Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo de Paula Godoy
‘Nos últimos anos, o mundo tem testemunhado guerras e catástrofes
ambientais cada vez mais frequentes, que resultam em crises humanitárias e
deslocamentos populacionais forçados. Milhões de pessoas deixaram suas casas,
enfrentando a falta de acesso a serviços básicos e a violação de direitos humanos.
Alguns casos se tornam mais evidentes, enquanto outros são esquecidos e
normalizados.
O futuro parece cada vez mais marcado por uma crescente complexidade e
urgência, com conflitos e catástrofes ambientais superando as crises
humanitárias ao redor do mundo. De acordo com informações do ACNUR, atualmente
cerca de 90 milhões de pessoas deslocadas vivem em países altamente expostos a
riscos climáticos, e quase metade de todos os deslocados à força enfrenta uma
combinação entre conflitos e os efeitos adversos das mudanças climáticas.
Regiões devastadas por guerras prolongadas revelam que milhões de
pessoas terão de continuar fugindo de suas terras natais, muitas vezes em busca
de segurança e acesso a serviços essenciais, o que gera uma pressão contínua
sobre países vizinhos e comunidades anfitriãs, já vulneráveis. Embora a
resposta humanitária seja de grande importância, ela ainda se mostra
insuficiente diante da magnitude dos deslocamentos forçados.
Veja abaixo 11 países e regiões nas quais acontecem as maiores crises
humanitárias em curso no mundo atualmente :
Sudão
Uma guerra que dura mais de 20 meses gera violência, morte e fome para
milhares de pessoas. Mais de 48 milhões de cidadãos sofrem de insegurança
alimentar aguda, e 12 milhões sofreram deslocamento forçado, incluindo 9
milhões deslocados internamente e 3 milhões que recorreram a países vizinhos,
como o Chade. Mais de 30,4 milhões de pessoas necessitam de assistência
humanitária, de acordo com o Panorama Humanitário Global 2025 da ONU. Isso
representa 10% da população mundial em situação de carência.
Além disso, as condições precárias atuais potencializam surtos de
cólera, malária, dengue, sarampo e rubéola entre os sudaneses, que ficaram com
baixo atendimento devido ao fechamento da maior parte dos hospitais, ocasionado
pela guerra. A crise também impacta desproporcionalmente mulheres e meninas. Em
2023, mais de 6,7 milhões de pessoas necessitavam de serviços para lidar com a
violência de gênero, um aumento de 100% desde o início do conflito. Famílias chefiadas
por mulheres enfrentam insegurança alimentar em proporções alarmantes : 64%,
contra 48% das famílias lideradas por homens. Mais de 160 mil mulheres grávidas
devem dar à luz sem serviços adequados.
De acordo com as Nações Unidas, caso o conflito continue em 2025, o
número de pessoas forçadas a fugir do Sudão deverá chegar a mais de 16 milhões,
dificultando qualquer atendimento que cumpra com as necessidades básicas de
sobrevivência adequada.
Líbano
O conflito que começou em outubro de 2023 já gerou mais de 4 mil mortes,
e outras 1 milhão de pessoas foram forçadas a fugir e abandonar suas casas.
Além da guerra, o Líbano enfrentou, nos últimos 15 anos, crises que afetaram a
estruturação do país. Com histórico de problemas econômicos e instabilidade política,
o país passa por dificuldades para se reestruturar.
Apesar do cessar-fogo, a região ainda sofre com ataques em menor escala.
No dia 10 de janeiro, houve um bombardeio israelense por meio de drones em
território libanês, causando a morte de duas pessoas. Mais de 125 mil pessoas
continuam deslocadas, fora de suas casas, e tentam reconstruir suas vidas. A
destruição generalizada afetou a infraestrutura civil, incluindo hospitais,
prédios governamentais e estações de água.
A ONU emitiu um apelo, juntamente com o governo libanês, que estima que
US$ 371,4 milhões são necessários para atender às necessidades humanitárias
básicas da população afetada pelo conflito e pelas demais problemáticas
humanitárias do país.
Síria
A guerra civil na Síria, iniciada em 2011, devastou o país. O conflito
resultou em mais de 300 mil mortes de civis e deslocou milhões de pessoas. Além
do combate entre o governo de Bashar al-Assad e o Exército Sírio Livre, o
Estado Islâmico controlou até 70% do território em seu auge.
Em dezembro de 2024, grupos armados derrubaram o antigo governo. Durante
o conflito, mais de 13 milhões de pessoas permaneceram deslocadas dentro da
Síria ou em países vizinhos. Entretanto, desde a derrubada do governo anterior,
milhares de sírios retornaram ao país voluntariamente, vindos principalmente do
Líbano e da Turquia.
Apesar das estruturas precárias e do rastro de destruição que permanece
no país, essa é a maior janela de esperança para o fim da maior crise migratória
do mundo. De acordo com a ONU, o legado do conflito inclui 422 mil incidentes
com munições não detonadas nos últimos nove anos, que causaram milhares de
mortes, metade delas de crianças. Milhões permanecem em condições precárias,
enfrentando fome, doenças e falta de acesso à educação.
Ucrânia
Quase três anos após a invasão russa, mais de 12,3 mil civis morreram na
Ucrânia, incluindo 650 crianças. A utilização de drones, mísseis de longo
alcance e bombas planadoras contribuiu para um aumento de 30% nas mortes de
civis entre setembro e novembro de 2024.
A situação humanitária continua crítica, com ataques regulares a
infraestruturas urbanas e rurais. A ajuda internacional desempenha um papel
vital para mitigar os efeitos do conflito, mas soluções diplomáticas ainda
parecem distantes.
De acordo com o ACNUR, até dezembro do ano passado, eram cerca de
6.813.900 refugiados ucranianos registrados por todo o globo, além de mais de
3,5 milhões que permanecem deslocados internamente. Um reflexo dos quase três
anos de guerra.
Afeganistão
A crise humanitária no Afeganistão continua sendo uma das mais severas e
complexas do mundo, com impactos devastadores na vida de milhões de pessoas. De
acordo com a ONU, até outubro de 2024, cerca de 3,7 milhões de afegãos
necessitavam de assistência humanitária, enquanto 3,2 milhões se deslocavam
internamente.
Atualmente, 5,3 milhões de afegãos estão registrados como refugiados em
países vizinhos, principalmente no Irã e no Paquistão, que abrigam cerca de 90%
dessa população. Entre setembro de 2023 e março de 2024, mais de 531.000
refugiados retornaram abruptamente do Paquistão, após o anúncio de que
estrangeiros sem documentos seriam deportados. Esse retorno massivo
sobrecarregou os já limitados recursos disponíveis nas comunidades afegãs, que
lutam para atender às necessidades básicas desses repatriados.
Embora o ACNUR tenha prestado assistência a cerca de 94.000 repatriados
desde o início de 2023, a capacidade de resposta humanitária ainda é
insuficiente frente à escala da crise.
Crescentes restrições são impostas às mulheres e meninas, que enfrentam
severas limitações a seus direitos fundamentais. Em agosto de 2024, foi
promulgada uma nova lei sobre a Promoção da Virtude e Prevenção do Vício, que
restringe ainda mais a liberdade de movimento, vestimenta e comportamento das
mulheres, além de atacar os direitos das minorias religiosas e pessoas LGBTQI+.
As restrições também dificultam o acesso à educação e ao trabalho, aumentando a
vulnerabilidade econômica das famílias lideradas por mulheres e aprofundando as
desigualdades sociais no país.
República Democrática do Congo
A República Democrática do Congo (RDC) atualmente vive com mais de 6,4
milhões de pessoas deslocadas internamente e 1 milhão vivendo como refugiadas
ou solicitantes de asilo em países vizinhos, de acordo com o ACNUR. Mais de
940.000 pessoas foram obrigadas a abandonar suas casas apenas no primeiro
semestre de 2024 devido à retomada de confrontos nas províncias orientais da
RDC. A precariedade das condições em locais de acolhimento superlotados expõe
as populações a riscos de doenças e insegurança. Surtos do vírus mpox foram
registrados em 2024, com casos suspeitos entre deslocados, evidenciando a
fragilidade do sistema de saúde.
Além disso, mulheres e meninas enfrentam níveis crescentes de violência
de gênero. Nos meses de junho e julho de 2023, mais de 10 mil vítimas buscaram
assistência apenas nas províncias mais afetadas. A demanda por assistência
humanitária atinge níveis críticos, com 25,4 milhões de pessoas necessitando de
ajuda em todo o país. Entretanto, os recursos disponíveis não acompanham as
necessidades, sobrecarregando comunidades anfitriãs e organizações humanitárias
que tentam mitigar os impactos da crise.
Refugiados Rohingya (Mianmar e Bangladesh)
Desde 2017, quando a crise humanitária envolvendo os rohingyas tomou
proporções alarmantes, Bangladesh se tornou o principal refúgio para mais de 1
milhão de refugiados que fugiram de Mianmar. Concentrados principalmente em
Cox’s Bazar, os campos de refugiados vivem em condições precárias, agravadas
por infraestrutura limitada e eventos climáticos extremos, de acordo com dados
elaborados pelas Nações Unidas.
De acordo com o ACNUR, o assentamento de refugiados de Kutupalong abriga
mais de 600.000 pessoas em uma área de apenas 13 quilômetros quadrados,
impossibilitando um acolhimento de qualidade. A chegada contínua de rohingyas,
especialmente após novos conflitos em Mianmar no final de 2023, tem colocado
pressão sobre os recursos locais, aumentando as tensões com as comunidades
anfitriãs já vulneráveis. Além disso, os desafios de segurança e proteção, como
violência de gênero, tráfico e restrições de movimento, afetam gravemente os
refugiados.
As mulheres e crianças, que representam a maioria da população refugiada,
estão mais expostas à exploração e à violência, enquanto eventos climáticos,
como fortes chuvas e ciclones, frequentemente causam deslizamentos, inundações
e outros desastres nos assentamentos.
Em Bhasan Char, onde cerca de 36.000 refugiados residem, questões como
saúde mental, apoio psicossocial e cuidados maternos permanecem negligenciadas.
Apesar dos esforços de Bangladesh e da comunidade internacional, a crescente
violência nos campos e os recursos limitados dificultam a assistência adequada
aos refugiados.
Os rohingya formam o maior povo apátrida do mundo. Apenas no início de
janeiro deste ano, mais de 200 rohingyas desembarcaram na Indonésia, um novo
registro para uma onda crescente de chegadas pelo mar. O retorno voluntário,
digno e sustentável a Mianmar é apontado como a solução definitiva para a
crise, mas as condições no país ainda são desfavoráveis. Enquanto isso, o apoio
internacional contínuo é essencial para mitigar os impactos da crise
humanitária.
Haiti
As condições do Haiti expõem mulheres e crianças a situação de violência
e fome. No país, até outubro, cerca de metade da população, mais de 5,5 milhões
de pessoas precisavam de assistência humanitária, e mais de 700 mil pessoas
foram deslocadas, sendo metade crianças que perderam o acesso à educação e
vivem em condições precárias e vulneráveis a recrutamento de gangues, de acordo
com o ACNUR.
As mulheres são alvos frequentes de abusos físicos e mentais extremos.
De acordo com as Nações Unidas, a violência sexual contra menores, especialmente
meninas, aumentou em 1.000% em 2024, comparado ao ano anterior. As gangues têm
ampliado seus ataques em todo o território haitiano, desestabilizando ainda
mais o controle político e dificultando qualquer tentativa de governança
efetiva.
Embora a ONU tenha elaborado planos de resposta para mitigar a crise, o
baixo financiamento – apenas 45,7% das necessidades foram atendidas – tornou as
iniciativas insuficientes. Como consequência, muitos grupos de ajuda
humanitária foram obrigados a evacuar, deixando milhares de pessoas sem
assistência básica.
A falta de estabilidade política e governança dificulta a criação de um
ambiente propício para a sobrevivência da população. A insegurança alimentar é
um dos maiores desafios, afetando mais da metade dos haitianos. Além da
escassez de alimentos, há também uma grave falta de água potável, abrigo e
medicamentos essenciais.
O Haiti enfrenta ainda condições ambientais severas, com terremotos e
outros desastres naturais que agravam o deslocamento interno e forçam muitos a
buscar refúgio em outros países. Com as bases políticas, de segurança e
direitos humanos fragilizadas, o retorno seguro dos exilados torna-se cada vez
mais inviável.
Iêmen
Após quase uma década de guerra, o Iêmen continua acumulando vítimas. De
acordo com o ACNUR, mais de 4,5 milhões de pessoas foram deslocadas
internamente, e as previsões indicam que cerca de 17,1 milhões devem enfrentar
insegurança alimentar este ano.
Apesar da catástrofe humanitária causada pelo prolongado conflito, a região
só atraiu maior atenção internacional após os ataques dos rebeldes Houthis a
navios no Mar Vermelho no final de 2023, seguidos pela intensificação dos
ataques com drones e mísseis em 2024.
Os ataques foram apresentados como um gesto de apoio aos palestinos em
Gaza, tendo como alvos os EUA, Reino Unido e Israel. Em resposta, os EUA e o
Reino Unido, com o apoio de outros países, lançaram ataques contra alvos
Houthis, alegando a necessidade de proteger o ‘livre fluxo do comércio’ na rota
estratégica do Mar Vermelho.
Com o aumento dos ataques de mísseis e drones contra Israel, a
popularidade dos Houthis cresceu, gerando preocupações constantes para Israel,
que continua realizando ataques a portos e aeroportos. Essas ações dificultam o
acesso à ajuda humanitária e a itens essenciais para a sobrevivência da
população, impactando não apenas os rebeldes, mas todo o país.
Internamente, ainda não há perspectiva de paz, o que perpetua a
insegurança alimentar em larga escala. Atualmente, mais de 21,6 milhões de pessoas
necessitam de assistência humanitária e serviços de proteção, enquanto cerca de
60 mil buscam refúgio e asilo em outros países.
Palestina
Desde o início da guerra, em outubro de 2023, mais de 47 mil palestinos
perderam a vida em decorrência de ataques israelenses, segundo o Ministério da
Saúde do país. O conflito desabrigou grande parte da população da Faixa de
Gaza, forçando aproximadamente 90% dos palestinos a abandonar suas casas, que
foram destruídas ou danificadas, conforme dados da ONU.
Apesar de já possuir predominância militar no território palestino e dos
apelos de cessar-fogo, Israel intensificou os ataques. A Anistia Internacional
e a Human Rights Watch acusaram Israel de cometer atos de genocídio. Mesmo com
as denúncias, o governo israelense demonstra pouca disposição em buscar uma
solução pacífica, deixando claro sua oposição à autodeterminação e ao
reconhecimento do Estado palestino. O primeiro-ministro israelense, Benjamin
Netanyahu, foi responsável por bloqueios em acordos que buscavam a paz na
região.
A crise em Gaza é agravada por um colapso quase completo dos serviços
essenciais. De acordo com a ONU, 50% dos hospitais estão fechados, e os que
permanecem abertos operam apenas parcialmente, incapazes de atender casos
graves ou doenças crônicas. A insegurança alimentar afeta 91% da população, com
milhões vivendo à beira da fome. Além disso, 67,6% das terras agrícolas foram
destruídas, comprometendo a produção de alimentos e aumentando a dependência de
ajuda externa, que enfrenta severas restrições.
Antes do conflito, Gaza recebia em média 500 caminhões de ajuda por dia
útil, mas, desde o início da guerra, a chegada de ajuda humanitária sofreu uma
redução significativa, em um momento crítico para a sobrevivência. As ações
desumanas promovidas pelo governo israelense, além de impunes, recebem apoio
dos EUA, Alemanha, Reino Unido e outras potências ocidentais.
No dia 19 de janeiro deste ano, entrou em vigor um acordo de cessar-fogo
mediado no Catar, que prevê uma trégua de 15 meses entre Israel e Hamas. No
entanto, o foco dos ataques se deslocou para a Cisjordânia, colocando em risco
a vida de refugiados que fugiram dos bombardeios em Gaza e agravando ainda mais
os desafios humanitários da região.
Chifre da África
O Chifre da África, enfrenta dificuldades multidimensionais com
conflitos armados, intervenções regionais e crises climáticas. Apenas em 2024,
cerca de 64 milhões de pessoas precisaram de assistência humanitária, com quase
20 milhões deslocadas em países como Sudão, Somália e Etiópia.
No Sudão, a guerra civil agravou-se após interferência de potências
regionais. Os Emirados Árabes Unidos forneceram armas contrabandeadas às Forças
de Suporte Rápido (RSF) por meio do Chade, República Centro-Africana e Líbia.
Enquanto as Forças Armadas Sudanesas recebem apoio do Egito, Arábia Saudita e
Irã. Essa disputa de poder dificulta qualquer avanço nas negociações de paz.
Na Somália as tensões aumentaram após o governo interpretar o interesse
da Etiópia em estabelecer porto na Somalilândia como violação da sua soberania.
O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, se mostrou disposto a
reconhecer a Somalilândia como território independente, sem considerar as
objeções da União Africana, uma estratégia de proteção contra a influência da
China em Djibuti.
A violência do grupo al-Shabab na Somália, somada a desastres naturais e
secas severas, intensifica o deslocamento e a insegurança alimentar, afetando
milhões. Enquanto isso, potências regionais perpetuam ciclos de instabilidade,
ignorando as necessidades urgentes da população local.
Na África Oriental, a violência extrema ilustra a gravidade da situação.
Segundo o ACNUR, há quase dois anos, o ataque terrorista mais mortal da região,
liderado pelo al-Shabab, tirou a vida de pelo menos 120 pessoas e deixou outras
300 feridas em Mogadíscio. A dinâmica de poder regional no Chifre da África tem
perpetuado ciclos de violência e negligenciado as necessidades de milhões de
pessoas afetadas por conflitos e desastres climáticos.’
Fonte : *Artigo na íntegra
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