Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
‘‘Não andarilhos sem rumo’, mas ‘sentinelas que, na
noite do mundo, mantêm humildemente a sua fé’ para ver a luz ‘capaz de iluminar
todo homem’. Padre Roberto Pasolini, pregador da Casa Pontifícia, acompanha-nos
numa viagem em que o tempo do Advento se torna uma oportunidade para sermos ‘peregrinos
rumo a uma pátria’, em um caminho marcado pela esperança e que tem como horizonte
a salvação.
A primeira de três meditações previstas
sobre o tema ‘Aguardando e apressando a vinda do dia de Deus’, centra-se
na Parusia do Senhor e introduz em um tempo singular : a conclusão do Jubileu
da Esperança. ‘O Advento’, sublinha o capuchinho, ‘é o tempo em que a Igreja reacende
a esperança, contemplando não só a primeira vinda do Senhor, mas sobretudo o
seu regresso no fim dos tempos.’ É o momento em que somos chamados a ‘aguardar
e, ao mesmo tempo, apressar a vinda do Senhor com vigilância serena e diligente’.
Perceber a
graça de Deus
‘Parusia’ é um
termo usado quatro vezes pelo evangelista Mateus no capítulo 24 com um duplo
significado : ‘presença’ e ‘vinda’. Jesus compara a expectativa de sua vinda
aos dias de Noé antes do dilúvio universal. Eram dias em que a vida seguia
normalmente e em que Noé sozinho construiu a arca, o instrumento da salvação.
Sua história levanta questões essenciais para a compreensão do que o homem
moderno precisa reconhecer. Diante de novos e complexos desafios, ‘a Igreja é
chamada a permanecer um sacramento de salvação em uma era de mudanças’.
‘A paz -
enfatiza o Padre Pasolini - permanece uma miragem em muitas regiões até que
antigas injustiças e memórias feridas sejam curadas, enquanto na cultura
ocidental o senso de transcendência é enfraquecido, esmagado pelo ídolo da
eficiência, da riqueza e da tecnologia. O advento da inteligência artificial
amplifica a tentação de uma humanidade sem limites e sem transcendência.’
O mistério de
um Deus que tem confiança na humanidade
Perceber não
basta, é preciso reconhecer ‘a direção para a qual o Reino de Deus continua a
se mover dentro da história’, retornando à capacidade profética do Batismo.
Perceber a graça de Deus, ‘esse dom da salvação universal que a Igreja
humildemente celebra e oferece, para que a vida humana seja libertada do fardo
do pecado e do medo da morte’. Uma graça à qual os ministros da Igreja não
podem se habituar, correndo o risco de se familiarizarem tanto com Deus a ponto
de o tomarem como óbvio. Assim, tomamos consciência do mistério de um Deus que ‘continua
diante de sua criação com confiança inabalável, aguardando dias melhores’.
Apagar o mal
O pregador da
Casa Pontifícia recorda que, para redescobrir o rosto de Deus que acompanha ‘sua
criação ferida’, devemos recorrer à história do dilúvio universal, quando o
Senhor vê o mal no coração humano. Esse mal não pode ser vencido pela mudança,
pela evolução, porque à humanidade não serve somente realizar-se, mas também de
salvar-se. ‘O mal não deve ser simplesmente perdoado : deve ser apagado, para
que a vida possa finalmente florescer em sua verdade e beleza.’ Apagar, na
cultura do cancelamento em que a humanidade de hoje está imersa, não é apenas
destruir tudo, eliminar o que parece pesado nos outros. ‘Todos os dias
cancelamos muitas coisas, sem nos sentirmos culpados ou causar qualquer dano.
Apagamos - recorda Pasolini - mensagens, arquivos inúteis, erros em documentos,
manchas, vestígios, dívidas. De fato, muitos desses gestos são necessários para
permitir que nossos relacionamentos amadureçam e tornem o mundo habitável.’
Apagar significa abrir-nos a Deus, partindo de nossa própria fragilidade, e
permitir que Ele nos cure.
A vida floresce
quando Deus volta a estar no centro
O Senhor nunca
se cansa de encontrar ‘um homem sábio, alguém que busca a Deus’, assim como fez
com Noé, que por sua vez sentiu a graça do Senhor. No homem na arca, Deus
encontra a possibilidade de apagar e recomeçar. ‘Somente quando o homem retorna
para viver diante da verdadeira face de Deus é que a história pode realmente
mudar’, enfatiza o monge capuchinho. ‘A história do dilúvio nos lembra que a
vida floresce somente quando reconstruímos os céus, na medida em que colocamos
Deus de volta no centro.’ O dilúvio se torna ‘uma passagem de recriação através
de um momento de descrição’. ‘É uma mudança temporária nas regras do jogo, para
salvar o próprio jogo que Deus havia inaugurado com confiança.’
Decidir não
ferir
O dilúvio é,
portanto, ‘uma renovação paradoxal da vida’. Deus não se esquece da humanidade
e coloca seu arco nas nuvens como sinal de aliança. O Senhor depõe suas armas
com uma solene declaração de não violência. ‘Pode parecer - acrescenta o padre
Pasolini - uma metáfora ousada, quase inadequada para falar de Deus e da forma
como a sua graça se manifesta. No entanto, a humanidade, após milênios de
história e evolução, ainda está longe de saber como imitá-lo.’
A Terra, de
fato, está dilacerada ‘por conflitos atrozes e intermináveis, que não dão
trégua a tantas pessoas fracas e indefesas.’ A decisão daqueles que, apesar de
terem a capacidade, escolhem voluntariamente não ferir é reconfortante, porque
compreendem que só acolhendo os outros é que a aliança ‘pode ser duradoura,
verdadeira e livre.’
O tempo do bem
‘Vigiai pois,
porque não sabeis o dia em que o seu Senhor virá’ : esta é a recomendação final
de Jesus. Não saber o dia e a hora deste evento criou muita expectativa no
passado, sublinha o pregador, mas hoje as coisas parecem ter invertido. ‘A
espera diminuiu ao ponto de, por vezes, dar lugar a uma subtil resignação
quanto ao seu cumprimento.’ Hoje, prevalece ‘uma vigilância cansada, tentada
pelo desânimo’.
O tempo de
espera é o tempo de semear o bem e aguardar a vinda de Jesus Cristo. Cuidado
com duas grandes tentações que afetam a humanidade e a Igreja : ‘esquecer a
necessidade da salvação e pensar que podemos recuperar o consenso cuidando da
aparência externa da nossa imagem e diminuindo a radicalidade do Evangelho’.
Devemos — enfatiza o capuchinho — retornar ‘à alegria — e também ao esforço —
de seguir, sem domesticar a palavra de Cristo’. Somente como ‘sentinelas nas
fronteiras do mundo’, como escreveu o monge Thomas Merton, podemos aguardar o
retorno de Cristo.’
Fonte : *Artigo na íntegra

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