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terça-feira, 21 de março de 2017

O Monaquismo Brasileiro no século XXI

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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 *Artigo de Dom Matias Fonseca de Medeiros, OSB,
monge do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro
e editor responsável do Boletim da AIM em língua portuguesa


a. Um pouco da história

No contexto da vida monástica na América Latina, o Brasil conta atualmente com um número considerável de comunidades de tradição beneditina. Ao inverso dos demais países latino-americanos de colonização espanhola,[1] cujas fundações monásticas começaram a se estabelecer em fins do século XIX, os beneditinos portugueses fundaram um primeiro mosteiro em Salvador da Bahia, em 1582.[2] Nos anos seguintes, foram feitas novas fundações até atingirem o número de onze mosteiros no alvorecer século XVII. Por decisão do Definitório [3] da Congregação Beneditina de Portugal, reunido no Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro, em 22 de agosto de 1596, esses mosteiros passaram a constituir a «Província Brasileira» da referida Congregação, sediada no Mosteiro de Salvador da Bahia, cujo Abade era, ao mesmo tempo, Provincial e Visitador da novel Província.

Após a Independência do Brasil, o Papa Leão XII, pela Bula «Inter Gravissimas Curas», de 1º de julho de 1827, erigiu os mosteiros da Província brasileira em Congregação própria e pediu aos monges, na mencionada Bula, que se ocupassem da educação da juventude. Entretanto, as leis anti-clericais do governo imperial, cujo propósito era a extinção das Ordens religiosas no país, proibiu a admissão de noviços. Em 1889, com a queda da monarquia e a proclamação da República, foi possível às Ordens religiosas – praticamente moribundas – reabrirem seus noviciados fechados há quarenta anos. Atendendo aos apelos do último Abade Geral da antiga Congregação Brasileira, Frei Domingos da Transfiguração Machado, o Papa Leão XIII pediu à florescente Congregação de Beuron que viesse em auxílio de sua co-irmã brasileira e a restaurasse. A 17 de agosto de 1895, sob a direção de Dom Gerardo van Caloen, monge da Abadia de Maredsous (Bélgica), um grupo de 16 religiosos, entre monges sacerdotes, irmãos conversos e postulantes, chegava ao Mosteiro de Olinda para dar início à obra de restauração da vida monástica no Brasil, oficialmente concluída em 1910 com a promulgação das novas Constituições.


b. Chegada de outras famílias monásticas

Várias Congregações monásticas vieram se estabelecer no Brasil nos inícios do século XX. Em primeiro lugar, deve-se mencionar a presença das Irmãs Beneditinas Missionárias de Tutzing, chegadas a Olinda em 1903. Convidadas por Dom Gerardo van Caloen, cuja visão de um monaquismo missionário foi para ele fonte de sérias indisposições com seus superiores da Congregação de Beuron, de orientação contemplativa, as Irmãs abriram escolas, fundaram hospitais, dispensários para os pobres, centros sociais, partindo um pouco mais tarde para a Missão do Rio Branco (hoje Roraima) com os monges missionários. Nesse meio-tempo, Dom Gerardo foi nomeado Bispo titular de Foceia e Prelado do Rio Branco (1905) e Arquiabade da Congregação (1908). Muito bem enraizadas no Brasil, as Beneditinas Missionárias de Tutzing estão presentes em dois Priorados (Olinda e Sorocaba) e têm numerosas vocações.

Em 1904/1905 foi a vez dos cistercienses da Estrita Observância (OCSO) ou trapistas franceses, enviados pelo célebre Abade de Sept-Fons, Dom Jean-Baptiste Chautard, em busca de um local de refúgio para seus monges, ameaçados de expulsão pelo governo de seu país. Estabelecidos nas proximidades de Tremembé, SP, fundaram a Trapa de Maristela, onde desenvolveram intensa atividade agrícola que muito marcou o desenvolvimento econômico da região. Foram seguidos pelas monjas trapistinas, provenientes da Abadia de Saint-Clément, de Mâcon (França). Depois de uma breve estadia em Tremembé, fixaram-se elas em Nova Friburgo, RJ. Ambas as fundações foram fechadas nos anos 30. Os trapistas só retornariam ao Brasil, em 1997, procedentes da Abadia de «Our Lady of Genesse», nos Estados Unidos, quando fundaram a florescente Abadia de Nossa Senhora do Novo Mundo, em Campo do Tenente, PR. Em 2010, as trapistinas do Mosteiro de Quilvo, Chile, fundaram o Mosteiro de Nossa Senhora da Boa Vista, em Rio Negrinho, SC, em promissora fase de implantação. 

Os camaldulenses italianos também estabeleceram um mosteiro de sua Congregação no Rio Grande do Sul, em 1899. Contudo, tiveram que fecha-lo por imposição da Santa Sé, em 1926. Em 1985, voltaram ao Brasil, fundando uma nova casa, o Mosteiro da Transfiguração, em Mogi das Cruzes, SP. Em 1993, foram seguidos pelas monjas camaldulenses, também em Mogi das Cruzes, com a fundação do Mosteiro da Encarnação.

Em 1911, um grupo de jovens brasileiras, formadas na Abadia Nossa Senhora da Consolação, de Stanbrook (Inglaterra), fundou em São Paulo, SP, o primeiro mosteiro de monjas beneditinas de toda a América, a Abadia de Santa Maria, de onde se originou a quase totalidade dos mosteiros beneditinos femininos do Brasil, Argentina e Uruguai.

Nos anos 30-40, os cistercienses da Comum Observância (OCist), vindos da Alemanha, Áustria e Itália, fundaram cinco mosteiros com um estilo de vida mais orientado para as atividades pastorais. As monjas da mesma Ordem fundaram três Abadias.

Nos anos seguintes, surgiram novas comunidades monásticas pertencentes a diversas Congregações beneditinas : húngara, valumbrosana, olivetana, americano-cassinense, subiacense; monjas da Congregação da «Rainha dos Apóstolos»; monjas olivetanas da Congregação «Vita et Pax»; Irmãs americanas da «Federação de Santa Escolástica»; Irmãs Beneditinas austríacas do «Imaculado Coração de Maria»; Irmãs Beneditinas Missionárias, da Polônia; sem contar algumas comunidades diocesanas de aspecto beneditino e cisterciense.

Não devemos esquecer a Cartuxa de Nossa Senhora Medianeira, fundada em 1984, no município de Ivorá, RS.


c. No momento atual

Todo esse universo monástico, implantado no Brasil há mais de quatrocentos anos e nele chegado pelas mais variadas razões, vive nos espaços que lhes são próprios. A fundação da CIMBRA (Conferência de Intercâmbio Monástico do Brasil), em 1967, na movência dos anos pós-conciliares, permitiu que as diferentes comunidades se conhecessem melhor e passassem a colaborar mutuamente. O fruto desse conhecimento recíproco é a dinâmica de comunhão que estimula as comunidades de monges, monjas e irmãs a buscar e encontrar vias comuns de colaboração e ajuda fraterna em diversos níveis, sobretudo na formação de seus membros mais jovens. Os encontros periódicos de superiores e superioras proporcionam ocasiões para um intercâmbio de opiniões, aberto e franco, a respeito das preocupações que, no momento atual, interpelam a vida concreta dos mosteiros, sua missão, sua presença na sociedade contemporânea, no mundo do trabalho e da cultura, entre outras.

Para o monaquismo brasileiro de tradição beneditina, a Regra de São Bento continua sendo a fonte de unidade num pluralismo de expressões que enriquece e faz crescer cada uma de suas comunidades.’


Fonte :


[1] A coroa espanhola proibia categoricamente a implantação de Ordens monásticas masculinas em suas colônias americanas.

[2] Na verdade, o primeiro empreendimento monástico no Brasil, foi de cistercienses franceses, em terras do atual município de Nova Iguaçú (Rio de Janeiro), durante a tentativa de colonização francesa no século XVI. São José de Anchieta, em uma de suas cartas, se refere à existência de «frades bernardos» (nome dado antigamente aos cistercienses em Portugal) naquela região, onde se ocupavam da educação de crianças indígenas.


[3] Conselho do Abade Geral da Congregação.

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