Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
‘A oração sempre ocupou lugar central na vida
cristã, não apenas como devoção, mas como fonte que sustenta e inspira todas as
escolhas e ações do discípulo. Desde os antigos mestres espirituais, passando
pela experiência de Santo Afonso de Ligório, aprendemos que rezar é reconhecer
que ‘sem mim nada podeis fazer’ e pedir o dom do Espírito para viver segundo o
Evangelho. São Francisco de Assis é testemunha luminosa dessa verdade : sua
profunda vida de oração, feita de silêncio, louvor, escuta e entrega, tornou-se
ação concreta, serviço humilde, cuidado dos pequenos e reconstrução da vida dos
que sofrem. Por isso, a oração cristã não permanece apenas na interioridade;
ela abre o coração, purifica a intenção e conduz ao compromisso real com o
Reino de Deus.
Orar é elevar a mente e o coração a Deus, confiando
inteiramente na sua graça. Não se trata de um gesto isolado de devoção, mas da
fonte que orienta toda ação cristã. Desde os antigos mestres, como Hugo de São
Vítor, e conforme a tradição bíblica do Livro da Sabedoria, entende-se que a
oração é o caminho pelo qual se recebe a sabedoria e o Espírito : ‘Invoquei o
Senhor, e veio a mim o espírito da sabedoria.’ Hugo recorda que, sem o auxílio
divino, a iniciativa humana é insuficiente. A oração, portanto, é o acesso à
filiação divina e nos torna capazes de pedir e viver o dom do Espírito. Santo
Afonso reforça essa verdade a partir do mandato de Cristo : ‘Sem mim nada
podeis fazer’. A oração não é um adorno religioso, mas a respiração da vida
cristã. Quem reza com sinceridade e constância pede, antes de tudo, o dom do
Espírito, e desse encontro nascem a fé, a esperança e a caridade autênticas.
A oração genuína, porém, não se limita ao interior :
ela transforma e encaminha para o serviço. Enzo Bianchi e a tradição litúrgica
lembram que a liturgia é ‘parusia antecipada’, sinal do Reino que já vem ao
encontro do povo. O ministro, o celebrante e todo cristão só podem comunicar
aquilo que carregam no coração : ‘Se você não estiver evangelizado, não poderá
evangelizar; se a Palavra não mora em você, não poderá comunicá-la à
assembleia.’ São Carlos Borromeu aconselhava os ministros : ‘Se você administra
os sacramentos, medite no que está fazendo. Se celebra a missa, medite no que
está oferecendo. Se recita os salmos, medite a quem e do que está falando.’ A
regra é clara : a liturgia molda o coração para a caridade; a oração prepara e
orienta a ação sacramental e pastoral. Orar e celebrar é preparar-se para
servir e levar à vida aquilo que a Palavra e os sacramentos suscitam.
A vida de São Francisco de Assis ilumina essa união
inseparável entre contemplação e serviço. Seu Cântico das Criaturas, sua oração
diante do crucifixo e sua intimidade com Deus revelam uma espiritualidade que
transforma tudo em compaixão e prática solidária. Na prece diante do crucifixo
— ‘Altíssimo, glorioso Deus, ilumina as trevas do meu coração. Dá-me fé reta,
esperança certa e caridade perfeita. Dá-me, Senhor, senso e discernimento para
que eu cumpra o teu santo e verdadeiro mandamento’ — Francisco mostra a prioridade
da vida cristã : pedir a graça para viver o Evangelho. Ele viu a criação como ‘um
grande coro de onde brota contínua oração’ e fez da atenção aos pobres a
consequência necessária dessa experiência contemplativa. Para ele, a oração que
não gera partilha não é conforme ao Evangelho : a verdadeira espiritualidade
conduz ao encontro dos pequenos, ao cuidado dos leprosos, à partilha do
alimento, à presença junto aos marginalizados. A caridade é o fruto visível da
alma que reza.
Praticar a fé significa, portanto, transformar a
contemplação em gestos cotidianos : cultivar a Palavra, estudá-la, meditá-la,
deixá-la moldar o coração; buscar a reconciliação com Deus e com os irmãos;
ajudar os necessitados com partilha e presença; oferecer escuta; promover a
comunhão. A Eucaristia, centro da vida cristã, recorda esse movimento :
alimentar-se do Corpo do Senhor é assumir a responsabilidade de levar alimento
e dignidade aos famintos. A espiritualidade franciscana sublinha que
solidariedade é prática de amor : viver a destinação universal dos bens, a
fraternidade e a partilha como escolhas diárias. ‘O que eu tenho, eu dou’
resume a decisão de não viver para si, mas para quem precisa.
Há, portanto, um caminho claro : a oração nos dá o
Espírito; o Espírito fecunda a fé; a fé se traduz em obras de amor. Tal
percurso exige humildade — ser sinal pobre de Cristo — e coerência litúrgica :
a celebração não é espetáculo, mas gesto formativo que converte. Quem preside,
canta ou reza os ofícios deve fazê-lo com atenção e reverência, consciente de
que a liturgia possui força evangelizadora quando é vivida em adoração. Ao
mesmo tempo, a prática cristã é profética : uma espiritualidade que não promove
transformação social nem se compromete com a justiça permanece mutilada. A fé
que salva é a que humaniza, denuncia injustiças, reconstrói e liberta.
Concluímos com o mesmo espírito de Francisco, que
inspirou gerações : oração e ação são duas faces da mesma vocação. Como
escreveu o Poverello pouco antes de morrer : ‘Irmãos, até agora pouco ou nada
fizemos; vamos recomeçar!’ Recomeçar na oração, que desarma o ego e prepara o
coração; recomeçar na caridade, que torna crível a Palavra de Deus. Orar e
praticar é viver a fé como caminho de amor — nas pequenas ações, nas decisões
corajosas, na partilha cotidiana — até que o mundo reconheça, em nós, o rosto
misericordioso de Deus.
Paz e Bem!’
Fonte : *Artigo na íntegra
https://revistaavemaria.com.br/francisco-de-assis-ensina-quem-reza-serve.html
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