Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
de Mirticeli Dias de Medeiros,
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das
poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de
Imprensa da Santa Sé
‘Não
é raro ver as pessoas questionarem os rumos tomados pela diplomacia vaticana
diante de determinadas situações. Em temos de Francisco, o secretário de estado
é o cardeal Pietro Parolin, que já pode ser considerado um dos maiores
estrategistas pontifícios da era contemporânea, na opinião de especialistas. Um
diplomata experiente que carrega na bagagem uma longa experiência em terras
estrangeiras, inclusive com passagem pela América Latina.
Atualmente,
são 183 países com os quais, oficialmente, Santa Sé estabelece diálogo. Por
isso é importante entender os pormenores das relações entre a Igreja e os
estados, bem como a natureza do organismo que coordena essas relações. Só
assim, seremos mais honestos em nossas análises, sem cair naquela interpretação
pífia de que a Igreja ‘deva quebrar regras’ sem se importar com os
conflitos diplomáticos que possam surgir.
É
muito fácil questionar sobre o acordo recente entre Santa Sé e a China ou pedir
que a instituição seja mais combativa em relação à crise da Venezuela. Difícil
é tentar compreender os motivos que levam a instituição ora a silenciar ora a
manifestar-se sobre determinadas questões.
Sem
adentrar em temas específicas neste artigo, os quais exigem um texto dedicado a
eles - como no caso da China - precisamos compreender que a Santa Sé, como
representante da Igreja Católica, é um sujeito soberano de direito
internacional. E a única organização religiosa dotada de um estado soberano.
Portanto, a Santa Sé, considerando o seu grau de representatividade, ‘faz
política’ - no melhor sentido da palavra -, não politicagem, o que é
completamente diferente.
Durante
a eleição de um pontífice, o voto vai para o candidato que mais corresponda aos
anseios da instituição, e se adeque, naquele momento específico, às suas
necessidades. Portanto, considerar que um conclave se submeta às
exigências de um establishment, e não esteja condicionado aos
parâmetros pré-estabelecidos pela própria instituição, não condiz, sequer,
com a própria missão do papado.
Os
sumos pontífices de transição são eleitos para atuarem com uma certa
continuidade em relação ao governo de seus antecessores, sobretudo quando os
cardeais sentem que não é a hora de realizar mudanças bruscas (Basta lembrar da
transição entre João Paulo II e Bento XVI). Já os pontífices mais jovens são
escolhidos para levar uma certa ‘vitalidade’ às estruturas. Outros papas
levam a tiara para lidar com situações mais específicas, que exijam uma certa ‘perspicácia
diplomática’, como foi o caso de João XXIII, o papa que promoveu o diálogo
em plena Guerra Fria.
Francisco
se enquadra neste último caso. Um papa considerado ‘outsider’ em relação
a determinados padrões, mas escolhido para desempenhar um papel que o distingue
dos demais : devolver a credibilidade à Igreja, abalada pelos escândalos que
marcaram os últimos anos de pontificado de Bento XVI. E não só : para
satisfazer os desejos de mudança em relação à própria estrutura da cúria
romana, que herda aquele espírito de ‘corte renascentista’ que os
pontífices contemporâneos pós-conciliares tentaram combater, sem sucesso.
Como
explica a historiadora Rita Almeida de Carvalho, em artigo publicado pela
revista científica História e Relações Internacionais, ‘o papado
hoje, poder neutro sem quaisquer aspirações de natureza temporal, é totalmente
independente e livre de todos os laços humanos que o constrangem e obrigam’.
Em
outras palavras, a Igreja pensa em si e na sua soberania, de modo que ela se
destaque no cenário internacional, e assim garanta a sua liberdade de culto e
de atuação em todos os territórios. Não há interesses econômicos, militares ou
comerciais em jogo, mas o desejo de salvaguardar a liberdade de 1 bilhão de
membros e se tornar um instrumento de mediação e um promotor da dignidade
humana, sobretudo em situações de conflito.
Se
a Igreja considera que a política, enquanto agente promotor da dignidade
humana, não cumpre o seu papel, em muitas ocasiões ela se pronuncia, mesmo que
demore a fazê-lo. Papa Francisco, não por acaso, pede insistentemente,
sobretudo neste período, um cessar-fogo global, citando, inclusive a situação
na Síria. O país, arrasado pela guerra, encontra-se em ruínas por causa disputa
entre americanos e russos. A Igreja compra a briga de pessoas, não de partidos.
O que é diferente.
Ainda
de acordo com a estudiosa, ‘a Igreja Católica procura assim contribuir para
a criação de uma nova ordem social, baseada na lei divina e nos ensinamentos cristãos
contidos no Evangelho. A diplomacia papal é um instrumento desta pretensão, faz
parte da organização transnacional da Igreja concebida para exercer influência’.
O
bispo Silvano Tommasi, que foi observador permanente da Santa Sé junto à ONU
até 2016, explica que a Igreja Católica ‘trabalha com as nações para que a
força da lei prevaleça sobre a lei da força’. E o papa, nesse
sentido, atua como agente pacificador e conciliador : características assumidas
mais concretamente pelo pontífice romano a partir do último grande concílio
ecumênico da década de 60. Como disse João Paulo II, em 1998, ‘a sua missão
diplomática era ajudar os indivíduos a cumprirem ο seu destino em paz e harmonia, com
vista ao bem comum e ao desenvolvimento integral dos indivíduo’.
Por
isso a diplomacia pontifícia é considerada sui generis, ou
seja, é diferente de todas as outras no tocante aos próprios objetivos que a
motivam. Sua soberania moral se exerce sobre pessoas, não sobre territórios. É
por isso que quando o papa visita um país estrangeiro, o faz a convite da
Igreja local, não das autoridades civis.
Cobrar
de Papa Francisco ou de qualquer outro pontífice pronunciamentos incisivos
diante de situações delicadas é desconsiderar o peso dessa estrutura que o
precede. Há quem critique as ‘omissões papais’ sem sequer conhecer
o status quo do Vaticano junto à comunidade internacional.
Quer queira, quer não, a Igreja é amparada por um estado que oferece garantias
não só à sua subsistência, mas à subsistência de toda a cristandade.
Em tempos de tanto obscurantismo intelectual,
nada melhor que nos lembrarmos que estamos diante de uma instituição milenar, a
qual precisa ser estudada com afinco para poder ser compreendida. Só assim, nos livraremos das
investidas ideológicas que ameaçam sua missão e atrapalham suas investidas
diplomáticas em vista da harmonia e do bem comum.’
Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1462833/2020/07/como-a-igreja-age-politicamente/
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