Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
A luz que
desmascara
‘O frade
menor capuchinho propôs uma reflexão sobre a manifestação universal da
salvação, sobre Cristo, a verdadeira luz, que é capaz de iluminar, esclarecer e
orientar toda a complexidade da experiência humana, que não apaga as perguntas,
os desejos e as buscas humanas, mas os coloca em relação, os purifica e os
conduz a um significado mais pleno. Luz que o mundo não abraçou porque os
homens amaram mais as trevas. O problema, explicou o padre Pasolini, é nossa
disponibilidade em acolher a luz, que é necessária e bonita, mas também
exigente : desmascara ficções, expõe contradições, obriga a reconhecer o que
preferiríamos não ver, e por isso a evitamos.
No entanto,
observou o religioso, Jesus não contrapõe quem pratica o mal a quem pratica o
bem, mas quem pratica o mal a quem vive a verdade. Isso significa que, para
acolher a luz da Encarnação, não é preciso já ser bom ou perfeito, mas começar
a tornar a verdade uma realidade na própria vida, ou seja, parar de se esconder
e aceitar ser visto por quem se é, porque Deus está mais interessado em nossa
verdade do que na bondade de fachada.
Igreja,
comunidade que vive a luz de Cristo
Para a
Igreja, isso significa iniciar um caminho de maior verdade, o que significa não
exibir uma pureza moral ou reivindicar uma coerência impecável, mas apresentar-se
com sinceridade e reconhecer resistências e fragilidades. Porque o mundo não
espera uma instituição sem fissuras, nem mais um discurso indicando o que deve
ser feito, disse o padre Pasolini, mas precisa encontrar uma comunidade que,
apesar de suas imperfeições e contradições, viva verdadeiramente à luz de
Cristo e não tem medo de se mostrar como é. Os Reis Magos, por exemplo,
demonstraram uma maneira singular de serem verdadeiros ao trilharem o caminho
do Senhor, explicou o religioso. Eles partiram de longe, mostrando que para
acolher a luz do Natal, é necessário um certo distanciamento, para enxergar melhor
as coisas : com um olhar mais livre, mais profundo, mais capaz de surpreender.
Em vez disso, o hábito de olhar a realidade de perto demais nos torna prisioneiros
de julgamentos previsíveis e interpretações excessivamente consolidadas, e isso
também acontece com aqueles que vivem permanentemente no centro da vida
eclesial e comporta responsabilidades, observou o pregador da Casa Pontifícia,
porque a familiaridade cotidiana com funções, estruturas, decisões e
emergências pode, com o tempo, estreitar o olhar e, assim, corre-se o risco de
não reconhecer os novos sinais pelos quais Deus se faz presente na vida do
mundo.
Os caminhos
inesperados de Deus
Se o Natal
celebra a entrada da luz no mundo, a Epifania destaca que essa luz não se
impõe, mas se deixa reconhecer, manifesta-se numa história ainda marcada pela
escuridão e pela busca, e é uma presença que se oferece a quem está disposto a
se mover. Nem todos a veem da mesma maneira e a reconhecem ao mesmo tempo,
porque a luz de Cristo se deixa encontrar por quem aceita sair de si mesmo,
quem se coloca a caminho, quem busca, enfatizou o frei capuchinho,
acrescentando que isso também é verdade para o caminho da Igreja, já que nem
tudo o que é verdadeiro se mostra imediatamente claro, nem o que é evangélico é
imediatamente eficaz. E, às vezes, a verdade exige ser seguida mesmo antes de
ser plenamente compreendida.
A este
respeito, o Padre Pasolini citou a experiência dos Magos, que não avançaram apoiados
por certezas consolidadas, mas por uma estrela frágil, porém suficiente para
guiá-los em sua viagem. Os sábios que vieram do Oriente para Belém ensinam
essencialmente que para encontrar o rosto de Deus feito homem, é preciso
colocar-se a caminho, e isso, enfatizou o pregador da Casa Pontifícia, se aplica
a todo fiel, e especialmente a quem têm a responsabilidade de proteger, guiar e
discernir. Sem um desejo que permanece vivo, mesmo as mais elevadas formas de
serviço correm o risco de se tornarem repetitivas, autorreferenciais, incapazes
de surpreender. A estrela que guiou os Magos, para o padre Pasolini, é também o
sinal das discretas lembranças com as quais Deus continua a se fazer presente
na história, e assim, aqueles sábios que não conhecem as Escrituras de Israel,
mas leem os céus, lembram que Deus também fala por meios inesperados,
experiências periféricas, perguntas que surgem do contato com a realidade e
aguardam para serem ouvidas.
Imobilidade
Mas outro
aspecto importante que emerge da história dos Magos é a atitude de busca : não
se importar, não se colocar em movimento, pode levar a acomodação em uma
posição que parece reconfortante, baseada em certezas e hábitos consolidados,
mas que com o tempo corre o risco de se tornar uma forma de imobilidade
interior, que lentamente isola, muitas vezes sem que percebamos. É o que
acontece com Herodes, ele parece atento : questiona, calcula, planeja, mas não
parte para Belém, não aceita o risco e a surpresa do que poderia acontecer e
delega a tarefa de ir aos Magos, reservando-se o direito de ser informado sobre
os acontecimentos. É a atitude de quem quer saber tudo sem se expor,
permanecendo protegido das consequências de um envolvimento real, afirmou o
frade franciscano, alertando contra uma abundância de conhecimento que carece
de envolvimento real. Sabemos muitas coisas, mas permanecemos distantes.
Observamos a realidade sem nos deixarmos tocar, protegidos por uma posição que
nos protege do imprevisto. Acontece, então, que na Igreja se pode conhecer bem
a doutrina, preservar a tradição, celebrar a liturgia com zelo e, ainda assim,
permanecer parados. Como os escribas de Jerusalém, também nós podemos saber
onde o Senhor continua se fazendo presente — nas periferias, entre os pobres,
nas feridas da história — sem encontrar a força ou a coragem para seguir nessa
direção, advertiu o pregador da Casa Pontifícia.
A coragem de
se levantar
Em síntese,
para encontrar Deus, o primeiro passo é sempre se levantar : sair de nossos
refúgios interiores, de nossas certezas, nossa visão consolidada das coisas,
insistiu o padre Pasolini, especificando que levantar-se exige coragem.
Significa abandonar o estilo de vida sedentário que nos protege, mas nos imobiliza,
aceitar o cansaço do caminho, expor-se à incerteza do que ainda não está claro.
Como fizeram os Reis Magos, deixando sua terra natal e cruzando distâncias sem
garantias, guiados apenas por um sinal tênue e discreto, sem saber o que
encontrariam, mas confiando na luz que os precedia. Isso é o que significa
esperar.
O padre
Pasolini também destacou o abaixamento humilde dos Reis Magos. Ao chegarem a
Belém, adoraram o Menino, se colocaram a caminho, buscaram e se abriram ao
mistério : Levantar-se e depois ajoelhar-se : este é o movimento da fé.
Levantar-se para sair de si, não para colocar-se no centro. E depois se
abaixar, porque se percebe que o que encontramos está além do nosso controle.
Para o pregador da Casa Pontifícia, isso vale na relação com Deus, nas relações
cotidianas — quando o outro nos surpreende, nos decepciona ou nos transforma —
e é preciso parar de impor nosso próprio ponto de vista e aprender a
verdadeiramente escutar. E, ampliando a perspectiva, vale também para a Igreja,
que é chamada a se mover, a sair, a encontrar pessoas e situações que lhe são
distantes, e também a saber parar, abaixar o olhar, a reconhecer que nem tudo
lhe pertence nem pode ser controlado. Então, o dom da salvação pode se tornar
universal se a Igreja aceitar em deixar de lado suas próprias certezas e olhar com
respeito para a vida dos outros, reconhecendo que mesmo ali, muitas vezes de
maneiras inesperadas, algo da luz de Cristo pode emergir.
A verdadeira
luz do Natal
Um último
aspecto sobre o qual o pregador da Casa Pontifícia convidou a refletir foi que se
Deus escolheu habitar nossa carne, então cada vida humana carrega em si uma
luz, uma vocação, um valor que não pode ser apagado. Isso nos leva a concluir
que não viemos ao mundo apenas para sobreviver ou atravessar o tempo da melhor
maneira possível, mas para ter acesso a uma vida maior : a de filhos de Deus.
Assim, a tarefa da Igreja é oferecer a luz de Cristo ao mundo. Não como algo a
impor ou defender, mas como uma presença a oferecer, deixando que todos se
aproximem. Portanto, sob essa perspectiva, a missão não consiste em forçar o
encontro, mas em torná-lo possível, concluiu o padre Pasolini. Uma Igreja que
oferece a presença de Cristo a todos não se apropria de sua luz, mas a reflete.
Não se coloca no centro para dominar, mas para atrair, tornando-se, portanto, um
espaço de encontro, onde cada pessoa pode reconhecer Cristo e, diante dele,
redescobrir o sentido de sua vida. A perspectiva sobre os hábitos missionários
deve, portanto, mudar : muitas vezes se pensa que evangelizar significa levar
algo que falta, preencher um vazio, corrigir um erro, mas a Epifania aponta
para outro caminho, que é o de ajudar o outro a reconhecer a luz que já habita
nele, a dignidade que já possui, os dons que já possui. Portanto, a
catolicidade da Igreja consiste em guardar Cristo para oferecê-lo a todos, com
a confiança de que a beleza, a bondade e a verdade já estão presentes em cada
pessoa, chamada à plenitude e a encontrar nele o seu pleno significado. Em
conclusão, para o pregador da Casa Pontifícia, a verdadeira luz do Natal
'ilumina cada homem' precisamente porque é capaz de revelar a cada um a própria
verdade, a própria vocação, a própria semelhança com Deus.’
Fonte : *Artigo na íntegra
