Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
‘Os evangelhos
apócrifos são textos religiosos sobre a vida de Jesus escritos
sobretudo a partir da segunda metade do século II. Os primeiros cristãos já os
haviam considerado não confiáveis do ponto de vista histórico ou, pelo menos,
como não inspirados por Deus. Ainda que muitas vezes possuíssem conteúdos
heréticos, tiveram influência na piedade popular e em muitas obras artísticas.
Os
evangelhos apócrifos são todos aqueles textos religiosos centrados em Jesus que
foram descartados pelos cristãos dos primeiros séculos e que não se encontram
no elenco dos livros da Bíblia considerados pela Igreja como autênticos e
inspirados.
A
palavra ‘apócrifo’ vem do grego e significa ‘oculto’ ou ‘escondido’.
No começo, o termo foi utilizado para designar os escritos que revelavam ‘verdades’
de cunho esotérico a ‘iniciados’. No entanto, esta palavra é utilizada hoje
para qualificar em geral os escritos sobre a vida de Jesus que não foram
aceitos pela Igreja como inspirados por Deus nem como norma de fé – ao
contrário dos evangelhos atribuídos a Mateus, Marcos, Lucas e João – e que
foram compostos na segunda metade do século I.
Os
evangelhos que conhecemos são chamados de ‘canônicos’ (termo
inspirado na vara ou ‘cana’ utilizada para medir os limites) e traçam o
perímetro dos textos sagrados que entraram no ‘cânon’ da Bíblia católica, ou
seja, o elenco oficial dos 73 livros (46 do Antigo Testamento e 27 do Novo
Testamento), fruto de um processo de discernimento iniciado dento da Igreja no
século II e que prosseguiu até o século IV, ainda que o selo definitivo tenha
chegado com o Concílio de Trento, em 1546.
Os evangelhos
apócrifos têm alguma semelhança com os quatro evangelhos canônicos,
pois apresentam palavras e fatos ligados à vida de Jesus, ou narrações mais
amplas sobre personagens já presentes nos canônicos. Começaram a circular no
âmbito judaico e cristão a partir da metade do século II, como reflexo de
tradições e temas populares, mas não eram lidos nas celebrações litúrgicas das
primeiras comunidades cristãs nem gozaram de grande prestígio, como testemunha
a escassez de manuscritos existentes que nos dão notícia deles.
Não
foram aceitos porque eram considerados pouco confiáveis, já que foram compostos
em uma época em que já haviam desaparecido não somente os Apóstolos e todas as
testemunhas oculares dos acontecimentos ligados à vida e morte de Jesus, mas
também os discípulos diretos dos Apóstolos e os membros das suas primeiras
comunidades.
Estes
escritos se dividem basicamente em quatro grupos : os mencionados
pelos antigos escritores cristãos (pelos quais conhecemos algo do seu
conteúdo), os fragmentos de papiro encontrados recentemente, os escritos que
contêm detalhes sobre a infância de Jesus e os de cunho gnóstico, um movimento
herético do começo do cristianismo.
Alguns evangelhos
apócrifos, como o ‘Evangelho dos Hebreus’, são conhecidos somente pelas
notícias dos escritores eclesiásticos. Outros, como o ‘Evangelho de Pedro’,
chegaram até nós muito fragmentados – apenas alguns pedaços de papiro – e não
acrescentam nada aos evangelhos canônicos.
O ‘Protoevangelho
de Tiago’, o ‘Pseudo Mateus’ e o ‘Pseudo Tomé’ narram dados da vida de Jesus,
de Maria e de São José que não aparecem nos evangelhos canônicos; por exemplo,
pelo ‘Protoevangelho de Tiago’, conhecemos a presença do boi e da mula na gruta
da Natividade e o nome dos pais de Maria – Joaquim e Ana.
Muitas
vezes, estes textos estão repletos de detalhes fantásticos ou piedosos
: neles se conta a história cajado florido de São José, o nome dos três reis
magos (Melchior, Gaspar e Baltazar) e os milagres que o Menino Jesus fazia, e
foram objeto de inspiração de lendas e obras de arte durante a Idade Média. Um
exemplo disso é o ‘Mistério de Elche’, na Espanha (uma representação teatral
sobre a Dormição, Assunção e Coroação da Virgem Maria, que acontece todos os
anos, no mês de agosto, na Basílica de Santa Maria de Elche, de forma
ininterrupta desde a Idade Média).
Outro
grupo de evangelhos apócrifos é composto por aqueles que
colocam sob a autoridade de algum apóstolo doutrinas e conteúdos estranhos à
fé. Estão relacionados ao gnosticismo, um movimento filosófico-religioso que
floresceu sobretudo no Norte da África, nos séculos II e III. A intenção
primária dos gnósticos era validar o seu sistema de crenças, isto é, com os
seus escritos, eles pretendiam remontar a origem das suas crenças ao próprio
Cristo. Entre eles, destacam-se o ‘Evangelho de Maria Madalena’, o ‘Evangelho
de Tomé’ e o ‘Pistis Sophia’.
Destes
últimos, falaram muitos Padres da Igreja (grandes homens dos inícios da Igreja,
aproximadamente do século II ao VII), para refutá-los e combater a suas
derivações gnósticas. Na maior parte das vezes, estes escritos narravam
supostas revelações de Jesus depois da sua ressurreição, sobre o princípio da
divindade, a criação, o desprezo do corpo etc.
Existem pouco mais de 50 evangelhos apócrifos.
Alguns são muito antigos; outros são descobertas recentes, como os escritos de
Nag Hammadi (1945). Esses textos continham traduções originais do grego ao
copto, quem contêm evangelhos apócrifos chamados de Tomé e Felipe, um ‘Apocalipse
de Paulo’, tratados teológicos e palavras atribuídas a Jesus, de claro conteúdo
gnóstico.
Alguns
especialistas, atendendo ao seu conteúdo, costumam classificar os
evangelhos apócrifos em 4 grupos :
–
Evangelhos da infância : narram o nascimento de Jesus e os milagres realizados
durante a sua infância.
–
Evangelhos de logia : são coleções de ditados e ensinamentos de Jesus, sem um
contexto narrativo. Muitos deles são gnósticos.
–
Evangelhos da Paixão e Ressurreição : tentam completar os relatos da Morte e
Ressurreição de Jesus.
–
Diálogos do Ressuscitado : recolhem ensinamentos do Ressuscitado a algum dos
seus discípulos. Estes últimos são típicos da literatura gnóstica também.
Os apócrifos
mais conhecidos são : ‘Evangelho de Pedro’, ‘Evangelho segundo Tomé’,
os ‘Evangelhos da Infância de Tomé’, ‘Evangelho de Bartolomeu’, ‘Evangelho de
Maria Madalena’, ‘Evangelho segundo os Hebreus’, ‘Evangelho de Taciano’ (ou
Diatessaron), ‘Evangelho do Pseudo Mateus’, ‘Evangelho Árabe da Infância’, ‘Evangelho
da Natividade de Maria’, ‘Evangelho de Felipe’, ‘Evangelho de Valentino’
(Pistis Sophia), ‘Evangelho de Amônio’, ‘Evangelho da Vingança do Salvador’
(Vindicta Salvatoris), ‘Evangelho da Morte de Pilatos’ (Mors Pilati), ‘Evangelho
segundo Judas Iscariotes’ e o ‘Protoevangelho de Tiago’.
Alguns
evangelhos apócrifos são conhecidos há muito tempo. Outros foram descobertos
recentemente, como no caso dos Papiros de Oxirrinco, procedentes da escavação
arqueológica realizada pelos ingleses S. P. Grenfell e S. Hunt em 1897, na
atual El-Bahnasa (Egito).
O
mais importante acontecimento recente no campo dos escritos apócrifos ocorreu
com a descoberta, por parte de camponeses – em um povoado egípcio chamado Nag
Hammadi, em dezembro de 1945 –, de cerca de mil páginas em papiro : 53 textos
divididos em códigos, cuja antiguidade remonta provavelmente ao século IV d.C.
Os
escritos continham traduções originais do grego ao copto, quem contêm
evangelhos apócrifos chamados de Tomé e Felipe, um ‘Apocalipse de Paulo’,
tratados teológicos e palavras atribuídas a Jesus, de claro conteúdo gnóstico.
Às
vezes, os apócrifos proporcionam detalhes que descrevem a
sensibilidade dos cristãos dos primeiros séculos ou que confirmam os dados
contidos nos evangelhos canônicos. Ainda que não contenham fontes
escriturísticas de primeira mão, os evangelhos apócrifos podem ser úteis para
confirmar alguns dados relatados pelos quatro evangelistas. Em outros casos, o
valor dos apócrifos consiste em refletir a mentalidade do ambiente em que se originaram.
Por
exemplo, o ‘Evangelho segundo os Hebreus’, que, para os especialistas,
remontaria à primeira metade do século II. Não temos nenhum testemunho direto
dele, mas apenas algumas frases recolhidas por alguns homens ilustres dos
primeiros séculos, entre eles Sofrônio Eusébio Jerônimo, mais conhecido como
São Jerônimo, que, além da célebre tradução latina da Bíblia a partir do grego
e do hebraico, compôs a obra De viris illustribus, isto é, uma espécie de
dicionário biográfico dedicado aos homens que haviam se distinguido de alguma
maneira nos primeiros séculos.
Nesta
obra, Jerônimo recolhe, em latim, uma pequena passagem do perdido ‘Evangelho
segundo os Hebreus’, que ele provavelmente teria consultado várias vezes na
biblioteca de Cesareia Marítima, fundada por Orígenes, uma das mais ricas e
renomadas do mundo antigo, destruída pelos árabes junto com a cidade, em 638 : ‘Após
ter dado a Síndone ao servo do sacerdote, o Senhor foi até Tiago e apareceu a
ele’. Nesta passagem, Jerônimo recolhe a palavra sindon para traduzir a
homônima palavra grega que havia empregado ao traduzir o Evangelho de Lucas
(23, 53), em que se fala do lenço que envolvia o corpo de Jesus. O ‘Evangelho
segundo os Hebreus’ teria, portanto, o mérito de testemunhar que, na época da
sua composição, a Síndone se encontrava provavelmente na Palestina, talvez na
própria Jerusalém.
Às
vezes, o valor dos apócrifos consiste em refletir a
mentalidade do ambiente em que se originaram e sobretudo a vontade das pessoas
de preencher os vazios deixados pela sóbria descrição dos evangelhos canônicos.
Por exemplo, o ‘Evangelho de Pedro’, composto em meados do século II, oferece,
ainda que com detalhes estranhos, uma descrição do momento preciso da
Ressurreição de Cristo. O relato reflete a necessidade que as pessoas tinham,
especialmente os cristãos ligados à figura de Pedro, de imaginar o momento que
transformaria para sempre suas vidas e que constituiria o centro da sua fé.’
Fonte : *Artigo na íntegra
https://pt.aleteia.org/2013/04/04/o-que-sao-os-evangelhos-apocrifos/
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