Por Eliana Maria
(Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo de Pedro Nascimento,
Leigo Missionário Comboniano
‘A vocação, dom de Deus para cada pessoa, é manifestação do Amor do Senhor
por cada um de nós, um amor incondicional que começa mesmo antes do nosso
nascimento. Podemos compreender isso através da vocação de Jeremias, quando o
Senhor lhe diz : «Antes de te haver formado no ventre materno, Eu já te
conhecia; antes que saísses do seio de tua mãe, Eu te consagrei e te constituí
profeta das nações» (Jer 1, 4-5).
Com efeito, Deus ama-nos, conhece-nos, chama-nos à felicidade e no nosso
coração estará sempre uma sede de Deus, do Seu Amor, de fazer a Sua vontade,
apesar dos medos, das dúvidas, dos anseios. Refere o Papa Francisco que «a
vocação brota do coração de Deus e germina na terra boa do povo fiel, na
experiência do amor fraterno» (Mensagem para o 51.º Dia Mundial de Oração pelas
Vocações).
Viver em plenitude
No caminho de discernimento pessoal, importa compreender a nossa
essência, o que nos faz feliz, a que somos chamados. Nem todos somos chamados a
ser profeta das nações como Jeremias, mas somos chamados a uma vocação
específica! E se formos fiéis à nossa vocação, de certeza que faremos coisas
maravilhosas na nossa relação com Deus, na nossa vida, na vida dos que nos
rodeiam. Viver em plenitude a nossa vocação é assumir o desejo de ser santos (1Ped
1, 16) ou, como refere São Daniel Comboni, «santos e capazes». A construção de
um mundo melhor, mais justo e fraterno passa pela vivência genuína da nossa
vocação. Santo Afonso Rodrigues, irmão jesuíta, foi porteiro numa escola e, na
simplicidade da sua vida, conseguiu ser luz para aqueles que consigo se
cruzavam.
Assumir a sua vocação não foi fácil para Jeremias, que logo disse ser
muito novo (Jer 1,6), tal como não será fácil para cada pessoa compreender (e,
por vezes, aceitar) a vocação. Para mim também não foi fácil assumir o desejo
de viver a vocação laical e missionária e partir para outra terra; quantas
vezes pensei que não tinha dons para partilhar, que não me iria adaptar;
quantas vezes me questionaram sobre o que ia fazer; quantas vezes me disseram
que há tanto para fazer no nosso país. E todas são questões legítimas!
O discernimento espiritual, a oração, a escuta de Deus, permitiu
compreender a que sou chamado! Cada um é chamado a algo em específico e o
importante é viver com alegria a nossa vocação, seja na nossa aldeia, vila ou
cidade, ou noutro país! Ecoam em nós as palavras de João Paulo II : «Irmãos e
irmãs : não tenhais medo de acolher Cristo».
A vocação de Jeremias inspira-me muito, ajudou-me bastante no meu
discernimento pessoal. Existe uma música da irmã Glenda, que escutei (e escuto)
inúmeras vezes e usa o texto de Jeremias (cf. 20, 7-9) : «Tu seduziste-me,
Senhor, e eu deixei-me seduzir!» No caminho que vamos fazendo, Deus seduz-nos,
estimula-nos a viver a vocação. Não impõe! Mas pacientemente, consegue derrubar
as nossas barreiras, as resistências e no fim, vencidos, diremos :
«Dominaste-me e venceste-me.»
Fiel à vocação
Na fidelidade à sua vocação, Jeremias sofreu. Chegou mesmo a desejar a
sua morte (cf. Jer 20,17). Aliás, Jeremias chegou mesmo a desejar não pensar,
nem falar mais em Deus. Contudo, acaba por confessar : «No meu coração, a sua
palavra era um fogo devorador, encerrado nos meus ossos» (Jer 20,9).
Assumir na nossa vida a vocação de Deus pode ser bastante difícil. Viver
os valores do Reino, muitas vezes considerados ultrapassados pela sociedade,
escutar a vontade de Deus quando a nossa é completamente diferente é incómodo,
cria tensão. Aconteceu com Jeremias, com imensos homens e mulheres ao longo dos
tempos, acontece nos dias de hoje. Mas Jeremias foi fiel. Apesar das dores, das
lamentações, Jeremias cumpriu a sua missão, falou de Deus ao Povo, convidando à
conversão (Jer 7,3), denunciou a adoração de outros deuses (Jer 7, 16-20 e as
injustiças sociais (Jer 12, 1-5).
Na história vocacional de Jeremias, verificamos que Deus é fiel à Sua
Palavra, está conosco. Jeremias ensina-nos a ser fiéis à Palavra de Deus,
apesar das dificuldades que possam surgir. Seguir Jesus em fidelidade à vocação
implica assumir também os dissabores que por vezes surgem, implica viver com e
por Amor. Como nos ensina o Papa Francisco: «Mas existe um amor maior, um amor
que vem de Deus e se dirige a Deus, que nos permite amar a Deus, tornando-nos
seus amigos, e nos concede amar o próximo como Deus o ama, com o desejo de partilhar
a amizade com Deus. Por causa de Cristo, este amor impele-nos para onde
humanamente não iríamos : trata-se do amor pelos pobres, pelo que não é amável,
por quem não nos ama e não nos é grato. É o amor pelo que ninguém amaria; até
pelo inimigo. Até pelo inimigo. Isto é ‘teologal’, vem de Deus, é obra do
Espírito Santo em nós» (Audiência geral, 15/05/2024).
Testemunha do amor de Cristo
O padre Fugain Dreyfus Yepoussa é um jovem comboniano da República
Centro-Africana. Está agora em Espanha e vem do Peru, onde esteve seis anos a
prestar o seu serviço missionário. Conta-nos o seu testemunho vocacional e
frisa que, como Jeremias, teve momentos de alegria, mas também de solidão e
incompreensão. No entanto, sempre viveu com serenidade e com a certeza de que
Deus o chama a ser missionário.
«Quando estava na escola secundária, encontrei-me com um ex-postulante
comboniano. Ele falou-me de São Daniel Comboni e ofereceu-me o livro Salvar
a África com a África. Ao lê-lo, senti que Deus me chamava a dar o meu
pequeno contributo para ‘salvar a África’. Decidi contatar os Missionários
Combonianos. Assim começou o meu caminho de discernimento e de formação na
congregação. Em 2006, entrei no postulantado em Bangui e quando terminei fui
enviado para o noviciado de Cotonou, no Benim.
Fiz os votos religiosos e fui destinado à R. D. do Congo, para estudar
Teologia. Em 2015, regressei ao meu país para um período de serviço
missionário.
Em 2017, depois da ordenação sacerdotal, deixei o meu continente para
partir para o Peru. Durante seis anos fiz uma experiência missionária na
paróquia de Buen Pastor na cidade de Arequipa. Conhecer outro povo, outra
cultura, outra língua e, sobretudo, outra forma de viver a fé cristã e católica
enriqueceu-me; foi uma graça ter partilhado a minha fé com eles.
As visitas às famílias da paróquia ajudaram-me a conhecer melhor a
realidade pastoral peruana. Recordo com especial carinho os seis meses que
passei num bairro chamado Huarangal. Durante a tarde ia de casa em casa para
cumprimentar e passar tempo com as pessoas. Estas visitas permitiram-me entrar
em contato com a realidade da pobreza. O que mais me impressionou foi a alegria
das pessoas simples. Isso ajudou-me a compreender que a felicidade não depende
de bens materiais.
Nem tudo no Peru foi cor-de-rosa. Não faltaram momentos de solidão por
estar longe da família. Além disso, a vida numa nova cultura tão diferente da
minha não foi fácil. Por vezes, senti-me incompreendido e fiquei chocado com
certas reações das pessoas em relação a mim por ser africano, mas compreendo
muito bem que tudo isto faz parte dos desafios missionários.
Depois de seis anos no Peru, posso dizer que a vida missionária é o
caminho que o Senhor traçou para mim. Vale a pena ser missionário comboniano,
porque para mim não há maior alegria do que partilhar a minha fé cristã com os
mais pobres e abandonados.»’
Fonte : *Artigo na íntegra
https://www.combonianos.pt/alem-mar/artigos/8/1205/fidelidade-a-vocacao/