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sexta-feira, 4 de março de 2022

Invasão na Ucrânia: de que lado o Vaticano está?

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Mirticeli Medeiros,

jornalista e mestre em História da Igreja, uma das poucas brasileiras

credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé 


‘Francisco convocou um dia de oração pela paz na Ucrânia, e fez isso um dia antes da invasão russa, ao intuir que a situação se agravaria. E é nessas horas que nos perguntamos : a Santa Sé escolherá a vida da neutralidade ou da ‘profecia’? Como a diplomacia pontifícia irá atuar frente a essa situação? O que ela fez até aqui, está em linha com o clássico posicionamento da Santa Sé nessas situações?

O historiador italiano Alberto Melloni, em artigo publicado pelo jornal italiano La Reppublica, na semana passada, fez esse mesmo questionamento. No seu texto, ele teceu uma reflexão que poucos tiveram a coragem de expor.

O conflito, que acabou se materializando no campo de batalha, também acontece nas igrejas. A autocefalia da Igreja Ortodoxa Ucraniana, promulgada em 2016, e os desencontros entre o patriarcado de Moscou e o de Constantinopla em meio a esse processo, que culminaram no fim da comunhão eucarística entre ambas as sedes, serviu para legitimar e oficializar uma divisão que perdura há séculos.

E os pronunciamentos nacionalistas do Krill, patriarca de Moscou e de toda a Rússia, certamente não vão ao encontro do que se espera de um líder cristão nesse momento trágico. O mito da Terceira Roma ruiu faz tempo.

Portanto, historicamente, as próprias instituições cristãs, das quais se espera um posicionamento em concordância com o Evangelho, pouco contribuem com o processo de pacificação, ao menos em campo ideológico.

Por outro lado, a visita de Francisco à embaixada da Rússia junto ao Vaticano, na última sexta-feira (25), e sua ligação ao presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelens'kyj, no dia 26, mostram que a Santa Sé está disposta a jogar no tabuleiro geopolítico global com os recursos que tem.

Não é comum que a autoridade máxima da Igreja Católica vá pessoalmente a órgãos de representação diplomática, uma vez que é o secretário de Estado quem se encarrega de fazer esse tipo de coisa. Mas dada a urgência da situação, e aproveitando-se dos canais de diálogo que o próprio pontífice criou com a Rússia, nada melhor do que fazer uso desse privilégio em vista do bem comum.

E isso serve também para calar a boca de quem opina sobre a diplomacia da Santa Sé e sobre suas alianças, sem o mínimo conhecimento de causa sobre o quanto elas são importantes, principalmente em momentos como esse.

Francisco é um líder global e, graças a seu carisma, a diplomacia da Santa Sé tem adquirido, nos últimos anos, uma relevância que há muito não se via.

O líder da Igreja Católica não só privilegia as periferias do mundo (que é o carro-chefe da sua geopolítica), mas tenta impedir, quase que de maneira profética, que a disparidade entre norte e sul globais ultrapasse a esfera econômica - como já temos observado. Francisco se coloca na brecha, embora sua única arma seja apelar para o diálogo. Seus últimos pronunciamentos sobre a União Europeia, quando condenou as várias colonizações ideológicas que o próprio bloco promoveu, deixou claro que o discurso pontífice vai além do tout court dos pronunciamentos pontifícios, justamente porque é preciso atacar a raiz do problema.

Quando ele fala de uma ‘terceira guerra mundial em pedaços’, cujos sponsors são as grandes potências de sempre, alerta para o perigo de normalizar o jogo de interesses, como se, nessa disputa, houvesse anjos e demônios. Não há. E no atual cenário, a única vítima é o povo ucraniano. Ninguém mais.

O pontífice argentino foi o primeiro papa a encontrar-se com um patriarca de Moscou em 2016. Antes de Francisco, o líder da Igreja Católica se encontrava somente com as delegações e representantes da igreja russa. Ou seja, Francisco abriu um canal de comunicação tão expressivo quanto aquele iniciado por João XXIII em plena Guerra Fria.

Francisco é visto com bons olhos por Putin e Biden, tem contatos fortes com a União Europeia e é bem quisto pelo governo da Itália, que está ‘no seu quintal’. Por isso mesmo, no jogo geopolítico, ele tem a possibilidade de transitar onde quiser, exortar quem quiser e apertar a mão de quem quiser. E isso não está relacionado a ser neutro ou conivente, mas é a postura típica da diplomacia pontifícia, da qual se espera a manutenção do seu status de promotora da paz. Se o povo sofre, a Santa Sé intervém - ou nos bastidores ou escancaradamente. A conta é simples.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticia/1567989/2022/03/invasao-na-ucrania-de-que-lado-o-vaticano-esta/

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