Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo publicado pela Agence France-Press (AFP)
‘O
relatório que documenta como um predador sexual – o cardeal americano expulso
do sacerdócio Theodore McCarrick – conseguiu fazer uma carreira de prestígio,
revela a indiferença da hierarquia católica para com os jovens padres agredidos
e é um desastre para a Igreja americana que se reúne nesta segunda-feira (16).
Divulgado
na semana passada pela Santa Sé, o relatório de 450 páginas ressoa como uma
advertência à Conferência Americana dos Bispos Católicos, que se reunirá por
videoconferência até terça-feira.
O
documento detalha uma série de denúncias de jovens padres e seminaristas
adultos submetidos à violência sexual, crime que vários bispos dos EUA não
levaram a sério, nem abriram uma investigação.
‘No
contexto atual de vigilância extrema, esses bispos seriam afastados’, disse
o padre americano James Martin, editorialista da revista jesuíta ‘América’.
‘O
relatório alerta o episcopado dos Estados Unidos de que sua correspondência
pode ser tornada pública no futuro’, acrescenta, referindo-se ao fato –
inédito – de a Santa Sé ter reproduzido correspondências na íntegra.
O
documento também é uma viagem pelo processo de seleção de bispos, uma máquina
para evitar escândalos públicos, onde prevalece a defesa da hierarquia sobre a
de um padre, ou de um fiel.
Nele,
o papa Francisco usa o termo ‘clericalismo’ para denunciar o que é,
segundo ele, a primeira causa dos abusos sexuais.
‘Recentemente,
o movimento MeToo contribuiu para falar de abusos sexuais contra adultos de
todas as esferas’, apontou o padre alemão Hans Zollner, assessor do papa
Francisco para a proteção de menores contra os abusos.
O
professor universitário e psicoterapeuta recorda que o novo arsenal legislativo
contra os abusos adotado pela Santa Sé há dois anos também afeta os ‘adultos
vulneráveis’.
Já
Theodore McCarrick, nascido em 1930 e que se tornou bispo em Nova York em 1977,
duas vezes promovido em Nova Jersey (em Metuchen, em 1981, e em Newark, em
1986), superou sem problemas as supostas investigações exigidas por cada
nomeação.
Convites para sua cama
Já
havia rumores sobre seu ‘modus operandi’ em Nova Jersey. Ele organizava
encontros nos finais de semana em sua casa no litoral com jovens seminaristas,
ou padres, vários ao mesmo tempo. O bispo McCarrick então convidava um jovem
para sua cama e exigia uma massagem nas costas antes de passar para o contato
físico e sexual.
Vários
jovens, com medo e intimidados por um homem que poderia prejudicar sua
ordenação sacerdotal, denunciariam essas práticas à sua hierarquia nas décadas
de 1980 e 1990.
Uma
vez consagrado, um deles relata o ocorrido, por exemplo, ao monsenhor Edward
Hugues, que está à frente da diocese de Metuchen. O prelado fica vermelho,
promete que fará algo, mas não voltará a tocar no assunto.
Esse
mesmo bispo receberá outras vítimas, inclusive um brasileiro que afirma ter
sido agredido três vezes. O monsenhor lhe teria recomendado perdoar ‘pelo
bem da Igreja’.
Vários
bispos testemunham a mão de McCarrick pousada, sob a mesa de um restaurante, em
um jovem padre visivelmente aterrorizado. Enojados, muitos simplesmente deixam
o local.
No
início da década de 1990, o prelado também é mencionado em cartas anônimas
enviadas ao embaixador do Vaticano, ou a cardeais americanos.
‘É
sempre a palavra de McCarrick que vence’, lamenta James Martin, ‘horrorizado’
por um relatório que mostra os prelados ‘muito desconfortáveis com questões
sexuais e temerosos do poder’.
Queda após denúncia de
um menor
Será
preciso esperar a denúncia, em 2017, de uma primeira vítima ‘menor’ à
época dos fatos (anos 1970), para afastar o influente cardeal aposentado da
Igreja.
‘O
fato de compartilhar sua cama com homens, em uma dinâmica de poder, não deveria
ter sido o suficiente para derrubá-lo?’, surpreende-se Martin, que descreve
uma ‘vergonha imensa para a Igreja americana’.
O
cardeal John O'Connor, arcebispo de Nova York, finalmente enviará uma lista de
suspeitas, com ares de escândalo, em 1999, para Roma. A pedido de João Paulo
II, quatro bispos são interrogados. Eles confirmam que McCarrick compartilhou
sua cama, mas omitem algumas vítimas.
McCarrick
foi nomeado arcebispo de Washington em 2000 por decisão pessoal do papa
polonês, convencido por uma carta do hábil predador. Este novo erro, no nível
mais alto, constitui a revelação mais explosiva.
‘Muitas
pessoas intervieram na nomeação de McCarrick, advertidos, e escreveram ao papa’,
conta o padre Zollner, que defende a criação de um ‘grupo de assessores
independentes’ que seja, no futuro, ‘um antídoto saudável para o
clericalismo’.’
Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1483294/2020/11/informe-sobre-cardeal-predador-sexual-assombra-reuniao-do-episcopado-dos-eua/
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