*Artigo
de Dom Matias Fonseca de Medeiros, OSB,
monge do Mosteiro de São
Bento do Rio de Janeiro
e editor responsável do
Boletim da AIM em língua portuguesa
‘a. Um pouco da história
No contexto da
vida monástica na América Latina, o Brasil conta atualmente com um número
considerável de comunidades de tradição beneditina. Ao inverso dos demais
países latino-americanos de colonização espanhola,[1] cujas fundações monásticas começaram a se estabelecer em fins
do século XIX, os beneditinos portugueses fundaram um primeiro mosteiro em
Salvador da Bahia, em 1582.[2] Nos
anos seguintes, foram feitas novas fundações até atingirem o número de onze
mosteiros no alvorecer século XVII. Por decisão do Definitório [3] da Congregação Beneditina de
Portugal, reunido no Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro, em 22 de agosto de
1596, esses mosteiros passaram a constituir a «Província Brasileira» da referida Congregação, sediada no Mosteiro
de Salvador da Bahia, cujo Abade era, ao mesmo tempo, Provincial e Visitador da
novel Província.
Após a
Independência do Brasil, o Papa Leão XII, pela Bula «Inter Gravissimas Curas», de 1º de julho de 1827, erigiu os
mosteiros da Província brasileira em Congregação própria e pediu aos monges, na
mencionada Bula, que se ocupassem da educação da juventude. Entretanto, as leis
anti-clericais do governo imperial, cujo propósito era a extinção das Ordens
religiosas no país, proibiu a admissão de noviços. Em 1889, com a queda da
monarquia e a proclamação da República, foi possível às Ordens religiosas –
praticamente moribundas – reabrirem seus noviciados fechados há quarenta anos.
Atendendo aos apelos do último Abade Geral da antiga Congregação Brasileira,
Frei Domingos da Transfiguração Machado, o Papa Leão XIII pediu à florescente
Congregação de Beuron que viesse em auxílio de sua co-irmã brasileira e a
restaurasse. A 17 de agosto de 1895, sob a direção de Dom Gerardo van Caloen,
monge da Abadia de Maredsous (Bélgica), um grupo de 16 religiosos, entre monges
sacerdotes, irmãos conversos e postulantes, chegava ao Mosteiro de Olinda para
dar início à obra de restauração da vida monástica no Brasil, oficialmente
concluída em 1910 com a promulgação das novas Constituições.
b. Chegada de outras famílias monásticas
Várias
Congregações monásticas vieram se estabelecer no Brasil nos inícios do século
XX. Em primeiro lugar, deve-se mencionar a presença das Irmãs Beneditinas
Missionárias de Tutzing, chegadas a Olinda em 1903. Convidadas por Dom Gerardo
van Caloen, cuja visão de um monaquismo missionário foi para ele fonte de
sérias indisposições com seus superiores da Congregação de Beuron, de
orientação contemplativa, as Irmãs abriram escolas, fundaram hospitais,
dispensários para os pobres, centros sociais, partindo um pouco mais tarde para
a Missão do Rio Branco (hoje Roraima) com os monges missionários. Nesse
meio-tempo, Dom Gerardo foi nomeado Bispo titular de Foceia e Prelado do Rio
Branco (1905) e Arquiabade da Congregação (1908). Muito bem enraizadas no
Brasil, as Beneditinas Missionárias de Tutzing estão presentes em dois
Priorados (Olinda e Sorocaba) e têm numerosas vocações.
Em 1904/1905 foi a
vez dos cistercienses da Estrita Observância (OCSO) ou trapistas franceses,
enviados pelo célebre Abade de Sept-Fons, Dom Jean-Baptiste Chautard, em busca
de um local de refúgio para seus monges, ameaçados de expulsão pelo governo de
seu país. Estabelecidos nas proximidades de Tremembé, SP, fundaram a Trapa de
Maristela, onde desenvolveram intensa atividade agrícola que muito marcou o
desenvolvimento econômico da região. Foram seguidos pelas monjas trapistinas,
provenientes da Abadia de Saint-Clément, de Mâcon (França). Depois de uma breve
estadia em Tremembé, fixaram-se elas em Nova Friburgo, RJ. Ambas as fundações
foram fechadas nos anos 30. Os trapistas só retornariam ao Brasil, em 1997,
procedentes da Abadia de «Our Lady of
Genesse», nos Estados Unidos, quando fundaram a florescente Abadia de Nossa
Senhora do Novo Mundo, em Campo do Tenente, PR. Em 2010, as trapistinas do
Mosteiro de Quilvo, Chile, fundaram o Mosteiro de Nossa Senhora da Boa Vista,
em Rio Negrinho, SC, em promissora fase de implantação.
Os camaldulenses
italianos também estabeleceram um mosteiro de sua Congregação no Rio Grande do
Sul, em 1899. Contudo, tiveram que fecha-lo por imposição da Santa Sé, em 1926.
Em 1985, voltaram ao Brasil, fundando uma nova casa, o Mosteiro da
Transfiguração, em Mogi das Cruzes, SP. Em 1993, foram seguidos pelas monjas
camaldulenses, também em Mogi das Cruzes, com a fundação do Mosteiro da
Encarnação.
Em 1911, um grupo
de jovens brasileiras, formadas na Abadia Nossa Senhora da Consolação, de
Stanbrook (Inglaterra), fundou em São Paulo, SP, o primeiro mosteiro de monjas
beneditinas de toda a América, a Abadia de Santa Maria, de onde se originou a
quase totalidade dos mosteiros beneditinos femininos do Brasil, Argentina e
Uruguai.
Nos anos 30-40, os
cistercienses da Comum Observância (OCist), vindos da Alemanha, Áustria e
Itália, fundaram cinco mosteiros com um estilo de vida mais orientado para as
atividades pastorais. As monjas da mesma Ordem fundaram três Abadias.
Nos anos
seguintes, surgiram novas comunidades monásticas pertencentes a diversas
Congregações beneditinas : húngara, valumbrosana, olivetana,
americano-cassinense, subiacense; monjas da Congregação da «Rainha dos Apóstolos»; monjas olivetanas
da Congregação «Vita et Pax»; Irmãs
americanas da «Federação de Santa
Escolástica»; Irmãs Beneditinas austríacas do «Imaculado Coração de Maria»; Irmãs Beneditinas Missionárias, da
Polônia; sem contar algumas comunidades diocesanas de aspecto beneditino e
cisterciense.
Não devemos
esquecer a Cartuxa de Nossa Senhora Medianeira, fundada em 1984, no município
de Ivorá, RS.
c. No momento atual
Todo esse universo
monástico, implantado no Brasil há mais de quatrocentos anos e nele chegado
pelas mais variadas razões, vive nos espaços que lhes são próprios. A fundação
da CIMBRA (Conferência de Intercâmbio Monástico do Brasil), em 1967, na
movência dos anos pós-conciliares, permitiu que as diferentes comunidades se
conhecessem melhor e passassem a colaborar mutuamente. O fruto desse
conhecimento recíproco é a dinâmica de comunhão que estimula as comunidades de
monges, monjas e irmãs a buscar e encontrar vias comuns de colaboração e ajuda
fraterna em diversos níveis, sobretudo na formação de seus membros mais jovens.
Os encontros periódicos de superiores e superioras proporcionam ocasiões para
um intercâmbio de opiniões, aberto e franco, a respeito das preocupações que,
no momento atual, interpelam a vida concreta dos mosteiros, sua missão, sua
presença na sociedade contemporânea, no mundo do trabalho e da cultura, entre
outras.
Para o monaquismo
brasileiro de tradição beneditina, a Regra de São Bento continua sendo a fonte
de unidade num pluralismo de expressões que enriquece e faz crescer cada uma de
suas comunidades.’
Fonte :
* Artigo na íntegra http://www.aimintl.org/index.php/pt/2015-05-29-13-29-64/bulletin-108/o-monaquismo-brasileiro
[1] A coroa espanhola
proibia categoricamente a implantação de Ordens monásticas masculinas em suas
colônias americanas.
[2] Na verdade, o primeiro
empreendimento monástico no Brasil, foi de cistercienses franceses, em terras
do atual município de Nova Iguaçú (Rio de Janeiro), durante a tentativa de
colonização francesa no século XVI. São José de Anchieta, em uma de suas
cartas, se refere à existência de «frades
bernardos» (nome dado antigamente aos cistercienses em Portugal) naquela
região, onde se ocupavam da educação de crianças indígenas.
[3] Conselho do Abade Geral
da Congregação.
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