Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
de Mirticeli Dias de Medeiros,
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das
poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de
Imprensa da Santa Sé
‘Muitos
católicos, ao menos uma vez na vida, tiveram contato com aquele livro
amarelinho que ‘sempre salva’ a vida de alguém quando surgem dúvidas
relacionadas à doutrina católica. O Catecismo da Igreja Católica (CIC), cuja
última edição foi organizada pelo então cardeal Joseph Ratzinger, e publicada
em 1997, é um fruto do Concílio Vaticano II por excelência.
Um
fato curioso é que tanto a edição do século 16, quanto a atual, foram feitas
para corresponder às orientações pastorais dos concílios ecumênicos que as
antecederam. Pode-se dizer, portanto, que são ‘documentos pós-conciliares’,
utilizados para a assimilação dos conteúdos essenciais da fé católica.
Não
por acaso, a proposta para a criação do catecismo atual surgiu justamente
durante o Sínodo dos Bispos de 1985, convocado por João Paulo II para comemorar
os 20 anos de conclusão do Vaticano II. E foi o próprio papa polonês a
explicar, no documento que autorizava a criação do Catecismo (a constituição
apostólica Fidei Depositum), que ‘o Vaticano II deveria
ser, na atualidade, a fonte de inspiração para toda e qualquer ação pastoral na
Igreja’, e que o CIC se propunha a promover, nesse contexto, ‘uma
catequese renovada’.
O Catecismo no
decorrer dos séculos
Os
padres da Igreja - os mestres do cristianismo primitivo - escreveram várias
instruções a respeito da prática da doutrina cristã. Um exemplo disto é a Didaché,
texto do século II no qual o autor (desconhecido) explica os fundamentos da
religião nascente, bem como algumas particularidades de seu culto.
Na
idade média, São Tomás de Aquino criou uma espécie de ‘compêndio’ para
aqueles que se preparavam para o batismo, dotado de pouco rigor teológico
justamente para facilitar a compreensão. Sua estrutura serviu de base para a
criação dos catecismos. O conteúdo era dividido em 5 folhetos : Símbolo; o
Pai-Nosso; Saudação Angélica; Decálogo e Sacramentos.
No
entanto, o uso amplo do termo ‘catecismo’ para designar um ‘manual de
instruções doutrinárias’ de caráter mais ‘universal’ começa a ser
adotado somente no século 16. Alguns atribuem a Martin Lutero a difusão maior da
palavra, uma vez que foi ele quem publicou, por primeiro, em 1529, dois volumes
de textos sobre a fé cristã utilizando este nome : o Catecismo Maior - com
orientações para os ministros - e o Catecismo Menor - para o ensinamento das
crianças. Todavia, vale salientar que, apesar de não utilizar o nome, o
catolicismo já dispunha de manuais com instruções doutrinárias difundidos em
alguns territórios. O mais conhecido era o ‘Catecismo Vaurense’,
produzido pelo sínodo local de Lavaur (França), em 1386.
Em
âmbito católico, foi o Concílio de Trento (1545-1563) a aprovar a primeira
edição do Catecismo da Igreja Católica, chamado Catechismus ad parochos
- do latim, Catecismo aos párocos -, que como o próprio nome diz,
serviria de subsídio para que os padres pudessem instruir os fiéis e assim ‘desviá-los
das heresias’. O texto foi publicado 3 anos após a conclusão do concílio,
em 1566.
E é
por isso que a Associação Italiana de Professores de História da Igreja (AIPHS)
fala que uma ‘literatura catequética’ se estruturou no decorrer dos
séculos, e cujo apogeu se observou no século 16, período no qual se inaugurou a
‘era do catecismo’. Anos depois, o jesuíta italiano Roberto Belarmino,
para facilitar ainda mais o entendimento sobre os fundamentos da fé católica,
escreveu a ‘Doutrina da fé cristã’ e a ‘Declaração mais copiosa da fé
cristã’. Os livros esclarecem algumas dúvidas doutrinais a partir de uma
sequência de perguntas e respostas feitas ‘pelo mestre ao discípulo’ e
vice-versa. As obras se tornaram, pelos 3 séculos posteriores à publicação, o
manual de referência para todo católico.
Visando
facilitar a compreensão dos assuntos referentes ao catolicismo, Pio X também
publicou seu Catecismo em 1905, adotando o método dialógico de perguntas e
respostas de Berlamino. Bastante elogiada por Bento XVI - que inclusive
incentiva, ainda hoje, o seu uso - a obra é considerada por ele de grande valor
para a história do catolicismo. Porém, de acordo com o papa emérito, o
catecismo atual ‘responde melhor às exigências do presente’.
As apropriações do
Catecismo
Não
é raro ver, hoje em dia, determinados grupos desviarem o Catecismo da sua
função original. Aos poucos, o ‘livro amarelo’, criado para promover a
catequese, foi instrumentalizado para respaldar interpretações isoladas. Curiosamente,
as pautas populistas, propagadas amplamente no cenário político, passaram a
receber um ‘aval católico’ e histérico de religiosos que, na verdade,
não passam de falsificadores da doutrina.
É
nessas horas que vemos o quanto as paixões partidárias podem levar algumas
pessoas a ‘vender’ a própria fé. Muitas delas, ‘cheias de autoridade’
auto atribuída, desmembram alguns artigos de seu contexto, alegando, por
exemplo, que a Igreja defenda o porte de armas, a partir de uma interpretação
viciada do parágrafo que trata da legítima defesa. Para não citar outros
absurdos propagados nas redes sociais, dentre os quais a ideia de contrapor o
Catecismo – fruto do Vaticano II, diga-se – ao
próprio Vaticano II e criticar Papa Francisco por considerar a pena de morte
inadmissível.
Mergulhar
na história do Catecismo é importante porque, com o passar do tempo, algumas
pessoas passaram a utilizar o livro ‘na ofensiva’, esquecendo-se que, a
lista de explicações sobre os pilares da fé católica, serve para mostrar ao
mundo a identidade do catolicismo. O que vemos, ao contrário, é a desfiguração
dessa identidade por parte de quem deveria, por primeiro, promovê-la.’
Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1464178/2020/08/catecismo-da-igreja-catolica-para-que-foi-feito/
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