Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
A festa das Cabanas, (ateliê de Bernard Picart, 1724)
*Artigo de Lev Chaim,
jornalista e colunista
‘Encontrei
uma preciosidade histórica na revista judaica holandesa Benjamin sobre
o que os judeus portugueses do século 17 e 18 comiam, quando viveram em
Amsterdã, após terem fugido da Península Ibérica, por causa da Inquisição que
até então reinava a todo vapor em Portugal e Espanha.
No
interessante texto de Tirtsah Levie Bernfeld, tomamos conhecimento de que os
então judeus da Península Ibérica, que haviam se convertido forçadamente ao
catolicismo, para fugir da morte certa, durante a Inquisição, então chamados de
Cristãos Novos, quando se mudaram para Amsterdã, passaram a ser chamados de os
Judeus Novos da capital holandesa. Devido à nova liberdade, eles voltaram com
tudo ao judaísmo, inclusive na sua forma rígida de regras alimentícias e uso de
especiarias.
Por
meio de um quadro de Bernard Picart, de 1724 (vide a ilustração ao alto), que
retrata uma família judaica portuguesa durante a refeição da festa das cabanas
(Sukot), pode-se notar alguns minúsculos detalhes do cardápio judaico
português. E nas escavações do local onde os judeus portugueses moravam, no
centro de Amsterdã, foram encontrados ossos de frangos por todos os lados.
De
acordo com a descrição desse período feita pelo escritor Menasseh ben Israel em
seu livro sobre o assunto, os judeus portugueses que vieram para a Holanda
voltaram ao regime ortodoxo religioso em suas refeições e também monopolizaram
o fornecimento desses alimentos koshers, isto é, que estavam de
acordo com a lei ortodoxa judaica. Eles não só fabricavam os pãezinhos de
Páscoa (matzes), como também dominavam o comércio de carne para os seus
compatriotas em Amsterdã. E tem mais: havia uma proibição para os judeus da
Península Ibérica, portugueses e espanhóis, também conhecidos como Sefarditas,
de comprarem alimentos de outros fornecedores judeus, tal como os do Leste
Europeu, denominados de Asquenazim. Tudo isto me fez lembrar de um programa que
fiz há muito tempo para a Rádio Nederland, a emissora internacional da Holanda
– ‘A Primeira Sinagoga das Américas’. O programa que eu fiz foi sobre o
Recife dos tempos do governador holandês Maurício de Nassau, onde todos na
Holanda foram convidados a trazerem a sua colaboração para o desenvolvimento
daquela região, independentemente de sua fé religiosa. A conclusão a que
cheguei, ao fazer as entrevistas para aquele programa, foi que Recife, no
século XVII, governado pelos holandeses, era uma célula de liberdade e
tolerância para toda aquela região, contrastando muito com o restante do
Brasil, que então era governado pelas autoridades portuguesas, onde ainda
imperavam as leis da inquisição, que perseguiam a todos que não seguissem a fé
católica. Os judeus norte-americanos ficaram bem incomodados quando se
constatou que a primeira Sinagoga das Américas estava em Recife, na rua dos
Judeus, e não na Nova Amsterdã, Nova Iorque, como então se pensava até há algum
tempo atrás. Com as escavações arqueológicas em janeiro de 2000 da Mikvá do
Recife, uma banho para fins de purificação dos judeus, descobriu-se a
antiguidade da Sinagoga Kahal Zur Israel, a primeira de todo o Continente
Americano.
É
interessante lembrar que os judeus da Península Ibérica também contribuíram com
a cultura da capital holandesa, tomando como exemplo a obra do grande filósofo
judeu português, Bento de Spinoza. Apesar dele ter sido banido de sua
comunidade, por defender pensamentos leigos e não de acordo com as leis
ortodoxas judaicas, ele foi um grande motor para o desenvolvimento da filosofia
universal e até hoje é tomado como referência importante.
Temos
também em Amsterdã uma das mais lindas Sinagogas do mundo, a Sinagoga
Portuguesa, construída com madeira de jacarandá do Brasil e erguida quase no
final da Colônia Holandesa do Recife, que voltou para as autoridades
portuguesas. Um dos rabinos desta ‘nova’ Sinagoga foi Isaac Aboab da
Fonseca, que foi o primeiro religioso judeu a pisar no Recife de Maurício de
Nassau, cidade então conhecida pelos holandeses como Mauritsstad. Aboab da
Fonseca também participou da comissão que excomungou o filósofo Bento de
Spinoza de sua comunidade judaica de Amsterdã. E assim, meus caros leitores,
vamos aprendendo e nos surpreendendo com a história e suas interligações
importantes.’
Fonte
:
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