Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
de Evaldo D´Assumpção,
médico
e escritor
‘Neste ano, a festa denominada ‘Corpus Christi’ (Corpo de Cristo), cai
no dia 31 de maio, pois é celebrada anualmente, 60 dias depois da Páscoa,
sempre na quinta-feira seguinte ao Domingo da Santíssima Trindade, que por sua
vez é celebrado no domingo seguinte ao Domingo de Pentecostes. Contudo, poucas
pessoas conhecem a bela origem dessa celebração. Tudo se deu em decorrência de
um extraordinário acontecimento no século XIII, mais especificamente no ano
1263. Era um tempo de muitas discussões sobre a veracidade da
transubstanciação. Explico : transubstanciação diz respeito à transformação de
uma coisa em outra. Na teologia católica refere-se à transformação do pão e do
vinho na substância do corpo e sangue de Jesus Cristo, durante a cerimônia da
consagração, que acontece exclusivamente no contexto da Santa Missa. Ou seja,
por ela passa-se a ter a real presença de Jesus na hóstia e no vinho
consagrados. Este dogma baseia-se nas próprias palavras de Jesus que disse : ‘Se não comerdes a carne do Filho do homem,
nem beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós.... Minha carne é
verdadeiramente comida, e meu sangue é verdadeiramente bebida’ (Jo 6,
53-54). E que durante a última ceia, ao entregar pão e vinho aos apóstolos,
disse : ‘Isto é o meu corpo, que será
entregue por vós....Este cálice é a nova aliança em meu sangue, que será
derramado por vós.’ (Lc 22,19-20). O pão e o vinho consagrados não perdem
sua forma material, mas sua substância se torna na substância do próprio Cristo
Jesus, pela força de suas palavras.
Nos séculos XI e XII, heresias como a dos Cátaros e
dos Patarinis negavam essa transubstanciação e com isso geravam muitas dúvidas
até em sacerdotes. Um deles, Pedro de Praga era atormentado pela dúvida e
decidiu-se por uma peregrinação a Roma, em busca de luz para a sua falta de fé.
No trajeto, parou num povoado chamado Bolsena, próximo à cidade de Orvietto
onde no verão residia o Papa Urbano IV. Em Bolsena, ao celebrar a missa na
capela de Santa Cristina, durante a consagração sobreveio-lhe forte dúvida e
neste momento viu cair da hóstia que elevava, gotas de sangue sobre o altar,
impregnando o linho que o cobria. Procurou o Papa e este enviou o Bispo Giácomo
que lhe trouxe o pano ensanguentado. Diante disso, em 11 de agosto de 1264 o
Papa proclamou a bula ‘Transiturus de
mundo’, instituindo para todo o mundo a festa de Corpus Christi. E encarregou
a Tomás de Aquino (depois, canonizado santo) compor o Ofício da Celebração, que
deveria ser anualmente celebrada, na quinta feira após a oitava de Pentecostes,
em honra do Corpo do Senhor.
Mas, além deste chamado Milagre Eucarístico, outros
mais aconteceram em território italiano. Algo semelhante ocorreu na cidade de
Cássia, região de Úmbria, onde faleceu Santa Rita de Cássia, em 22 de maio de
1457. No ano de 1330 ali vivia o Padre Simone Fidati, um sacerdote Agostiniano
muito procurado como confessor de sacerdotes. Certa feita ele foi procurado por
um padre que acabara de viver uma incrível experiência. Sofrendo de enorme
falta de fé na eucaristia, havia sido solicitado a levá-la a um moribundo. Com
sua descrença, sem qualquer cerimônia tomou no sacrário uma hóstia consagrada,
colocando-a dentro do seu breviário, sem nenhum cuidado especial, e dirigiu-se
à residência do enfermo. Lá chegando, ao abrir seu livro de oração para pegar a
hóstia consagrada, viu que as páginas do livro estavam embebidas de sangue,
tendo a hóstia em seu meio, pregada numa delas. Estas páginas foram guardadas e
levadas, uma para o Tabernáculo de Perúgia, e a outra, com a sagrada hóstia
nela colada pelo sangue, para o mosteiro Agostiniano de Cássia, onde até hoje
pode ser vista. E mais espantoso, é que nesta hóstia, quando iluminada por
detrás, pode-se ver, nitidamente, o perfil de um rosto que se supõe seja a
reprodução da face de Cristo. Em 1687 houve o reconhecimento oficial da Igreja,
da Relíquia do Milagre Eucarístico de Cássia.
Entretanto, o mais detalhadamente estudado dos
chamados Milagres Eucarísticos, certamente foi o ocorrido em outra cidade na
costa adriática, chamada Lanciano. Seu nome vem do fato de aí ter nascido
Longino, o centurião que deu o golpe de lança no tórax de Cristo crucificado.
Este é talvez o mais antigo, pois ocorreu no século
VIII, quando um monge da ordem Basilicana, como os demais passava por uma
profunda crise de fé, não acreditando na transubstanciação. Durante uma
consagração, diante de sua comunidade, viu gotas de sangue escorrerem pela
hóstia elevada, que em suas mãos transformou-se em carne. Transtornado pelo que
via, guardou cuidadosamente os coágulos formados do sangue escorrido, e a
hóstia feita em carne. Séculos depois, nos anos 1970 e 71, os professores da
Universidade de Siena, Odoardo Linoli e Ruggero Bertelli, com autorização da
Igreja, fizeram exames químicos e microscópicos do sangue, constatando que
estava em perfeito estado, sem que houvesse qualquer traço de conservantes, o
mesmo acontecendo com a carne em que se transformou parte da hóstia. O sangue
revelou-se ser humano e do grupo AB, o mais comum entre os judeus. E a carne
revelou-se músculo cardíaco humano, contendo filetes nervosos e vasos como se
tivesse sido retirado de um coração ainda palpitando. Muitos outros estudos
foram feitos, nenhum deles levantando qualquer suspeita de fraude, como
aconteceu com os outros Milagres Eucarísticos reconhecidos pela Igreja.
Concluindo, afirmo acreditar que a verdadeira fé
não vem por causa de milagres, que só reforçam a chama bruxuleante existente em
nossos corações. Quem busca fatos miraculosos para crer, tão somente alcança a
crendice e o fanatismo, que com o mesmo ímpeto que surgem, se esvaem pela
inconsistência que os caracteriza.’
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