*Artigo de Natalia Sancha,
em Lesbos (Grécia)
Relato da viagem de um grupo
de refugiados sírios que chegaram à ilha de Lesbos...
‘‘Liberdade!’, grita em árabe, do bote de
borracha, um grupo de jovens excitados, impacientes. Alguns se atiram à água
para percorrer a braçadas os últimos metros que os separam da terra firme. Ao
bater nas rochas, a balsa balança. Mãos erguidas começam a passar bebês de dez
dias a um ano para colocá-los a salvo. Assim chegam 60 migrantes sírios, a
bordo de uma frágil balsa, às costas da ilha de Lesbos, no oeste da Grécia.
Estão prestes a terminar uma traumática travessia de milhares de quilômetros,
que durou meses, para chegar à Europa.
‘Faz um ano que tento chegar aqui’, diz,
começando a chorar, o sírio Ahmed, cerca de 30 anos, levando as mãos ao rosto.
Uma mulher e seu filho se prostram, roçando o chão com as testas. Diante dessa
imagem, outros migrantes os imitam e começam a rezar, agradecidos por
continuarem vivos. Quando o primeiro grupo ainda não tomou o caminho, chega uma
segunda balsa, desta vez carregada de afegãos.
Aterrorizadas
e sem saber nadar, as mulheres começam a gritar. Vários turistas e moradores se
apressam a reanimar uma das mulheres, que, tomada de uma crise de ansiedade,
cai desmaiada diante do desespero de suas filhas pequenas. O caos é completo e
o choro, contagiante. Alguns choram de medo, outros de alegria. Estão na
Europa, não sabem onde, mas é Europa. Até onde alcança a vista, boias cor de
laranja, sirenes e balsas de plástico preto desinfladas cobrem as rochas
banhadas pelas águas gregas - vestígios dos mais de mil refugiados que
desembarcam diariamente.
‘Devíamos ser 35 na balsa, mas os traficantes
colocaram 64’, afirma Abdel Karim, que navegou os 14 km que separam Lesbos
da Turquia em uma hora e 20 minutos. ‘Chegamos,
chegamos, Deus é grande!’, responde Karim a seu irmão a 2.700 km do outro
lado do telefone, na Síria.
À
noite, um bote de borracha com 54 sírios afundou a meio caminho da costa grega.
‘Não queria subir com tanta gente. Mas o
traficante me disse : ou sobe ou perde o dinheiro. Depois roubaram nossas
mochilas pelo excesso de peso e nos obrigaram a fazer o trajeto sozinhos’,
relata Hala el Ali, 45, que sobreviveu ao percurso junto com suas duas filhas
de um ano e meio e três anos. Depois de duas horas à deriva, com água pelo
pescoço e sem gasolina, foram resgatados por uma patrulha de guarda-costas
grega. Esse é o relato dos afortunados, aqueles que não ficaram no mar. Pelo
menos 2.000 pessoas morreram em naufrágios este ano, segundo a Organização
Internacional para as Migrações (OIM).
A
voluntária grega Melinda, que administra uma taverna na localidade de Molivos,
foi a encarregada de hospedá-los. Na parte de trás de seu restaurante, montou
várias tendas onde os recém-chegados passam as noites. São 12 menores e nove
mulheres, algumas grávidas. Uma rede de voluntários se encarrega de lhes
proporcionar roupa seca, comida, fraldas e cobertores. Nem vestígio de
organismos ou associações internacionais.
Diante
da avalanche de imigrantes, intensificada há quatro meses, os traficantes fazem
do desastre um negócio muito lucrativo. Colocam 60 pessoas - a média é de 50 -
em barcos com espaço para apenas 35. Isso multiplica os riscos de naufrágio.
Com esses preços, por 45 minutos de trajeto, embolsam entre 50 mil e 60 mil
euros, a 1.000 por cabeça. Cada traficante costuma mandar três ou quatro barcas
por dia. Isso significa que podem chegar a fazer cerca de 1 milhão de euros em
uma semana.
Transbordados
pela afluência maciça, os guarda-costas gregos não dão conta. Limitam-se a
rebocar botes à deriva ou a ponto de naufragar. ‘Os traficantes nos disseram para furar a balsa se víssemos os policiais’,
diz um imigrante sírio. Ao avistar uma embarcação, às vezes uma simples lancha
de turistas, muitos migrantes cortam as balsas, expondo-se a morrer afogados.
A
estrada que liga as praias no norte da ilha de Lesbos com o sul parece uma rota
de peregrinação. Milhares de pessoas caminham até três dias para chegar a
Mitilene, a capital da ilha, e ali obter os desejados salvo-condutos. Seus
únicos pertences são uma mochila. Os maiores levam mudas de roupa, joias e a
escritura de suas casas. Os jovens, o certificado universitário.
Diante
do descontrole, os moradores começam a perder a paciência. ‘Estamos contrariados. Por um lado, os
ajudamos e entendemos sua situação - eles fogem de uma guerra. Por outro, temos
uma guerra econômica aqui, e sua chegada afugentou o turismo e nosso meio de
vida’, relata uma moradora. ‘São como
fantasmas. Só os vemos andar e andar, e cada dia chegam mais. Nunca saberemos o
que acontece com os que já foram para o norte’, reflete Georgos, empregado
em uma agência de turismo.
Mudança nas férias
O
casal de holandeses Erica e Ronald, na faixa dos 40 anos, chegou à ilha de
Lesbos há cinco dias. Pretendiam descansar durante duas semanas com seus filhos
e desfrutar das águas cristalinas. Mas escolheram como destino a costa leste,
de onde se avista a faixa turca. Aqui convergem turistas e migrantes.
Erica,
professora de pessoas com incapacidade física em seu país, balança em seus
braços um bebê afegão de poucos meses. A alguns metros de distância, seu marido
despeja água em copos plásticos que dá aos 62 imigrantes recém-desembarcados.
Durante uma hora e meia repetirão o que se transformou em férias solidárias. No
horizonte, a silhueta de um pequeno ponto negro vai aumentando. ‘Lá vem uma balsa. Vamos!’, diz Ronald.
Dois meninos louros observam atônitos o desembarque. Junto deles, de biquíni,
outras turistas tiram fotos do cenário dantesco.
‘Não podemos ficar de braços cruzados’,
comenta Erica. Todos os dias eles usam o carro que alugaram para levar mulheres
e crianças às estações de ônibus mais próximas.’
Fonte :
* Artigo na íntegra de http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/el-pais/2015/08/14/lotada-de-imigrantes-ilha-grega-vira-cenario-de-medo-alivio-e-solidariedade.htm
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