Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
teólogo protestante
‘Um
dos grandes fenômenos que vemos em nossa contemporaneidade é o crescimento do
fundamentalismo religioso. Isso não quer dizer que seja algo do tempo presente
e que surgiu somente agora. Muito pelo contrário, ao longo de toda a história
sempre houve movimentos que reivindicavam para si o conhecimento pleno da
vontade divina para a sociedade. Contudo, uma pergunta que sempre se faz é :
afinal, por que em pleno século 21 tais movimentos que se mostram extremamente
limitadores ainda crescem? O que leva diversas pessoas aderirem a esses
movimentos? Essas perguntas não são tolas e devem, sim, fazer-nos pensar sobre
tais posturas. Neste pequeno artigo gostaria de elencar quatro características
que considero basilares para a compreensão dos modos de ação dos movimentos
fundamentalistas de matriz religiosa, tentando, de alguma forma, responder a
essas perguntas.
A
primeira característica dos fundamentalistas religiosos é a acusação de que a
sociedade perdeu a moralidade, o que faz com que ela esteja corrompida. A moralidade
é um dos grandes motores dos fundamentalismos religiosos. Esse discurso é
baseado geralmente em algum texto considerado sagrado e de origem divina. Dessa
forma, a desobediência a essas normas escritas gera a depravação da sociedade
e, consequentemente, fomenta os problemas morais. O discurso da perda da
moralidade traz junto de si tanto o discurso catastrófico de que alguma coisa
acontecerá à sociedade caso não volte aos eixos, quanto a afirmação de que a
ira divina alcançará os imorais, fazendo com que toda sociedade pague o preço
dessa desobediência.
Esses
discursos, gerando o medo, vendem também a possibilidade de segurança, uma
segunda característica marcante do fundamentalismo religioso. A busca de
segurança faz parte da vida de todo ser humano e tudo que a ameaça gera
sensação ruim, fazendo-nos buscar algum porto seguro no qual não correremos
risco. Diante da suposta catástrofe vindoura, os movimentos religiosos
fundamentalistas oferecem justamente tal porto, que se daria a partir da
obediência ao texto ou leis sagrados. A partir dos mesmos textos, dizem que
toda pessoa que obedece à lei divina tem a segurança de que o mal anunciado não
a alcançará, podendo repousar em paz porque merece tal conforto por seguir as
ordens divinas.
Tais
escrituras, porém, são tomadas em sua literalidade, o que nos remete à terceira
característica desses movimentos. O texto bíblico, talvez, seja o mais
emblemático para compreendermos como isso se dá. Os movimentos cristãos
fundamentalistas, em sua maioria, tomam a Bíblia de modo literal e acreditam
que tudo que está escrito nela é algo dito ipsis literis por
Deus. Assim, se a Bíblia diz não, é não; se diz sim, é sim. Não há muito o que
se conversar. Esse tipo de leitura, além de tirar o texto do seu contexto,
serve de pretexto para toda e qualquer atrocidade que queira fazer em nome de
Deus, algo que a Idade Média mostra muito bem.
Uma
vez que tudo isso está posto, fica fácil compreendermos uma quarta
característica : a clara definição dos amigos e dos inimigos da divindade. A
pessoa obediente é amiga e a desobediente é inimiga. Essa definição, que se dá
por parte das lideranças de tais movimentos, visto que se consideram
conhecedores e aplicadores das ‘verdades’ contidas na literalidade do
texto, é responsável pela imposição da ordem necessária desejada pela
divindade, o que retorna à primeira característica que mencionamos.
Em
uma sociedade em que se percebe a perda de alguns marcos tradicionais, na qual
tudo corre o risco de se reduzir a mero jogo de linguagem, na qual tudo está
desconstruído e quase já não se encontra algo a ser chamado de verdadeiro,
ético, ou universal, é comum que pessoas se sintam inseguras e carentes de
respostas diante do mal que acontece no mundo. Elas são dadas de modo muito
claro pelos movimentos fundamentalistas : há algo a ser seguido, pronto e
definido e toda pessoa que o faz encontra segurança. Esse tipo de discurso, sem
dúvida, é extremamente tentador, sendo, a meu ver, um dos motivos pelos quais
tais movimentos fundamentalistas crescem em nosso mundo. Claramente, não
podemos esquecer os fatores econômicos e sociais que fomentam tais movimentos,
mas este texto ficaria muito grande se abordássemos essa questão neste momento.
Sem
querer esgotar o tema, considero importante tentar compreender esses passos num
momento em que movimentos religiosos fundamentalistas crescem ao redor do mundo
e se infiltram nos lugares de poder em diversas sociedades. Estar atento a isso
e denunciar tais atitudes se mostram como tarefas teológicas da qual todo teólogo
e toda teóloga não deve se furtar de fazê-lo.’
Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1480891/2020/11/caracteristicas-de-acao-dos-movimentos-fundamentalistas-religiosos/
Nenhum comentário:
Postar um comentário