*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de
Belo Horizonte, MG
‘O
momento atual se caracteriza pelas crises, cada vez mais evidentes, com
consequências reais, para além do mero alarmismo. É real a situação difícil
vivenciada por pessoas e setores afetados. As análises comprovam que a gênese
dessas crises enfrentadas pela sociedade brasileira tem um histórico que é
fruto das escolhas políticas, da eleição equivocada de prioridades sociais e
também do tipo de tecido cultural sobre o qual está assentada.
O
fato é que há crises e essas trazem consequências de diferentes naturezas.
Momento oportuno para se refletir sobre o ensinamento que se aloja no reverso
dessa realidade desafiadora. O ponto de partida para essa reflexão é admitir
que nenhuma crise é acontecimento súbito. Sua geração é um longo desdobramento
que pode revelar preciosas lições no que diz respeito a reações e novas
respostas. Um processo capaz de proporcionar aprendizagens relevantes e
transformadoras. Seria um grande risco deixar passar em ‘brancas nuvens’ a singular oportunidade de se aprender novas
dinâmicas nas relações sociais. São imprescindíveis as atitudes fundamentadas
nos princípios dessas lições.
Vista
desse modo, a crise torna-se possibilidade de se ingressar em um processo de correção
de rumos. Desvencilha a sociedade do perigo de um tratamento cultural da
situação com o conhecido ‘jeitinho’
próprio de dissimular os pontos críticos e justificar a manutenção de um
sistema que neutraliza ações eficazes para a superação dos desafios.
A
hora é oportuna para vencer a desconfiança, o desespero e a desorientação
provocados pelas dificuldades. É o momento certo para se exercer a cidadania ao
mesmo tempo em que se espera, com justeza, novas configurações na postura dos
órgãos governamentais, instâncias públicas de representação e daquelas que,
diretamente, prestam serviços ao povo. Não menos exigente é a expectativa
quanto às atitudes dos construtores da sociedade, para que ajam norteados por
princípios que garantam o bem comum, prezando o crescimento e o desenvolvimento
das instâncias responsáveis pela produção e sustentação do equilíbrio social e
econômico.
Além
dos aspectos que atingem altas esferas e intervenções de caráter sistêmico,
vale considerar a crise como oportunidade para uma nova cultura modulada em
hábitos e atitudes - reações e respostas a favor daquilo que a própria crise
aponta como solução. Mas, assumir outro modo de pensar e agir, no entanto, não
é tão fácil assim. Existe uma forte tendência do ser humano ao comodismo, o que
o predispõe a manter os mesmos costumes, diferentemente, das pessoas que
enfrentam rupturas drásticas da ordem social e econômica provocadas pelas
guerras ou catástrofes naturais. Nesse contexto, o estado de penúria impõe a
aprendizagem das lições sobre economizar, evitar desperdícios e a adoção de
novos hábitos. Essas rupturas e as consequências com força de testemunho
funcionam sempre como forte apelo para novas atitudes. Nesses momentos, por
exemplo, é comum presenciarmos gestos de pessoas que doam parte de suas
fortunas ou de seus altos salários em prol do bem comum. São iniciativas que
contribuem para a construção de uma cultura solidária e sustentável.
Condutas
como essa, ainda não fazem parte de nossa realidade. Sequer ousamos esperar
que, diante das necessidades do governo de atender as demandas do setor
educacional, políticos e funcionários do alto escalão aceitem ter os
vencimentos reduzidos. O que se vê são atitudes em causa própria, tomadas em
todas as instâncias do poder.
A
própria superação da crise econômica exige novos parâmetros. É urgente
encontrarmos um modelo que não dependa do consumismo. No momento atual,
torna-se indispensável um processo de reeducação no consumo que pode começar no
momento das refeições diárias diante da discrepância entre a quantidade servida
e a necessidade das pessoas. O equilíbrio ao consumir é, sem dúvida, um desafio
cultural que precisa entrar agora como legado advindo do tratamento e do
enfrentamento da crise.
Não
se pode restringir o olhar sobre os expressivos números do contexto econômico
nacional ou global - é curioso como são predominantes nos noticiários quantias
astronômicas. Torna-se necessário, primeiro, aprender a poupar, a valorizar o
próprio dinheiro, a partir de cada centavo, para saber respeitar e exigir
respeito ao erário. O propósito não é o de fazer apologia à usura, mas sim de
sugerir o princípio da otimização do consumo cultural daquilo que é realmente
necessário. Certamente, se a sociedade
aprendesse a superar o desperdício com as crises em curso já haveria uma
radical transformação de hábitos com os ganhos incidindo sobre o atendimento às
necessidades de outros que hoje estão à margens do mercado. É possível
vislumbrar que essa reeducação aponte até mesmo para a correção de critérios
morais, pois a cultura da ganância também patrocina a tolerância à corrupção.
Que as crises se tornem escolas de aprendizagem e de construção de uma nova
cultura.’
Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=5292
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