Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
Documento de identidade de John Hersey emitido pelo Consulado do Japão (Biblioteca de livros e manuscritos raros de Beinecke, Universidade de Yale)
*Artigo de Lev Chaim,
jornalista e colunista
‘Nos
dias 6 e 9 de agosto, foram comemorados os 75 anos das bombas atômicas sobre
Hiroshima e Nagasaki, que colocaram um fim simbólico e factual à Segunda Guerra
Mundial. O livro sobre o assunto do jornalista John Hersey, avant-guarde, foi
publicado novamente, após ter sido lançado em agosto de 1946, como contos para
a The New Yorker, como uma coisa única na história daquela
revista literária. Não só porque se trata de uma história de pessoas que
sobreviveram apesar de terem sido atingidas pelas bombas norte-americanas, como
também pela forma de abordagem dos fatos, com toques de contos literários.
A
conceituada editora holandesa Meulenhof lançou o livro
novamente, que você lê como se fosse um romance sobre seis personagens, mas
baseado em testemunhas do bombardeamento, numa espécie de entrevistas
realizadas. John Hersey torna-se assim um dos pais do novo jornalismo, que
deixou de ser aquele que apenas relata descrevendo os fatos, mas também aquele
que mergulha fundo atrás desses fatos e suas histórias. Podemos citar aqui mais
nomes de outros autores-jornalistas que desenvolveram a mesma técnica de
entrevistas ou a aperfeiçoaram, tais como : Norman Mailer, Truman Capote,
Hunter Thompson, Tom Wolfe etc.
Muitos
talvez teriam a tendência de denominar esta forma de narrativa como totalmente
subjetiva. Eu, que corri e comprei o livro, não a achei nada subjetiva, pelo
contrário, a vi como uma narrativa um tanto quanto fria tecnicamente, mas que
consegue transmitir ao leitor toda a tragédia do bombardeamento, seus mortos e
suas trágicas consequências. São seis contos subjetivos, que mostram a
diversidade íntima da percepção da realidade pelos seis sobreviventes. Isto
advém do registro calmo de todas as emoções dos personagens, mas de uma forma
um tanto quanto distanciada, porém não menos impressionante. Trata-se de uma
técnica que melhor se adapta ao caráter da população japonesa, mais contido,
mesmo em suas manifestações emocionais.
Entre
os retratados deste livro de John Hersey, norte-americano e filho de um
missionário enviado à guerra para confortar os soldados, estão também dois
religiosos. O autor mostra um profundo conhecimento do país e em algumas
passagens também retrata os perecidos naquele fatídico dia da explosão da bomba
atômica. Ele escreve : ‘eles morreram em silêncio, sem ressentimento e
espremeram os dentes para poder aguentar toda aquela tragédia. Tudo em honra da
pátria’.
Os
outros jornalistas, norte-americanos ou não, que também relataram a tragédia de
Hiroshima e Nagasaki, estavam ainda sob o choque da guerra, cheios de emoções
negativas que os japoneses lhes deixaram por serem o inimigo, tal qual os
nazistas.
Hersey,
pelo contrário, se posicionou no lugar das vítimas e escreveu as suas
histórias, sem qualquer sinal de nacionalismo exacerbado ou sentimento de
vingança. Um dos frutos retirados das histórias de Hersey é que você pode ver
um lado escondido da sociedade japonesa : o lado da ultra disciplinada
sociedade e da total submissão para com o seu destino como um povo, em nome da
pátria. Um sentimento que era expressado na realidade pelo seu próprio
imperador.
Ele
ainda nos conta sobre a total falta de percepção, por parte dos moradores de
Hiroshima, dos fatos ocorridos ali com eles, o porquê deles terem sido feridos
com aquelas absurdas queimaduras e por todas as outras consequências da
radiação atômica, cujos efeitos ainda duraram muito mais tempo, até as próximas
gerações, quando começaram a nascer crianças com microcefalia, anos depois da
tragédia.
Como
disseram muitos que leram o livro, inclusive eu, você acompanha todo esse
episódio como um dos pontos mais baixos de nossa civilização e como uma espécie
de purificação do ser humano, uma história de resiliência e continuação por
parte daquele povo, sem que Hersey nos inunde com os reais momentos de náusea
pelo ocorrido e todas as suas consequências.
Portanto,
meus caros leitores, sugiro que partam rumo à livraria mais próxima e perguntem
se já existe uma versão em português deste impressionante livro, Hiroshima,
que, sem sombra de dúvidas, nos dá um exemplo definitivo e marcante de um
jornalismo que atinge as aureolas da literatura. Leiam e
julguem por si próprios.’
Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1464679/2020/08/os-sobreviventes-de-hiroshima/
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