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sábado, 28 de junho de 2025

A Cruz, as Chaves e a Espada

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Dom Alberto Taveira Correa, 

Arcebispo Metropolitano de Belém, PA

 

‘Celebramos com alegria a Solenidade de São Pedro e São Paulo, ainda que as devoções do presente período nos tenham conduzido a Santo Antônio, São João Batista e São Pedro. Pedro e Paulo caminharam juntos, por estradas diferentes, mas unidos na mesma fé e na grandeza do martírio, um pela cruz e outro pela espada. O seguimento de Jesus exigiu dos dois e exige de todos os discípulos a disposição de radicalidade ao abraçar a Cruz com Jesus e seguir os seus passos. Abraçar e não arrastar com má vontade, dispor-se a transformar todas as eventuais dores, incômodos e sofrimentos em amor a Deus e ao próximo, para assim estar crucificado com Cristo e ressuscitar com ele, também em cada gesto de entrega e de oferta, pois pela cruz chegamos à luz que não se apaga.

A cruz : Simão Pedro foi um dos primeiros no seguimento de Jesus. Pescador de peixes, veio a se tornar pescador de homens. Tendo seu nome mudado pelo próprio Senhor, teve que percorrer uma verdadeira escola, pontuada por crises, dúvidas, insegurança e medo : ‘Eu, porém, orei por ti, para que tua fé não desfaleça. E tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos!’ (Lc 22,32). Precisou ouvir várias vezes os anúncios da paixão, declarou-se disposto a seguir o Senhor até às últimas consequências, por três vezes negou conhecê-lo, recebeu o dom das lágrimas no arrependimento pelo malfeito, viu Cristo após a ressurreição por algumas vezes e, muito humano, parecido conosco, foi posto à frente da Igreja e veio a ser crucificado em Roma como o seu Senhor, depois das muitas aventuras vividas pela jovem Igreja  : ‘O primeiro a professar a fé fundou a Igreja primitiva sobre a herança de Israel’ (prefácio da Solenidade de São Pedro e São Paulo). Reza uma tradição que foi posto numa cruz de cabeça para baixo ao afirmar não ser digno de morrer como o seu Senhor.

As chaves : as representações iconográficas de São Pedro mostram-no com as chaves, correspondendo à palavra dita por Jesus a seu respeito : ‘Jesus então declarou : ‘Feliz és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi carne e sangue quem te revelou isso, mas o meu Pai que está no Céu. Por isso, eu te digo : tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as forças do Inferno não poderão vencê-la. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus : tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos Céus’’ (Mt 16,17-19). A devoção popular o vê nas portas do Céu, com as chaves nas mãos, para receber os que a ele acorrem. Podemos chamar de ousadia quando vemos apenas com os critérios superficiais o poder das chaves; podemos chamar de graça imensa a misericórdia de Deus colocada à disposição da humanidade por meio de meios tão humanos, como aconteceu com Pedro, e, no correr da história, todos os ministros da reconciliação enviados pela Igreja, eles mesmos carentes do perdão de Deus por compartilharem com a humanidade a mesma condição de pecadores e chamados à conversão. Não se trata de ‘fazer de conta’, nem mesmo de autoritarismo, mas do serviço do perdão e da misericórdia.

A espada : o apóstolo São Paulo foi decapitado em Roma, na mesma perseguição na qual Simão Pedro foi crucificado. No entanto, foi a cruz sua honra e dignidade : ‘Com Cristo, eu fui pregado na cruz. Eu vivo, mas não eu : é Cristo que vive em mim. Minha vida atual na carne, eu a vivo na fé, crendo no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim’ (Gl 2,19-20). Ao fim da Carta aos Gálatas, com que força afirma suas convicções : ‘Quanto a mim, que eu me glorie somente da cruz do nosso Senhor, Jesus Cristo. Por Ele, o mundo está crucificado para mim, como eu estou crucificado para o mundo’ (Gl 6,14). Na Carta aos Efésios, escreve Paulo : ‘Ponde o capacete da salvação e empunhai a espada do Espírito, que é a palavra de Deus’ (Ef 6,17). No Apocalipse, o Filho do Homem é visto assim : ‘Na mão direita, tinha sete estrelas, de sua boca saía uma espada afiada, de dois gumes, e seu rosto era como o sol no seu brilho mais forte’ (Ap 1,16). Uma espada na boca! A espada nas representações de São Paulo é a da Palavra de Deus : ‘Paulo, mestre e doutor das nações, anunciou-lhes o Evangelho da Salvação’ (prefácio da Solenidade de São Pedro e São Paulo).

Anunciar a salvação em Jesus Cristo, pregar sua morte e ressurreição, abrir as portas do Reino com as chaves da misericórdia e do perdão, suscitar a vida em Igreja, na busca da plena comunhão : eis a missão confiada aos dois apóstolos que, ‘Por diferentes meios, congregaram a única família de Cristo e, unidos pela coroa do martírio, recebem hoje, por toda a terra, igual veneração’ (prefácio da Solenidade de São Pedro e São Paulo), como também a nós, cada um na missão e na graça recebidas, diferentes, mas complementares.

Na cruz, a nossa glória. Na espada da Palavra de Deus que é anunciada, nossa segurança. Naquele que hoje detém o poder das chaves, nossa referência de unidade inabalável. Podemos recordar e cantar com a conclusão do Hino Pontifício : ‘Salve, Salve, Roma! O teu sol não tem poente, vence, refulgente, todo erro e todo mal! Salve, Santo Padre, viva tanto mais que Pedro! Desça, qual mel do rochedo, a bênção paternal!’. 


Fonte : *Artigo na íntegra

https://revistaavemaria.com.br/a-cruz-as-chaves-e-a-espada.html

quarta-feira, 25 de junho de 2025

Leão XIV e a Quarta Revolução

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Miguel Oliveira Panão 

 

Vivemos na quarta revolução da visão do mundo e o Papa Leão XIV, ao referir a questão da inteligência artificial (IA) subjacente à escolha do nome, assume este como um desafio para a missão cristã no futuro.

A primeira foi a revolução espacial que aconteceu com Copérnico ao ampliar a nossa noção de espaço da Terra ao Cosmos. A segunda revolução foi temporal e aconteceu quando Darwin ampliou a nossa noção da vida à de uma evolução ao longo de muitos anos. A terceira revolução é mais subtil, a mental, que aconteceu com Freud e a ideia do inconsciente ou uma maior apreensão da realidade da nossa consciência.

Segundo o filósofo Luciano Floridi, a quarta revolução é a informacional onde nos tornamos, juntamente com as máquinas, inforgs ou organismos informacionais, conectados através da infosfera e partilhando um espaço de ação com o mundo artificial por nós criado. Esse mundo começou a ser habitado por agentes virtuais com os quais interagimos diariamente.

Há dias precisei esclarecer um assunto sobre o pagamento do alojamento do meu site e o agente que a empresa me facultava para interagir era, por padrão, o virtual. Para poder estabelecer um diálogo aberto, sem que estivesse restrito à base de dados das questões mais comuns, precisei explicitar a necessidade de conversar com um ‘agente humano’. A expansão da agência baseada em IA será útil por não estar restrita aos ritmos normais de um humano que precisa de voltar a casa do trabalho. Uma IA não dorme, não come (embora precise de eletricidade para alimentar os servidores), não julga, não perde a paciência, não se cansa e procura ser sempre simpática sem qualquer hipocrisia. Tudo isto porque não sente nenhuma emoção. Quando queremos resolver problemas técnicos e diretos, uma IA será o ideal, mas se existirem nuances relacionadas com aspectos ou fases particulares da nossa vida, a compaixão, a compreensão, o pôr-se no lugar daquele que sofre com o problema exige um coração humano.

Os problemas da revolução industrial que levaram Leão XIII a escrever a Rerum Novarum são diferentes dos desafios que começamos a enfrentar com a quarta revolução informacional prenhe de agentes virtuais nos quais as empresas começam a conferir algum poder de decisão. As questões éticas e de responsabilidade são enormes e sérias.

Um papa cuja escolha é uma inspiração do Espírito Santo implica que Deus vê o sentido para onde tende o mundo e oferece-nos um pastor para nos orientar pelos montes e vales da vida profunda. A Quarta Revolução será um inequívoco desafio pastoral porque afetará a vida de todo o ser humano, a sua dignidade, sentido de justiça e trabalho. Porém, não serão apenas as questões relacionadas com a justiça social e o trabalho, mas também com a vida das nossas comunidades onde há décadas que os agentes virtuais começaram a entrar através de toques de telemóvel durante a consagração eucarística. Ainda não é claro o caminho a seguir, mas a eleição de Leão XIV é um sinal de Deus Conosco. 


Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.combonianos.pt/alem-mar/opiniao/4/1369/leao-xiv-e-a-quarta-revolucao/

segunda-feira, 23 de junho de 2025

Sofrer exige coragem

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 

*Artigo do Padre José  Alem, CMF

 

‘Toda pessoa tem maior capacidade do que acredita para evitar certos sofrimentos e para transformar o mal em bem.

É fácil perceber que há diferentes maneiras de reagir a tudo aquilo que nos acontece na vida, mas é, sobretudo, quando o sofrimento nos atinge, nas suas mais variadas expressões, que manifestamos o que pensamos da vida, o que a dor pode revelar de nós e de nossos ideais.

Pense como você reagiu quando foi traído por um amigo ou como viveu a experiência da morte de uma pessoa querida ou quem sabe diante de uma situação de ofensa, de divisão ou quando se sentiu ferido na sua sensibilidade e como vivemos diante da dor da humanidade, nos seus mais variados aspectos, como a fome, a violência, as catástrofes, as injustiças, as doenças, sofrimentos tantos, enfim… 

Difícil dizer que alguém não tenha deparado com as dores do mundo que fazem mal tanto a quem vive as situações dolorosas como àqueles que de algum modo as acompanham. Para alguns, essas situações são desafiadoras; para outros, simplesmente desencorajadoras. 

Diante da dor não ficamos indiferentes: revolta ou conformismo, esperança ou desespero, luta ou abandono, tentativas ou acomodação. 

Reserve tempo para pensar no assunto. O que você faz diante da dor? Como a enfrenta, o que faz para superá-la? Como se sente quando a dor atinge você de uma maneira próxima ou direta?

É certo que diante da dor todos nós temos a sensação forte da perda do equilíbrio, da harmonia interior, quem sabe até do sentido da vida. O que todos sentem, diante da dor, em cada uma das suas expressões, é a impressão da ausência de Deus e a perda da paz.

Refletir sobre a dor, reconhecer nela luzes e forças para continuar a viver com esperança, reconquistar a paz perdida e, sobretudo, saber que mesmo que tudo pareça dor somente existe um amor maior, que a tudo dá valor e sentido, é o grande desafio.

Pessoas que sofreram podem relatar experiências tantas quantas são as possibilidades da vida e podem repetir palavras de sabedoria e testemunhar que ‘A dor me deu mais que me teriam dado os sucessos que não consegui’.

Diante dos desafios da vida, temos três possibilidades: revoltar-nos, abater-nos ou enfrentá-los. Se nos revoltamos, fazemos de uma situação um problema que vai crescendo com nossa revolta. Se nos abatemos, deixamos o sofrimento tomar conta, como se dominasse e não tivéssemos capacidade de reação. A revolta aumenta a dor, o abatimento reduz a vida à dor, porém, se soubermos aceitar, convivemos com a realidade sem perder o sentido da vida e dos valores que ela revela além da dor, apesar dela.

A alegria de viver nos dá coragem para sofrer. A coragem de assumir o sofrimento faz a vida mais plena e com isso aprendemos a ter um olhar mais profundo para dar respostas mais profundas.

Aprendamos com o mistério da vida a descobrir quanto a vida é bela, apesar de tudo.

A dor, o sofrimento são situações e possibilidades comuns a todas as pessoas, de qualquer condição. O sofrimento, seja físico, emocional, moral, da própria existência, constitui uma condição normal e básica da vida. Negá-lo é, em última análise, uma ilusão, uma utopia que, caso se concretizasse, deixaria a existência sem sustento. Não se trata de promover o sofrimento, mas de afirmar a sua inegável existência e a sua inevitável presença na vida humana. 

A cada dia somos bombardeados com a ideia e a suposta solução de uma vida só de prazer e de satisfação, livre de qualquer sofrimento e de qualquer dor. Parece haver tantas maneiras de chegar a experimentar a ‘plenitude do prazer’ que é uma tolice sofrer. Curiosamente, esquecemos a nossa própria realidade humana, nós a esvaziamos, ou acabaremos por esvaziá-la, daquilo que a redime e que a eleva, pois todo sofrimento, entendido na sua possibilidade, tem a capacidade de manifestar um sentido mais elevado da vida, entretanto, frequentemente afastamo-nos da sua identidade e sentido. 

A vida humana é uma realidade dinâmica, isto é, em permanente movimento, aberta a novas descobertas sobre o valor da própria existência. Essa dinâmica se desenvolve com base em valores que se manifestam como realidades permanentes e estáveis, eternas. O amor sempre será amor; a solidariedade, o respeito, a família, por exemplo, sempre representarão a mesma realidade a que se referem. 

Quando assumo um valor, eu o reconheço como um bem em si e o constituo um bem para mim; ele adquire, então, um sentido pessoal singular, assim, torna-se parte de minha existência pessoal. Desse modo, os valores constituem o fundamento mais estável, o terreno onde a vida vai se desenvolver. 

A necessidade de reconhecer e assumir valores e deixar-se orientar por eles é um desejo básico da vida e é estimulada pela necessidade natural de descobrir sentido em tudo aquilo que devo viver. Em mim, em você, em cada pessoa palpita uma necessidade, uma verdadeira fome de sentido. Essa fome de sentido é tão natural à nossa humanidade quanto a nossa necessidade e fome de alimento, de conhecimento, de afeto, de segurança, de convivência, de felicidade.

O ser humano pode ser definido como alguém em permanente busca de sentido para sua vida, é um ‘buscador de sentido’. Essa condição é tão espontânea quanto natural a qualquer ser humano; se não for satisfeita, pode deixar a vida vazia, com graves danos e consequências.

O ser humano é um ser ‘incompleto’, que vive e luta para se completar. Vai alcançando seu objetivo ao longo da vida, de muitas maneiras, muito especialmente por meio e a partir dos vínculos que vai constituindo. 

Se a vida de algum ser humano é baseada em valores verdadeiros que o inspiram e orientam sua vida, certamente isso lhe dará condições de descobrir um sentido que completa sua existência; caso contrário, o vazio tomará conta e pode gerar uma insatisfação permanente que nada poderá preencher. 

A busca e a descoberta do sentido da vida não se fazem sem sofrimento, sem dor, sem passar por experiências destituídas de prazer.


Fonte : *Artigo na íntegra

https://revistaavemaria.com.br/sofrer-exige-coragem.html

sexta-feira, 20 de junho de 2025

As irmãs beneditinas missionárias de Tutzing

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo do site da Congregação de Tutzing

 

Como tudo começou

‘«Global prayers» é o nome dado a um movimento contemporâneo célebre de renovação religiosa mundial e foi assim que a nossa comunidade se pôde apresentar desde o início. Com efeito, o que é considerado como novo hoje, as nossas irmãs já punham em prática há várias décadas. Traziam no coração trazer e fazer anunciar a mensagem da Boa Nova de Jesus Cristo ao mundo inteiro. Para tanto deixaram tudo para trás e apostaram num futuro incerto. 

O fundador

O seu fundador foi um monge beneditino de Beuron, o padre Andreas Amrhein (1844-1929), vindo da Suíça. Numa época em que numerosas congregações missionárias despertavam – os missionários do Sagrado Coração (1855), os missionários Combonianos (1867), os Padres Brancos (1868), os missionários Steyl (1875) ou ainda os missionários de Marianhill (1882) – a questão era lancinante no seu âmago, saber se vida monástica beneditina e missão podiam conciliar-se. Ao longo de extensos anos de investigação e luta – internamente, com os seus superiores e diversas autoridades – deu-se provas de uma profunda perspicácia. Apesar de numerosos obstáculos no seu percurso, não se pôde impedir o desenvolvimento e a prática de uma tal inspiração. 

Uma inspiração

Em 1885, o padre Amrhein apresentou em Münster, quando da 32ª Jornada católica alemã, a sua ideia de uma «comunidade beneditina para o trabalho missionário em países estrangeiros». No ano precedente, ele tinha fundado uma casa de missão para homens em Reichenbach, no Alto Palatinato. Ele alentava secretamente – nesses tempos tão anticlericais do ponto de vista político – o sonho de que mulheres participassem igualmente numa tal obra. 

A centelha acende-se em Münster

Três semanas mais tarde, as quatro primeiras mulheres, Vestefalianas, lançaram-se com audácia numa aventureira viagem rumo ao sul da Alemanha. Estas mulheres queriam realmente partir para a Índia, mas Deus parecia ter outros planos para elas.

Os começos desta comunidade de homens e de mulheres de Reichenbach foram difíceis. As condições políticas da época obrigavam a que quase tudo fosse feito em segredo. A situação material era extremamente complexa, até mesmo desesperadora.

Nova partida para Santa Otília

Já em 1887, uma segunda casa foi fundada em Emming, a atual Santa Otília, onde toda a comunidade instalou-se; Reichenbach foi completamente abandonada. Em Emming, ambos os ramos da comunidade prosperavam. Viviam todos em condições de grande simplicidade e pobreza. As comunidades tinham que enfrentar numerosos problemas e confrontavam-se com enormes tarefas : numerosos jovens homens e mulheres juntavam-se a esta obra. Era preciso assegurar a sua subsistência e construir edifícios nos quais pudessem viver. Era igualmente urgente introduzi-los bem na vida religiosa e formá-los profissionalmente. Deviam ser bem cedo enviados para o estrangeiro. Lá, seriam entregues a si próprios sendo suposto proclamarem a fé de maneira responsável, sendo ativos no domínio médico ou educativo como em vários outros setores. 

Primeiros passos no mundo

O padre Amrhein aceitou muito rapidamente a oferta de tomar a seu cargo uma zona do leste da África. A prefeitura apostólica de Zanzibar do Sul tinha sido criada por um decreto pontifical de 16 de novembro de 1887 e confirmada como a «nova Congregação beneditina alemã para as missões estrangeiras». Era a primeira vez que missionários desta nova família podiam ser enviados para o estrangeiro.

Assim, num tempo espantosamente curto, desde o fim de 1887, os primeiros irmãos e irmãs ousaram dar o grande passo que revolucionaria o seu futuro : a 11 de novembro de 1887, o primeiro grupo (um padre, nove irmãos e quatro irmãs) viajaram para o leste de África, Tanganyica. Eles e outros que era suposto segui-los começaram a construir aí casas de missão. Sofreram graves reveses. Doenças que não conheciam atingiram numerosos irmãos e irmãs ainda jovens – o cemitério perto de Dar es Salaam é eloquente nesse fato. Em 1889, a primeira casa de Pugu foi atacada e irmãos e uma irmã foram assassinados. Entretanto, na Alemanha, não obstante as más notícias, numerosos jovens continuavam a entrar. Desde 1896, as duas comunidades de Santa Otília contavam dezesseis padres, treze clérigos, quarenta e seis irmãos e setenta e uma irmãs. A necessidade de espaço em Santa Otília torna-se cada vez mais urgente e as irmãs tiveram que procurar depressa a sua própria Casa mãe.

A Casa mãe, o caminho da independência

Assim, em 1902, foi tomada a decisão de instalar as irmãs em Tutzing. Desde 1887, as irmãs haviam fundado em Reichenbach uma pequena comunidade que dirigia um jardim de infância. Depois foi construído um grande convento num prado de Tutzing no qual as irmãs puderam instalar-se. Em 1 de janeiro de 1904, pertenciam à comunidade um total de 119 irmãs.

Esta etapa representou bem mais que uma mudança de lugar para as irmãs. Ela conduzia-as na via da independência. Se isto não foi fácil no começo, o futuro demonstraria a lucidez de uma tal decisão que deveria conduzir a comunidade através de um desenvolvimento inesperado. O laço fraterno com os irmãos de Santa Otília foi entretanto preservado até aos nossos dias. 

No mundo

A prioridade das irmãs era servir a difusão do Evangelho e estar ao serviço das populações. Após os primeiros envios comuns (monges e irmãs) para o que é hoje a Tanzânia, onde há ainda dois priorados em Peramiho e Ndanda, as irmãs instalaram, em 1903, sob a previdente direção da primeira prioresa, Madre Birgitta Korff, uma nova fundação num país que lhes era desconhecido : o Brasil. Um antigo confrade do padre Andreas Amrhein em Beuron e Maredsous, Dom Gérard von Caloen, tornava-se abade de Olinda (Brasil) em 1896 e convidava as irmãs a animar uma obra missionária no Brasil. Pediu à Madre Birgitta irmãs para a educação de meninas.

Uma nova fundação teve lugar em 1906. Cinco irmãs partiram para as Filipinas cheias de zelo pela missão... Seguir-se-iam numerosas outras fundações em todos os continentes do mundo.

Atualmente as irmãs estão presentes em dezessete países em quatro continentes :

Na Europa : Alemanha, Bulgária, Itália, Espanha, Portugal, Suíça.

Na América : Argentina, Brasil, Estados Unidos.

Na África : Angola, Quênia, Namíbia, Tanzânia, Uganda.

Na Ásia : Coreia do Sul, Índia, Filipinas.

A Casa mãe fica em Roma.

Em 2017, a congregação contava 1336 religiosas em 136 casas.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.aimintl.org/pt/communication/report/119

quarta-feira, 18 de junho de 2025

A experiência eucarística: tocando a presença real de Jesus

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo do Padre Rivelino Nogueira

 

‘A experiência eucarística é um momento profundo de encontro com Deus e com a comunidade para os cristãos, especialmente os católicos. Na Eucaristia, a presença real de Jesus é celebrada e experimentada através do pão e do vinho, que são considerados o corpo e o sangue de Cristo. Aqui estão algumas maneiras pelas quais a experiência eucarística pode atuar na mudança pessoal e na relação com os irmãos :


  • Fortalecimento da Fé : A Eucaristia pode fortalecer a fé dos participantes, permitindo-lhes experimentar a presença de Jesus de maneira tangível e espiritual. Isso pode levar a uma maior confiança em Deus e em Sua providência.
  • Renovação sempre : A celebração eucarística oferece uma oportunidade para a renovação espiritual. Através da comunhão, os fiéis podem sentir-se renovados e fortalecidos para enfrentar os desafios diários com mais coragem e sabedoria.
  • Comunhão e Unidade : A Eucaristia é um sacramento de comunhão que une os fiéis não apenas com Cristo, mas também entre si. Ela promove um senso de comunidade e pertencimento entre os membros da Igreja, incentivando a solidariedade e o amor fraterno.
  • Conversão e Reconciliação : Antes de receber a comunhão, os fiéis são convidados a refletir sobre seus pecados e a buscar a reconciliação com Deus e com os outros. Isso pode levar a uma mudança pessoal significativa, incentivando a busca por uma vida mais virtuosa e conforme ao Evangelho.
  • Ação de Graças e Louvor : A Eucaristia é uma celebração de ação de graças e louvor a Deus. Participar dela pode inspirar os fiéis a viver com gratidão e a reconhecer a presença de Deus em suas vidas diárias.
  • Orientação para o Amor e Serviço : A Eucaristia pode motivar os fiéis a seguir o exemplo de Jesus, que Se doou totalmente por amor à humanidade. Isso pode inspirar os participantes a se comprometerem com o amor e o serviço aos outros, promovendo uma boa relação com os irmãos.
  • Jesus está próximo de nós com um perene ‘partir’ o pão : ’Este é o meu Corpo! Este é o meu Sangue’!

A Eucaristia é um sacramento que é a presença real de Cristo. É a antecipação do que viveremos juntos na eternidade. Incontáveis são os benefícios da Sagrada Eucaristia para uma vida interior em Deus. Identificar esses favores nos torna pessoas melhores e mais comprometidas com o Evangelho. O Catecismo da Igreja diz que ‘a Eucaristia é o memorial da Páscoa de Cristo, isto é, da obra da salvação realizada pela Vida, Morte e Ressurreição de Cristo, obra tornada presente pela ação litúrgica’ (Catecismo da Igreja Católica, 1409).

Assim, na Eucaristia, somos convidados a participar da graça que esse sacramento nos confere. Trata-se da salvação em Jesus Cristo pelo Mistério Pascal que, também, nos conduz para outros benefícios em nosso interior. Vejamos alguns benefícios da Eucaristia para uma vida interior :

O Papa Francisco, em homilia na Casa de Santa Marta, afirmou que é preciso ‘guardar um pouco de silêncio para escutar a Deus que nos fala com a ternura de um Pai e de uma Mãe’. Pois, para ouvir essa voz terna, é imprescindível um caminho de vida interior.

Benefícios da Eucaristia para uma vida espiritual

Eucaristia e oração

Jesus sempre mostrou o caminho da oração. Por várias vezes, Ele retirou-se para estar com o Pai, como é narrado no Evangelho. Assim, na Eucaristia, somos beneficiados com o melhor lugar para nos encontrarmos com Deus, o nosso coração. Que bom será quando todos tiverem a clareza de Santa Teresinha do Menino Jesus que diz :

‘A oração é um impulso do coração, é um simples olhar lançado ao Céu, um grito de reconhecimento e amor no meio da provação ou no meio da alegria’ (Catecismo da Igreja Católica, 2558).

Porque a oração na vida interior tem como reflexo : o amor e a alegria.

Eucaristia e a santificação

São João Paulo II, na sua Encíclica Ecclesia de Eucharistia, diz :

‘A Igreja vive da Eucaristia’. Dessa forma, os que vivem na Eucaristia caminham na Igreja num processo de santificação e de profunda vida interior. A esse respeito é importante dizer que a Eucaristia é fonte de santidade e vida.

Portanto, façamos nossa parte e estejamos unidos a Cristo na Eucaristia, em comunhão com Seu Corpo e Sangue que nos santifica.

Os benefícios de santificação pela Eucaristia são diários, já que, ‘tendo Cristo passado deste mundo ao Pai, dá-nos na Eucaristia o penhor da glória junto d’Ele : a participação no Santo Sacrifício nos identifica com o seu coração, sustenta as nossas forças ao longo da peregrinação desta vida, faz-nos desejar a vida eterna e nos une já à Igreja do Céu, à Santíssima Virgem e a todos os santos’ (Catecismo da Igreja Católica, 1419).

Portanto, Jesus, pela Sua Paixão, Morte e Ressurreição, nos deu a salvação. Em vista disso, podemos alcançar todos os benefícios que a Eucaristia nos concede diariamente. Ao participarmos de tão grande mistério de doação total de Deus ao homem, vivemos uma verdadeira vida interior e, assim, poderemos dar frutos de santidade.

‘A Eucaristia chama-nos à primazia de Deus e ao amor aos irmãos. Este Pão é, por excelência, o Sacramento do amor. É Cristo que se oferece e se parte por nós e nos pede que façamos o mesmo, para que a nossa vida seja trigo moído e se torne pão que alimenta os irmãos’. (Papa Francisco)’ 


Fonte : *Artigo na íntegra

https://revistaavemaria.com.br/a-experiencia-eucaristica-tocando-a-presenca-real-de-jesus.html

terça-feira, 17 de junho de 2025

A economia monástica como motor de mudança [1]

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 

Abadia de Keur Moussa


*Artigo de Isabelle Jonveaux

 

‘Qualquer que seja o modelo economico desenvolvido pelas comunidades, observa-se ao longo da história monástica que os mosteiros foram sempre forças de mudança social . Philibert Schmitz, historiador da Ordem beneditina, fala da «obra civilizadora» [2] dos monges da Europa. Em que medida o monaquismo atual pode desempenhar um papel de inovação e de desenvolvimento? 

1. Porque são os mosteiros lugares de inovação?

Se os mosteiros estiveram sempre no meio da história dos focos de inovação e de desenvolvimento quando isto não constituía de nenhum modo o seu primeiro objetivo, isto significa que a estrutura monástica apresenta características próprias que podem conduzir a esta dinâmica. Segundo Olivier de Sardan [3], a inovação pode definir-se como um «enxerto de técnicas, de saberes ou de modos de organização inéditos (em geral sob forma de adaptações locais a partir de concessões ou de importações) sobre técnicas, saberes e modos de organização in loco [4]. Ele sublinha também que a inovação deve ser considerada como um processo social.

Para começar, uma comunidade monástica não é um grupo econômico que tem o lucro como objetivo a obter. A economia permanece teoricamente ao serviço da subsistência da comunidade. Isto tem por consequência a possibilidade de se incorrer em risco porque o objetivo imediato da comunidade não está no resultado de excedentes de exploração ao fim do ano. A comunidade monástica é por outro lado durável; este grupo tem uma duração de vida mais elevado do que uma empresa e pode assim assumir risco ou investir em capital humano. A comunidade monástica projeta-se em um longo termo ligado à ideia de estabilidade (stabilitas loci). Além disso, este grupo está na maioria das vezes em paz social; define-se a si próprio como um grupo de pessoas que procuram Deus. A dimensão durável da comunidade torna assim possível a transmissão de experiências e de conhecimentos. Vale lembrar por exemplo os trabalhos de copistas dos monges que permitiram conservar e de transmitir durante toda a Idade Média os seus conhecimentos em medicina, agricultura, botânica, etc. Enfim, a longa história do monaquismo permite melhorar diferentes dimensões e tomar como exemplo a experiência vivida por outras comunidades ou de outras épocas :

«A notável estabilidade do monaquismo é em grande medida uma estabilidade da memória, uma continuidade da compreensão que se estende por trinta gerações ». [5]

Mesmo que a comunidade seja recente, cada mosteiro integra-se na longa tradição do monaquismo, o que constitui um modo da sua legitimação. [6] 

2. Economia e desenvolvimento na África

Nos países em vias de desenvolvimento onde o monaquismo é frequentemente uma implantação recente, as comunidades realizam um papel importante para o desenvolvimento econômico e social. Jean-Pierre Olivier de Sardan definiu o desenvolvimento como um «conjunto de processos sociais induzidos por operações voluntaristas de transformação de um meio social, empreendidas pela direção de instituições ou de atores externos a esse meio, mas procurando mobilizar esse meio» [7]. No caso do monaquismo, o desenvolvimento assume no entanto diferentes dimensões. Como já foi mencionado, inovação e desenvolvimento não são em si objetivos da vida monástica, mas podem tornar-se elementos positivos. Isto significa que o desenvolvimento é uma consequência de atividades motivadas por um objetivo monástico, ou seja, que servem o fim religioso da vida monástica. Por exemplo, os monges da Idade Média desenvolveram a força hidráulica para ganhar tempo para a oração [8].

O desenvolvimento ocasionado pelos mosteiros na África contemporânea é mais frequentemente um acessório positivo que decorre das atividades ou inovações do mosteiro. Como diz o Abade de Keur Moussa : «Nós não procuramos o desenvolvimento, ele vem por acréscimo». As comunidades de inspiração beneditina têm na sua tradição desenvolver dentro e à volta do mosteiro as condições que lhes permitam prover às necessidades da comunidade. Isto significa no contexto de uma nova fundação que os monges e monjas trabalharão por tornar as suas terras aráveis, assegurar a presença de água e conduzir ou produzir eletricidade. A abadia de Keur Moussa no Senegal adotou como divisa esta frase : «E o deserto florirá» (Isaías 35, 1), tendo com efeito tornado possível a agricultura das suas terras até então áridas e introduz novas espécies no ambiente. O emprego de assalariados locais contribui também para o desenvolvimento dando trabalho às pessoas dos arredores. Para um monge queniano do mosteiro Our Lady of Mount Kenya, trata-se da dimensão principal da sua atividade de desenvolvimento. Enfim, a formação de monges e monjas é também uma parte direta do desenvolvimento. De maneira indireta, o mosteiro participa no desenvolvimento da sua região enquanto atrai populações que vêm se instalar nas imediações para se beneficiar de um trabalho, de um dispensário ou de uma escola.

Uma outra dimensão do desenvolvimento monástico vem com efeito da resposta dos monges e monjas às exigências locais. Dado que as primeiras comunidades religiosas presentes na África eram congregações missionárias que tinham por fim desenvolver escolas, dispensários e hospitais, este mesmo tipo de demanda foi dirigido aos monges logo que se instalaram num ambiente novo. É por esta razão que os monges de Keur Moussa vindos de Solesmes trazendo com eles um modelo estritamente contemplativo e enclausurado de vida monástica, tiveram de abrir uma escola e um pequeno dispensário. Todavia, logo que lhes foi possível, confiaram a escola a leigos e o dispensário a uma Congregação apostólica de irmãs. Conforme disse um monge numa entrevista : «As mulheres que chegavam prestes a dar à luz eram assistidas pelos monges, quando essa não é de todo a missão de um monge!» As comunidades monásticas sustentam também por vezes programas sociais, por exemplo o mosteiro Our Lady of Mount Kenya participa num projeto de agricultura sobre o solo para ajudar as famílias pobres a tornarem-se autosuficientes. 

3. A economia monástica como economia alternativa

A economia monástica pode também constituir uma força de mudança no próprio interior da economia trazendo modos alternativos de vivê-la. Em contexto europeu por exemplo, os mosteiros procuram oferecer uma alternativa à abordagem capitalista e desenvolvem em certos casos reais reflexões e propõem cursos sobre este tema [9]. A irmã francesa Nicole Reille fala assim da economia das Congregações como de uma «economia profética», graças ao testemunho que ela pode prestar ao mundo através de investimentos éticos nas pessoas.

A dimensão alternativa da economia dos mosteiros africanos é observável também em ligação com o contexto específico, porque a alteridade não se constrói a não ser em relação com as normas da sociedade. Uma primeira dimensão concerne a maneira cujo trabalho é vivido e justificado na vida monástica. Dado que o trabalho poderia à primeira vista entrar em contradição com o ideal monástico, os monges e monjas utilizam diferentes formas de justificação nos relacionamentos. Por exemplo, uma jovem irmã de Karen :

«Eu pratico o trabalho com amor, não simplesmente para cumpri-lo. Faço-o com muito amor. Ao ponto de as irmãs sentirem elas próprias que o seu hábito é lavado com amor. Se fizerdes a limpeza de um espaço com amor alguém vai repará-lo e dizer : ‘Sim, isto foi feito com amor’. Importa pouco para isso saber o que aprendestes na escola, mas o que trazeis assim para a comunidade.»

Um exemplo interessante vem de Séguéya na Guiné Conackry na situação particular deste Estado comunista onde os monges contribuem dando um novo valor ao trabalho : os monges trabalham com as suas mãos, eles tentam tudo fazer para obter uma atividade lucrativa.

«A Guiné tem como particularidade não ter uma verdadeira cultura do trabalho, por causa do sistema político. As pessoas perderam a cultura do trabalho. E o fato de ver os irmãos trabalhar e lavrar a terra deu às pessoas o desejo de fazer a mesma coisa. Penso que é uma mensagem que passa.» (04/07/2016)

Uma segunda dimensão é o management humano e social desenvolvido pelas comunidades para com os seus assalariados. A dimensão social do recrutamento é um critério que prevalece por vezes sobre o desempenho econômico. Em Keur Moussa, o celeireiro explica :

«Primeiro a dimensão social. Desde o começo, teve-se esta exigência social de querer ajudar aqueles que não têm trabalho à nossa volta e que vêm pedir trabalho. Gostaríamos de fazer mais, mas os nossos meios são limitados. Ajudamos muita gente à nossa volta.» (04/07/2016)

Por outro lado, certas comunidades africanas pagam as contribuições sociais dos seus assalariados, o que não observamos sempre nas nossas sociedades.

Enfim, o desenvolvimento durável e a ecologia são assuntos que se implantam cada vez mais na agricultura biológica. No Kenya, os monges desenvolvem a energia solar e a reciclagem da água para contornar esta dificuldade esperando ligar-se à rede central. O mosteiro de Agbang (Togo), que vive também da energia solar, constitui uma fonte de eletricidade para os Peuls da selva que vêm recarregar os seus aparelhos celulares no mosteiro.

Conclusão

O que é a economia monástica? Neste ponto, podemos dizer que não existe uma economia monástica em si, mas diferentes formas de economia dos mosteiros que dependem da história política e religiosa de cada país e do presente contexto econômico e social. Todavia, observam-se certas tendências comuns no sentido que as comunidades desejam imprimir à sua atividade econômica. A forma da economia toca um papel importante para a plausibilidade da vida monástica numa sociedade porque ela constitui frequentemente um dos primeiros vetores de comunicação com o mundo. Ela influencia por outro lado a forma de vida monástica e inversamente.

A economia dos mosteiros africanos é uma economia que ainda procura frequentemente a estabilidade e reflete as especificidades do contexto socioeconômico bem como as influências do modelo do fundador. Mas é também frequente que pelas suas atividades econômicas os mosteiros possam desempenhar um papel no desenvolvimento do seu meio ambiente. Sem que seja um objetivo da vida monástica em si, observa-se, segundo as palavras de Max Weber, uma «afinidade eletiva» entre economia monástica e desenvolvimento econômico, social e cultural do ambiente no qual o mosteiro está integrado. A vida monástica pode pois ter uma influência sobre o seu ambiente local e mesmo, quando a base monástica é suficientemente densa, influenciar a própria sociedade como se pôde ver na história europeia.’ 

 

[1] Isabelle Jonveaux é socióloga, responsável por cursos na Universidade de Graz e membro do CéSor (Paris). Trabalha principalmente sobre as questões da vida monástica (economia, trabalho, ecologia, relações de gênero, disciplina do corpo, ascese), internet e religião (práticas religiosas online, jejum de internet), mas também de jejum e consumo alternativo (períodos de jejum e abstinência, sobriedade positiva...). Desenvolve atualmente um projeto de investigação sobre a vida monástica católica na África. O artigo proposto aqui é uma parte da sua intervenção no colóquio do Instituto monástico de Santo Anselmo em Roma sobre «Vida monástica e economia» (cf. Studia Anselmiana Monasticism and Economy: Rediscovering an Approach to Work and Poverty, Acts of the Fourth International Symposium, Roma, 7-10 de junho de 2016.

[2] P. Schmitz, História da ordem de São Bento, tomo II. Obra civilizadora até ao século XII, Maredsous, 1943, p. 18.

[3] Jean-Pierre Olivier de Sardan é um antropólogo francês nigeriano, atualmente professor de antropologia (diretor de estudos) na Escola de altos estudos em ciências sociais de Marselha.

[4] J.-P. Olivier de Sardan, «Antropologia e desenvolvimento. Ensaio de socio-antropologia sobre a mudança social», Marselha-Paris, 1995, http://classiques.uqac.ca/contemporains/olivier_ de_sardan_jean_pierre/anthropologie_et_developpement/anthropo_et_developpement.pdf [acesso:11-11-18].

[5] R.H. Winthrop, «Leadership and Tradition in the Regulation of Catholic Monasticism», Anthropological Quarterly 58 (1985) 30.

[6] B. Delpal, «O Silêncio dos monges. Os Trapistas no século XIX», Paris, 1998, p. 15.

[7] Olivier de Sardan, «Antropologia e desenvolvimento».

[8] M. Derwich, «A vida quotidiana dos monges e cônegos regulares na Idade Média e Tempos Modernos», Wroclaw, 1995.

[9] I. Jonveaux, O Mosteiro no trabalho, Paris, 2011.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.aimintl.org/pt/communication/report/119

domingo, 15 de junho de 2025

Dom Basílio Penido (1914-2003)

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Dom Matias Fonseca de Medeiros, OSB

 

I – Christo nihil praeponere (Nada preferir a Cristo)

‘Assim que na tarde de 24 de novembro de 1961, Dom Basílio Penido recebeu da Nunciatura apostólica o decreto da Santa Sé nomeando-o abade-coadjutor da abadia de Olinda (Brasil), o jovem prior e vigário geral da abadia nullius do Rio de Janeiro, «não soube o que dizer». Inesperada, esta notícia comoveu-o profundamente! Monge feliz e homem de coração, Dom Basílio amava a sua comunidade, era amado pelos seus irmãos monges e não queria deixar nem o seu mosteiro nem a sua cidade natal onde a sua família vivia. Entretanto, o decreto não lhe deixava opção : devia obedecer e... partir! A sua intenção entretanto era dizer «não» uma segunda vez.

Para apaziguá-lo, o seu abade, tendo ainda em mãos o documento romano, pediu-lhe que fosse diante do sacrário e que «se pusesse à escuta do bom Deus». Durante este momento de oração e também de angústia, duas palavras lhe vieram ao espírito : obediência e humildade! Antigo aluno dos jesuítas, aprendera com Santo Inácio a virtude de «obedecer como um cadáver»; mas sabia também, como filho de São Bento, que «o primeiro degrau da humildade é a obediência sem demora; ela caracteriza aqueles que estimam nada ter de mais caro que Cristo». Oração cumprida, a alma em paz, tomou logo como divisa abacial : Christo nihil praeponere (Nada preferir a Cristo). A sucessão dos fatos mostraria que esta escolha não era somente coerente mas sobretudo consequente com tudo o que se iria passar durante o tempo do seu ministério como abade de Olinda (1962-1987) e presidente da Congregação brasileira (1972-1996). A partida para Olinda foi para ele «um verdadeiro sacrifício de Abraão».

Em 1966, pela primeira vez, viajou para Roma a fim de tomar parte do Congresso dos Abades da Confederação Beneditina, o primeiro após o Concílio Vaticano II. Graças às cartas circulares enviadas à sua comunidade de Olinda, de grande riqueza de deta-lhes, os leitores puderam acompanhar passo a passo o desenrolar do Congresso, pautado sobre a renovação da vida monástica na ótica do Concílio : um assunto nada simples ou fácil! Dom Basílio fez-se notar!

Nascido no Rio de Janeiro em 1914, viveu aí até à idade de seis anos quando o seu pai, nomeado adido militar da Sociedade das Nações, teve de mudar-se para Paris com toda a sua família. Muito dotado para as línguas, além do português, a sua língua materna, o pequeno José Maria (seu nome de batismo) dominava à vontade o francês, aprendido no colégio de Santa Cruz de Paris onde frequentou a escola primária; e, simultaneamente, o inglês em casa com a sua «nurse» britânica. Após fazer a sua primeira comunhão na paróquia parisience de Nossa Senhora das Graças de Passy, a sua família regressou ao Brasil após três anos de ausência.

Terminados os seus estudos no colégio de Santo Inácio, no Rio de Janeiro, o jovem José Maria entrou no noviciado dos jesuítas. Entretanto, a vivacidade do seu temperamento não correspondia às exigências da disciplina inaciana. Esgotado, deixou o noviciado e entrou na faculdade de medicina para, após seis anos, tendo obtido o seu doutoramento, fazer-se monge. Seguir as «observâncias monásticas» tal como eram na época, foi-lhe igualmente penoso. «Atingi o limite das minhas forças», dizia. E no entanto todas estas experiências o modelaram; sem nada perder da sua autenticidade e sem a menor mágoa, havia amadurecido!

Enquanto estudante de medicina, começou a frequentar a «Ação Universitária Católica», que reunia a juventude universitária católica, e que esteve na origem do «Instituto Superior de Estudos Católicos». Muito interessado pela renovação litúrgica e patrística, um bom número destes jovens entraram na vida religiosa e no clero secular.

Homem de comunicação fácil sempre cheio de entusiasmo, a sua cultura geral e muito ampla, aliada a uma grande simplicidade, fez dele, muito cedo, um verdadeiro «leader». Personalidade aberta e acolhedora, sedenta de tudo ver e compreender sem ser mundano, nenhum problema de ordem moral, política ou social lhe escapava.

A sua espiritualidade, profundamente ancorada nos Exercícios de Santo Inácio de Loyola e na regra de São Bento, não o fez esquecer outros autores espirituais que ele também apreciava : São João da Cruz, Santa Teresa do Menino Jesus, Charles de Foucauld, Thomas Merton.

Leitor apaixonado da literatura francesa, conhecia bem os escritos de Jacques Maritain, Paul Claudel, François Mauriac, Julien Green, Charles Péguy entre outros, como também Georges Bernanos, que se tornou seu amigo pessoal quando do exílio deste último no Brasil.

A renovação da Igreja, do pensamento teológico e sobretudo da vida monástica dos anos pós-conciliares encontraram nele uma ardente e fiel adesão. A prática desta renovação num mundo em mudança exigia muita sabedoria e prudência. Diante dos desafios que se apresentavam ele não hesitou, no momento certo, em fazer o que devia.

A sua capacidade de escuta e de diálogo com a comunidade permitiu-lhe, pouco a pouco, introduzir as reformas conciliares. Entre estas é preciso sublinhar a sua abertura ecumênica. Em 1966, acolheu em Olinda três irmãos de Taizé. Vivendo numa casa junto à abadia, os irmãos integraram-se bem na comunidade : tomavam parte em certos Ofícios litúrgicos, nas refeições comunitárias e no trabalho manual.

O cuidado dos pobres, que numa lamentável e aflitiva situação viviam à volta do mosteiro, não lhe escapava menos. Vastos terrenos da propriedade da abadia, com o consentimento da comunidade e das autoridades civis, foram doados aos mais desvalidos para que pudessem aí ter o seu domicílio. Assim nasceu em Olinda um novo bairro chamado até hoje «Vila São Bento».

Para uma ‘caminharem juntos’, quando do Congresso dos abades de 1967, convidados por Dom Basílio, os abades e priores dos mosteiros brasileiros presentes reuniram-se para refletir sobre o seu projeto de estabelecer laços mais fraternos e mais próximos entre as diversas comunidades no Brasil sob a regra de São Bento. Era preciso encontrar uma linguagem comum que pudesse exprimir o carisma monástico, a sua vocação e missão na sociedade e em face desta. Por medo de perder as suas próprias tradições, os abades tiveram discussões «particularmente difíceis». Tendo compreendido que o objetivo principal deste reunião não era senão «fazer a unidade na diversidade, os superiores finalmente aceitaram o projeto de se reaproximar. A decisão foi fundar a Conferência de Intercâmbio Monástico do Brasil – CIMBRA. Dom Basílio foi eleito o primeiro presidente da organização. 

II – In carcere eram (Eu estava preso)

O ano de 1964 marcou uma transição decisiva na vida política do Brasil e também da Igreja. A 31 de março, um golpe de estado impôs ao país uma ditadura militar que duraria vinte e um anos. Algumas semanas depois, Monsenhor Hélder Câmara tornou-se arcebispo de Olinda e Recife. Num primeiro momento, as relações do novo arcebispo com as autoridades no poder eram respeitosas, o diálogo era possível. Todavia, ao endurecimento do regime seguiram-se atos de repressão. Encarcerados os oponentes, tortura, perseguição política tornavam cada vez mais difíceis as relações entre ambas as partes. Graças às suas boas relações com alguns oficiais, Dom Basílio torna-se o intermediário entre Dom Hélder, franca e abertamente oposto a todo o tipo de violência, e o comando militar do Recife. Sempre do lado do arcebispo, de quem era amigo fiel e mesmo um confidente, cumpriu com sucesso esta missão tão complexa!

Homem de grande coragem – por vezes audacioso – durante estes anos obscuros, assim que a perseguição, seguida de prisão e tortura, tocou jovens estudantes universitários, não hesitou, correndo grandes perigos, em esconder alguns deles no mosteiro para em seguida facilitar a sua fuga e salvar as suas vidas!

Os prisioneiros políticos, jovens ou não, eram então muito numerosos. Como padre e médico (!) chegou a visitá-los regularmente na prisões. Antes de aí entrar sofreria toda a sorte de humilhações da parte dos agentes de polícia encarregados da vigilância. Suportava-os com uma paciência e uma resignação admiráveis. Quando das reuniões comunitárias, muito discretamente, de tempos em tempos relatava alguma coisa. A um irmão indignado que lhe perguntou como podia ele tolerar todos estes inconvenientes, dava com toda a simplicidade a seguinte resposta : «Santa Teresa do Menino Jesus dizia que ‘tudo é graça’ : vê, Deus concedeu-me uma graça muito especial de poder assim tomar parte dos sofrimentos de Cristo na sua paixão; e depois, no dia do juízo final, é Jesus que me dirá : ‘Eu estava preso, e tu visitaste-me’». Dom Basílio foi sempre um homem de perdão e de misericórdia!

A sua cruz peitoral era em madeira com a sua divisa – «Christo nihil praeponere» – gravada nela. Um dia, quando de uma visita, um prisioneiro que, curioso, observava a cruz pediu-lhe que o deixasse vê-la de perto, sem nada dizer. Duas semanas depois, este jovem, que tinha algum conhecimento de marcenaria, em sinal de reconhecimento e de amizade, ofereceu-lhe, em nome dos seus companheiros de prisão e em seu próprio, uma nova cruz peitoral também em madeira, exatamente igual à original mas com uma nova divisa : «In carcere eram» («Eu estava preso»). Muito emocionado, a partir de então dom Basílio começou a utilizá-la.

O amor de Cristo preferido a qualquer outro era a única grande paixão de toda a sua vida! A sua profunda ligação à Igreja e aos irmãos, o seu incansável combate por «aqueles que têm fome e sede de justiça», sobretudo os pobres e os prisioneiros, os seus firmes compromissos para a renovação de uma vida monástica autêntica e fiel à tradição, mas ao mesmo tempo aberta e acolhedora aos valores da modernidade, testemunharam sem sombra de dúvida, a sua fidelidade a Cristo e ao Evangelho. Os últimos anos da sua vida, já doente, passou-os no seu mosteiro de profissão. É lá que ele regressa a Deus a 2 de junho de 2003 com a idade de 88 anos. Na alegria e na paz de Cristo ressuscitado, abriu novos caminhos.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.aimintl.org/pt/communication/report/119