Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
Papa Francisco e o Patriarca Bartolomeu se encontram em Istambul, em 2014
*Artigo
de Mirticeli Dias de Medeiros,
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das
poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa
da Santa Sé
‘Em
seus primeiros dias de pontificado, foi assim que o papa Francisco acolheu o
chefe da Igreja Ortodoxa, Patriarca Bartolomeu I : ‘Bem-vindo, André’.
No momento, quem não estava muito familiarizado com a bíblia não entendeu nada.
Já para os jornalistas que cobriam os primeiros compromissos públicos do
pontífice recém-eleito, em 2013, e conheciam minimamente o Novo Testamento
(como no meu caso), a mensagem foi captada na hora.
Era
23 de março de 2013. O papa, que de acordo com a tradição católica é o sucessor
do apóstolo Pedro, se encontrava com o sucessor do apóstolo André, o Patriarca
Ecumênico de Constantinopla. Segundo as escrituras, Pedro e André, que
integravam o grupo de 12 discípulos de Jesus, eram irmãos de sangue.
O
abraço entre os dois líderes, naquele dia, não simbolizava somente um encontro
protocolar entre representantes das duas instituições cristãs mais antigas do
mundo, mas o desejo mútuo de superar as feridas do passado. Para início de
conversa, era a primeira vez, desde o Cisma do Oriente, de 1054, que o
Patriarca Ecumênico de Constantinopla participava da cerimônia de posse do
Romano Pontífice.
No
primeiro ano de pontificado de Francisco, portanto, eles selaram uma parceria
que entraria para a história. É tanto que, dois anos após aquele evento, foi
justamente o magistério de Bartolomeu I sobre o cuidado com a criação que
inspirou Francisco a dar uma resposta católica à crise ambiental. E foi assim
que nasceu a Laudato Si' sua segunda encíclica.
Esse
abraço entre ‘confrades’ abriu as portas para que outros irmãos, de
outras tradições cristãs, se sentissem também acolhidos e respeitados pelo
papa. Duas ou três laudas de texto não bastariam para citar os vários momentos
nos quais Francisco, ao longo desses 7 anos de governo, exprimiu, junto a anglicanos
e luteranos, que o ecumenismo não pode se limitar a trocas de saudações e
discursos bonitos.
Na
visão do papa, é tempo de conduzir um diálogo pautado na imagem do poliedro.
Afinal, por muitos anos, a esfera da autorreferencialidade institucional acabou
afastando uma tradição da outra, colocando em evidência mais as rupturas
históricas que os pontos em comum.
‘O
modelo é o poliedro, que reflete a confluência de todas as partes que nele
mantêm a sua originalidade. Tanto a ação pastoral como a ação política procuram
reunir nesse poliedro o melhor de cada um’, disse Francisco na exortação
Evangelii Gaudium, de 2013.
É
no mínimo estranho que, em pleno século 21, católicos, ortodoxos ou
protestantes ignorem o importância dessa aproximação. Os desafios são muitos. E
para todos os cristãos. O santo padre tem a consciência que o tempo urge por
essa unidade em prol do bem comum.
Os
algozes extremistas que martirizam e perseguem os seguidores de Cristo, no
Oriente Médio, não perguntam de qual denominação eles são antes de
exterminá-los. Os matam, única e simplesmente, por professarem a fé em Jesus
Cristo. E Francisco, em relação a esses episódios, falou em algumas ocasiões,
que existe, hoje, um ecumenismo de sangue. Apesar das diferenças teológicas, os
cristãos acabam se unindo no martírio, onde tudo começou.
O ecumenismo ‘invisível’
Para
quem nega a importância do ecumenismo, e como a religião cristã, ao longo dos
séculos, foi se mesclando em torno de várias tradições, vai precisar rever
muitos de seus costumes e conceitos.
A
coroa de advento, composta por 4 velas que representam as 4 semanas que
antecedem o Natal, é uma invenção luterana. Foi criada pelo pastor alemão
Johann Hinrich Wicherne, em 1839, na cidade de Hamburgo. Na sua concepção
original, o adereço possuía 24 velas. Reduziram a quantidade para 4, de modo
que ela não ocupasse muito espaço na casa dos fiéis. A Igreja Católica,
considerando o valor dessa devoção, a adotou em 1915, integrando-a às
celebrações desse tempo litúrgico.
Já
o pinheiro, transformado em símbolo cristão por São Bonifácio, no século 8, foi
ornamentado pela primeira vez pelos luteranos, no século 16, para celebrar o
nascimento de Jesus dentro das igrejas. Mas só virou moda entre as famílias
alemãs pelos idos de 1800, de acordo com o etnólogo e historiador Alois Döring,
em entrevista ao site oficial dos luteranos do Brasil. Aos poucos, a árvore de
Natal passou a decorar a sala de estar de cristãos de outras confissões, até se
transformar num hábito comum a católicos, luteranos e ortodoxos.
‘Decisiva
para a sua difusão foi a guerra franco-prussiana de 1870. Na época, por ordem
das lideranças militares alemãs, algumas árvores de Natal foram dispostas nas
trincheiras, como sinal dos laços da Pátria’, salienta o estudioso.
O
presépio em si foi criado por São Francisco de Assis, no século 13. Mas o
presépio encenado, tal qual vemos hoje, também provém da tradição protestante.
Foram os luteranos que, pela primeira vez, encenaram o nascimento de Cristo.
Se
observamos bem, é uma osmose de tradições que, no fim das contas, só
contribuíram para reforçar um princípio cristão : a centralidade de Jesus
Cristo. Para além dos documentos, convenções e acordos que já aconteceram entre
representantes de várias igrejas, essa ‘teologia do povo’, que se manifesta
nas devoções mais genuínas e singelas, também é canal de unidade. Do ‘André’
de Francisco à coroa do advento dos luteranos, a certeza que, no fim das
contas, é para Deus que todas as coisas convergem. Resta aos homens a
docilidade para corresponder a esses ‘movimentos’ do Divino.’
Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1485450/2020/11/o-ecumenismo-que-a-gente-nao-ve/
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