Páginas

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

O ecumenismo que a gente não vê

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)        

 
Papa Francisco e o Patriarca Bartolomeu se encontram em Istambul, em 2014

*Artigo de Mirticeli Dias de Medeiros,

jornalista e mestre em História da Igreja, uma das poucas brasileiras

credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé

  

‘Em seus primeiros dias de pontificado, foi assim que o papa Francisco acolheu o chefe da Igreja Ortodoxa, Patriarca Bartolomeu I : ‘Bem-vindo, André’. No momento, quem não estava muito familiarizado com a bíblia não entendeu nada. Já para os jornalistas que cobriam os primeiros compromissos públicos do pontífice recém-eleito, em 2013, e conheciam minimamente o Novo Testamento (como no meu caso), a mensagem foi captada na hora.

Era 23 de março de 2013. O papa, que de acordo com a tradição católica é o sucessor do apóstolo Pedro, se encontrava com o sucessor do apóstolo André, o Patriarca Ecumênico de Constantinopla. Segundo as escrituras, Pedro e André, que integravam o grupo de 12 discípulos de Jesus, eram irmãos de sangue.

O abraço entre os dois líderes, naquele dia, não simbolizava somente um encontro protocolar entre representantes das duas instituições cristãs mais antigas do mundo, mas o desejo mútuo de superar as feridas do passado. Para início de conversa, era a primeira vez, desde o Cisma do Oriente, de 1054, que o Patriarca Ecumênico de Constantinopla participava da cerimônia de posse do Romano Pontífice.

No primeiro ano de pontificado de Francisco, portanto, eles selaram uma parceria que entraria para a história. É tanto que, dois anos após aquele evento, foi justamente o magistério de Bartolomeu I sobre o cuidado com a criação que inspirou Francisco a dar uma resposta católica à crise ambiental. E foi assim que nasceu a Laudato Si' sua segunda encíclica.

Esse abraço entre ‘confrades’ abriu as portas para que outros irmãos, de outras tradições cristãs, se sentissem também acolhidos e respeitados pelo papa. Duas ou três laudas de texto não bastariam para citar os vários momentos nos quais Francisco, ao longo desses 7 anos de governo, exprimiu, junto a anglicanos e luteranos, que o ecumenismo não pode se limitar a trocas de saudações e discursos bonitos.

Na visão do papa, é tempo de conduzir um diálogo pautado na imagem do poliedro. Afinal, por muitos anos, a esfera da autorreferencialidade institucional acabou afastando uma tradição da outra, colocando em evidência mais as rupturas históricas que os pontos em comum.

O modelo é o poliedro, que reflete a confluência de todas as partes que nele mantêm a sua originalidade. Tanto a ação pastoral como a ação política procuram reunir nesse poliedro o melhor de cada um’, disse Francisco na exortação Evangelii Gaudium, de 2013.

É no mínimo estranho que, em pleno século 21, católicos, ortodoxos ou protestantes ignorem o importância dessa aproximação. Os desafios são muitos. E para todos os cristãos. O santo padre tem a consciência que o tempo urge por essa unidade em prol do bem comum.

Os algozes extremistas que martirizam e perseguem os seguidores de Cristo, no Oriente Médio, não perguntam de qual denominação eles são antes de exterminá-los. Os matam, única e simplesmente, por professarem a fé em Jesus Cristo. E Francisco, em relação a esses episódios, falou em algumas ocasiões, que existe, hoje, um ecumenismo de sangue. Apesar das diferenças teológicas, os cristãos acabam se unindo no martírio, onde tudo começou.

 O ecumenismo ‘invisível’

Para quem nega a importância do ecumenismo, e como a religião cristã, ao longo dos séculos, foi se mesclando em torno de várias tradições, vai precisar rever muitos de seus costumes e conceitos.

A coroa de advento, composta por 4 velas que representam as 4 semanas que antecedem o Natal, é uma invenção luterana. Foi criada pelo pastor alemão Johann Hinrich Wicherne, em 1839, na cidade de Hamburgo. Na sua concepção original, o adereço possuía 24 velas. Reduziram a quantidade para 4, de modo que ela não ocupasse muito espaço na casa dos fiéis. A Igreja Católica, considerando o valor dessa devoção, a adotou em 1915, integrando-a às celebrações desse tempo litúrgico.

Já o pinheiro, transformado em símbolo cristão por São Bonifácio, no século 8, foi ornamentado pela primeira vez pelos luteranos, no século 16, para celebrar o nascimento de Jesus dentro das igrejas. Mas só virou moda entre as famílias alemãs pelos idos de 1800, de acordo com o etnólogo e historiador Alois Döring, em entrevista ao site oficial dos luteranos do Brasil. Aos poucos, a árvore de Natal passou a decorar a sala de estar de cristãos de outras confissões, até se transformar num hábito comum a católicos, luteranos e ortodoxos.

Decisiva para a sua difusão foi a guerra franco-prussiana de 1870. Na época, por ordem das lideranças militares alemãs, algumas árvores de Natal foram dispostas nas trincheiras, como sinal dos laços da Pátria’, salienta o estudioso.

O presépio em si foi criado por São Francisco de Assis, no século 13. Mas o presépio encenado, tal qual vemos hoje, também provém da tradição protestante. Foram os luteranos que, pela primeira vez, encenaram o nascimento de Cristo.

 Se observamos bem, é uma osmose de tradições que, no fim das contas, só contribuíram para reforçar um princípio cristão : a centralidade de Jesus Cristo. Para além dos documentos, convenções e acordos que já aconteceram entre representantes de várias igrejas, essa ‘teologia do povo’, que se manifesta nas devoções mais genuínas e singelas, também é canal de unidade. Do ‘André’ de Francisco à coroa do advento dos luteranos, a certeza que, no fim das contas, é para Deus que todas as coisas convergem. Resta aos homens a docilidade para corresponder a esses ‘movimentos’ do Divino.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1485450/2020/11/o-ecumenismo-que-a-gente-nao-ve/

Nenhum comentário:

Postar um comentário