Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das
poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa
da Santa Sé
‘Finalmente,
a ‘cereja do bolo’ do pontificado do Papa Francisco. Após 9 anos
intensos de reuniões e debates, o pontífice, juntamente com seu grupo de
cardeais conselheiros, chegaram a um consenso sobre ‘o que não funciona mais’
em relação à administração central da Igreja - a cúria romana - e o que precisa
melhorar para torná-la mais pastoral e menos burocrática.
A
data para a publicação não foi escolhida por acaso : 19 de março, dia em que o
primeiro papa latino-americano da história iniciou seu governo, em 2013, com a
missão de reformar a Igreja. De fato, o próprio documento faz questão de
destacar que a reforma foi amplamente solicitada pelos cardeais eleitores, reunidos
em conclave naquele ano.
O
novo documento substitui a Pastor Bonus, de João Paulo II, de 1988.
Embora grande parte das mudanças elencadas no texto já tenham sido colocadas em
prática, o novo ‘organograma’ curial, criado por Francisco, surpreende.
E vou explicar por qual razão, elencando algumas dessas transformações.
Para
início de conversa, não existirão mais os pontifícios conselhos, que surgiram
após o Concílio Vaticano II e foram ampliados pela reforma de João Paulo II.
Sendo assim, todos os organismos da Cúria Romana passam a ser considerados ‘dicastérios’,
o equivalente a ‘ministérios’ dentro de um governo. E quem os coordena -
sem exceção - passam a ser os prefeitos, o que dá mais autonomia jurídica a
esses organismos. É o que ocorria, por exemplo, com as congregações, que também
passam a ser chamadas somente de dicastérios.
Outra
coisa que o documento especifica, já na introdução, é que leigos poderão ‘assumir
papéis de responsabilidade e de governo’ dentro dessa estrutura, algo que,
antigamente, só cabia aos clérigos executar. Isso o Papa já colocou em prática
através das inúmeras nomeações que fez ao longo dos seus 9 anos de pontificado,
mas a ideia é não restringir determinadas funções somente para padres ou
religiosas. A constituição, no caso, formaliza essa abertura, garantindo que os
sucessores de Francisco também o façam.
O
Papa também fala de uma ‘sã descentralização’, restringindo à Cúria
Romana o papel de se ocupar de problemas que possam interferir na doutrina,
disciplina e comunhão na Igreja. Em questões de ordem prática, nas dioceses, o
bispo terá mais autonomia. Isso também já tem ocorrido a partir das últimas
decisões pontifícias. Para citar um exemplo, a carta apostólica Mitis
Iudes Dominus Iesus (2015) coloca nas mãos dos bispos a faculdade de
julgar os casos de nulidade matrimonial. Antes, se fazia isso através de uma ‘dupla
sentença’ - ou seja, na diocese e na Santa Sé. Agora, é o bispo quem dá o
veredito, através de um processo mais breve.
Outra
novidade está relacionada ao dicastério para a Evangelização, que nasce da
fusão entre a Congregação para a Evangelização dos povos (Propaganda Fidei) -
que se ocupava da evangelização em terras de missão - e Nova Evangelização -
que promovia o uso de novas formas de levar o Evangelho em lugares de longa
tradição cristã.
A
parte mais impressionante da mudança é o fato de que a autoridade suprema desse
organismo passa a ser o Papa, um caso único na história das reformas. Quem o
auxilia são dois ‘pró-prefeitos’ - outro caso único. E também cabe a
esse ministério aprovar a construção de novos santuários de devoção em resposta
às manifestações de piedade popular pelo mundo, bem como coordenar a catequese
na Igreja. Com essa nova configuração, esse dicastério se torna o mais
importante dentro do organograma, ocupando o lugar do agora ‘Dicastério para
a Doutrina da fé’, que antes assumia esse posto.
Outra
norma interessante diz respeito aos funcionários do Vaticano. Se forem clérigos
e religiosos professos, só poderão assumir cargos dentro do Vaticano por 5
anos. Salvo em casos que o Papa ou o bispo solicitem, a pessoa deve voltar para
a sua diocese de origem.
A
elemosineria apostólica, que, a grosso modo, é quem promove a solidariedade em
nome do papa, também se transforma em ‘Dicastério da Caridade’, sendo elevado à
qualidade de super organismo dentro da estrutura vaticana, deixando de ser um
simples ‘escritório’ de doações.
E
para trabalhar no Vaticano, o documento também estabelece critérios. A pessoa
precisa ter ‘boa experiência pastoral, sobriedade de vida e amor aos pobres,
espírito de comunhão e serviço, competente para o cargo a ela confiado e capaz
de discernir os sinais dos tempos’, especifica o documento.
A Praedicate
Evangelium entra em vigor no dia 5 de junho, festa de Pentecostes. Com
essa, foram feitas, até agora, 5 reformas da Cúria Romana na história do
catolicismo. As anteriores foram as de: Sisto V (1588), Pio X (1908), Paulo VI
(1967) e João Paulo II (1988).’
Fonte : *Artigo na íntegra
https://domtotal.com/noticia/1570605/2022/03/francisco-formaliza-sua-reforma-o-que-muda/
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