Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo de Susana Vilas Boas, LMC
(Laïcs missionnaires Comboniens)
‘Os
dias e os meses sucedem-se e não há meio de se pôr um ponto final à pandemia.
As medidas restritivas e de segurança oscilam ao sabor dos números : os números
dos novos infectados, os números dos que morrem, os números dos internados; mas
também os números que pautam a economia e a política. Todos desejam o fim de
limitações como se o tirar da máscara e/ou encontrar uma cura para a covid-19
fosse suficiente para viver sem limites. Esta pandemia arrastou consigo
correntes que vieram fortalecer as amarras que, ao longo da vida, vamos pondo
no nosso caminhar. Aos medos do fracasso e dos insucessos pessoais, juntaram-se
medos ligados à saúde, ao bem-estar e à auto-sustentabilidade. Tudo isto junto
levou-nos a uma sensação de encurralamento social, profissional e também
vocacional. Contudo, se é certo que hoje, mais do que nunca, as amarras do medo
e o fatalismo do limite se impõem; não podemos negar que «a tribulação, a
incerteza, o medo e a consciência dos próprios limites, que a pandemia
despertou, fazem ressoar o apelo a repensar os nossos estilos de vida, as
nossas relações, a organização das nossas sociedades e sobretudo o sentido da
nossa existência» (Fratelli Tutti, n.º 33).
Mais
forte do que o medo terá de ser a nossa coragem de ousar dar passos concretos
em direção a uma vida autêntica e de plena realização. Esta exigência de
plenitude de vida não é apenas algo que responderá aos nossos anseios mais
profundos, mas uma realidade que terá repercussões além de nós mesmos. Qualquer
pessoa realizada e em realização é dom para todos à sua volta e,
consequentemente, um triunfo para a própria humanidade. Ainda que no imediato
possam surgir vozes de entrave e que procurem contrariar os nossos passos de
discernimento e descoberta (o medo está também presente naqueles que nos
rodeiam e nos amam), estas vozes serão de alegria quando virem que aqueles que
amam estão felizes e no caminho que os realiza plenamente.
Para
lá do medo e da ilusão
A
pandemia veio tornar visível algo que, até então, era apenas simbólico. Hoje,
todos vivem ‘atrás da máscara’. Uma expressão que ganhou realismo, mas
que, em termos de vida autêntica não pode ser aceitável. De facto, quem
pretende viver ‘por trás da máscara’ do ‘coitadinho’, do ‘incapaz’
ou do ‘impotente face às circunstâncias’, jamais poderá assumir-se como
pessoa, e, menos ainda, como alguém que luta verdadeiramente pelos seus sonhos
e desejos mais profundos. Tirar a máscara do medo é urgente! Tirar a máscara da
auto-suficiência, também! A vocação é muito mais que um conjunto de palavras
ocas e vai muito além de sonhos e ilusões! Viver a vocação é ousar viver pelo
amor, com todas as exigências que são próprias ao Amor!
O
amor declarado é bonito, mas sem manifestações concretas é murcho e vazio. O
mesmo se passa com a vocação : dizer que se pretende discernir e viver o dom
recebido é muito bonito, mas sem ações concretas é ilusão e hipocrisia – jamais
as palavras, só por si, serão geradoras de vida fecunda! Claro está que isto
não é algo fácil (se a felicidade fosse fácil seria uma realidade ‘automática’
e não um caminho-meta a trilhar-alcançar!). Por isso, os passos concretos para
a libertação do medo e das ilusões não acontecem de forma simples e de uma vez
por todas. Antes, é um caminho duro que vai durando ao longo do tempo. Como conseguir
vencer as amarras? Dando passos concretos num caminho de descentralização do ‘eu’.
Do mesmo modo que ninguém é feliz sozinho, ninguém conseguirá trilhar um
caminho de discernimento e vivência vocacional de maneira isolada. Urge, pois,
dar passos em direção àqueles que nos podem ajudar a crescer e a desenvolver o
que somos, e, consequentemente, a ir mais longe do que os nossos medos, as
nossas circunstâncias e... a nossa visão limitada sobre nós mesmos! Caminhar
acompanhado é ter presente que esta «experiência que se realiza num lugar
deve desenvolver-se ora ‘em contraste’ ora ‘em sintonia’ com as experiências
doutras pessoas que vivem em contextos culturais diversos» (Fratelli
Tutti, n.º 147); é assumir que, quem já viveu a experiência de um discernimento
que conduziu a uma realização de vida que procuramos ter para nós, estará
melhor qualificado para nos ajudar a ir mais longe e ver para lá das ilusões
que vamos criando, ora por medo, ora por fantasia e fascínio por uma felicidade
fácil e vistosa.
Os
limites como condição de possibilidade
Alerta
o Papa Francisco que, na atualidade, «nota-se a penetração cultural de uma
espécie de ‘desconstrucionismo’, em que a liberdade humana pretende construir
tudo a partir do zero. De pé, deixa apenas a necessidade de consumir sem
limites e a acentuação de muitas formas de individualismo sem conteúdo» (Fratelli
Tutti, n.º 13). Este alerta não é sem fundamento e deve levar-nos a uma
reflexão maior sobre as nossas escolhas quotidianas e sobre o impacto destas no
nosso caminho e discernimento vocacional. Fechar os olhos às experiências que
outros tiveram por ocasião da sua descoberta vocacional é enterrar a cabeça na
areia como a avestruz e pôr-se à mercê de uma vida edificada sobre a areia, sem
alicerces e marcada pela fragilidade.
Quantas
vezes não ouvimos pessoas arrependidas de não ter ousado tomar certas atitudes
no passado? Quase sempre estas pessoas depararam-se com oportunidades únicas que
as levariam a uma vida autêntica e feliz, mas... quiseram responder a esses
caminhos que se abriam diante delas de maneira individual, sem pedir ajuda a
ninguém. Consequentemente, as circunstâncias adversas levaram a melhor e estas
pessoas tiveram de se resignar a uma vida boa, mas não feliz; uma vida cómoda,
mas não de plena realização. Será isso que desejamos para nós? Não estará a
nossa pretensão de auto-suficiência a confinar o nosso futuro àquilo que as
circunstâncias nos oferecem? Estaremos nós dispostos a abdicar da felicidade em
nome do nosso orgulho e dos nossos caprichos egoístas?
O
limite da nossa visão sobre o mundo, sobre as circunstâncias e sobre nós
mesmos, não é algo de mau, nem algo que bloqueia e impede o nosso futuro. Ao
contrário, neste limite temos a possibilidade de ir para lá do que até ousamos
sonhar e descobrir, em nós e nos outros, muito mais do que até imaginávamos. Um
caminho só se faz caminhando e este limite – que não é limitação – possibilita
ir ao encontro de outros que vivem segundo uma vocação que pensamos ser a
nossa; possibilita entrar num caminho de novas possibilidades e tornar a
esperança mais forte do que a ilusão e a fé mais poderosa do que todos os
medos.
Que
sentido teria uma vocação se não houvesse possibilidade de realizar-se? Que dom
seria este? Quando nos resignamos ao «eu queria, mas não é possível»,
estamos a dizer que Deus nos ofereceu um dom, mas bloqueou-nos todas as
possibilidades de o recebermos. Que Deus seria este? Não faz sequer sentido
pensar as coisas desta forma. Ao contrário, se o dom está lá, depende de nós
procurar, ir ao encontro e ser perseverante num caminho (nunca fácil, mas
sempre possível e com resultados concretos) de discernimento e vivência
vocacional.’
Fonte : *Artigo na íntegra
https://www.combonianos.pt/alem-mar/artigos/8/693/os-limites-da-vocacao/
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