio dos Cardeais e o Conclave. Também há a figura do Camerlengo que administra os bens da Santa Sé, assume a sede vacante e convoca o Conclave. O primeiro dos cardeais-diáconos chama-se protodiácono (que é cardeal há mais tempo) e deve anunciar ao povo cristão a eleição do novo Papa com o conhecido Habemus Papam.

Os sinais

Os sinais que distinguem a nomeação cardinalícia são a designação de uma igreja de Roma (Título ou Diaconia), o anel, em uso desde o século XII, e o barrete vermelho púrpura. Uma cor que caracteriza as vestes dos purpurados e retoma o sinal de disponibilidade ao martírio.


Papa Francisco e os cardeais

Nos Consistórios realizados pelo Papa Francisco, ele recordou a todos os novos cardeais a sua vocação a servir. ‘Ele não vos chamou para vos tornardes ‘príncipes’ na Igreja, para vos ‘sentardes à sua direita ou à sua esquerda’. Chama-vos para servir como Ele e com Ele. Para servir ao Pai e aos irmãos’, disse no Consistório público de 28 de junho de 2017.

Convidou também para gastar a própria vida apoiando a esperança do povo, como ‘sinais de reconciliação’. ‘Amado irmão neo-cardeal – disse em 2016 - o caminho para o céu começa na planície, no dia-a-dia da vida repartida e compartilhada, de uma vida gasta e doada : na doação diária e silenciosa do que somos. O nosso cume é esta qualidade do amor; a nossa meta e aspiração é procurar na planície da vida, juntamente com o Povo de Deus, transformar-nos em pessoas capazes de perdão e reconciliação’.

Outras significativas palavras do Papa foram no Consistório de 2015, quando recordou aos neo-cardeais que o chamado é para serem homens de esperança e caridade e no ano anterior dissera para serem homens de paz.

Também recorda-se que o Papa Francisco, com um Quirógrafo de 2013, instituiu o Conselho de Cardeais, chamado C9, para coadjuvá-lo no governo da Igreja universal e propor a revisão da Constituição Apostólica Pastor bonus sobre a Cúria Romana.’


Fonte :