*Artigo
de Evaldo D´Assumpção,
médico e escritor
‘Costumo ressaltar
a diferença enorme que existe entre o ouvir – usar o aparelho anatômico da
audição – e o escutar. Este, a capacidade de assimilarmos o que foi ouvido,
metabolizando-o à luz dos nossos conhecimentos e valores morais, refletindo e
tirando conclusões sem açodamento ou preconceitos. Como se vê, uma arte
dificílima. Também ressalto a diferença substanciosa que existe entre o olhar e
o enxergar. O primeiro, representando a simples utilização da estrutura ocular,
comum a quase todas as espécies animais. De certa forma, corresponde ao ouvir.
Todavia, ao humano realmente evoluído, o olhar é apenas o ato inicial do
enxergar, que é a compreensão exata – ou a mais próxima disso – daquilo ou
daquele que se coloca diante dos nossos olhos. Enxergar corresponde, de certa
forma, ao escutar, pois vai muito além do órgão anatômico do sentido, para o
penetrar, profundamente, no que olhamos.
E o falar, tem
também suas duas dimensões, sendo ele a mera articulação racional – ou não –
das palavras que conhecemos, e às vezes até mesmo daquelas que mal sabemos
pronunciar, inclusive ignorando o seu significado. Percebemos isso escutando
certas pessoas pernósticas, ou alguns oradores de ocasião, ávidos de exibir
erudição e buscando seus sonhados minutos de glória, mas carecendo dos mais
comezinhos princípios da retórica, e – que tragédia! – do idioma em que
pretende colocar suas ideias (se é que as têm...). Resumindo, qualquer pessoa é
capaz de falar, entretanto são poucas as que conseguem conversar. Pois no
universo da comunicação ele é, de certa forma, o correspondente ao enxergar e
ao escutar, sendo porém uma arte bem mais nobre, mais complexa e mais
gratificante para os que interagem. Quem bem conversa, bem enxerga, melhor
escuta. E somente quem vai além de todas as limitações dos órgãos anatômicos :
olhos, ouvidos e boca, é que logram escutar, enxergar e conversar, fazendo-o
com absoluta autenticidade, humildade e generosidade, jamais por encenações que
logo são desmascaradas. E os que o fazem genuinamente, são aquelas pessoas com
quem nos deleitamos disfrutar de sua companhia. São aquelas de quem nos
recordamos, sempre que temos necessidade de compartilhar tristezas ou alegrias,
derrotas ou vitórias. Na área profissional, são os médicos, psicólogos,
advogados, sacerdotes e pastores, mestres, jornalistas entrevistadores, etc.
mais requisitados – mesmo (e especialmente) não sendo figurões, pois esses
geralmente são frutos artificiais do marketing, hoje bastante agressivo em
quase todas as atividades. Na vida familiar, onde não há espaço para o
marketing, o diferencial é a disposição interior e pessoal de cada um, para
acolher os que o procuram. Nos círculos de amizade, conhecemos bem aqueles que
se aprazem em escutar, que não se impacientam com a fala do outro, que têm real
interesse em conhecer o que o interlocutor está compartilhando com ele. Por
outro lado, são notórios e cada vez em maior número, aqueles que estão sempre
ávidos a encontrar um espaço para interromper quem fala, e logo despejar
falação sobre si mesmos, sobre seus feitos, sobre suas maravilhas, sobre seu
modo de pensar, sobre suas predileções – e muitas vezes também de seus
familiares – sem terem escutado uma só palavra do que o outro disse. Na
realidade, somente ouviam em prontidão para perceber um almejado ponto final,
ou pelo menos uma vírgula, na fala do outro, permitindo-lhes tomar
imediatamente a palavra. As vezes o grau de ansiedade é tanto, que nem a
pontuação aguardam. Simplesmente ignoram a fala do outro e iniciam a sua
verborragia individualista. São os comumente denominados ‘desmancha-bolinhos’.
Outra situação
onde a arte de conversar assume enorme importância, são os momentos de
discussão, onde diferentes pontos de vista se chocam. Isso ocorre especialmente
no âmbito familiar. Nesse momento revelam-se os bons e os maus conversadores.
Os bons escutam, procurando entender o que o outro realmente quer expressar.
Também enxergam cuidadosamente para ver, além das aparências, o que o corpo
daquela pessoa está dizendo além das palavras. Assim superam preconceitos,
prejulgamentos e agressividades. São compassivos e conseguem amenizar e até
apaziguar as mais complexas situações. Já os maus conversadores, não se
interessam pelos sentimentos, nem pela opinião alheia. Julgam-se os donos da
verdade, só eles estão certos, ouvem ofegantes e por isso quase nada escutam,
estando sempre na defensiva e enchendo os pulmões de ar para, na primeira
oportunidade, contestar com todas as forças o que os outros possam ter dito.
Mesmo sem ter assimilado o que disseram. Para eles, o importante é ganhar a
discussão e não necessariamente chegar a um consenso que atenda a todos. E
muito menos admitir que sua posição nem sempre é a melhor, nem mesmo a mais
certa.
Por isso a
humanidade anda tão agressiva, e as pessoas tão recolhidas à sua conversa
solitária nas máquinas eletrônicas, onde falam o que querem, não precisam
escutar nem cuidar da forma ou do estilo, muito menos de uma fala escorreita.
Sabem que não serão interrompidas e, a qualquer desconforto, é só dar um clique
e ... que pena! O sistema caiu!’
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