Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo de Gerard O'Connell
Tradução : Ramón Lara
‘Falando
em um simpósio sobre sacerdócio, no Vaticano, em 17 de fevereiro, o Papa
Francisco ofereceu reflexões que, segundo ele, podem ser consideradas ‘o
canto do cisne’ de sua vida sacerdotal, pois são fruto ‘do que o Senhor
me ajudou gradualmente realizar’ durante mais de 50 anos no ministério.
Francisco
foi ordenado sacerdote da Companhia de Jesus em 13 de dezembro de 1969. Em uma
palestra profundamente espiritual nesta semana, apresentou o que chamou de ‘quatro
pilares’ ou ‘quatro formas de proximidade’ que considera
fundamentais para a vida de um sacerdote ‘pois imitam o próprio estilo de
Deus de Deus, que é essencialmente um estilo de proximidade’.
Ao
contrário das expectativas, Francisco não fez referência direta ao abuso sexual
clerical, que causou uma crise tão profunda na Igreja Católica. Seu objetivo,
em vez disso, era apresentar as atitudes fundamentais que ele acredita que todo
padre deveria ter no século 21.
Muitos
observadores também esperavam que Francisco abordasse a questão do celibato
para padres em sua palestra, principalmente porque a questão foi o centro das
atenções no sínodo da Amazônia sobre a questão da ordenação de homens casados
e, mais recentemente, no caminho sinodal alemão. Mas ele optou apenas por fazer
alguns comentários sobre o assunto. Falando no contexto da necessidade de
proximidade de um padre com outros padres, o papa disse : ‘Sem amigos e sem
oração, o celibato pode se tornar um fardo insuportável e um contratestemunho
da própria beleza do sacerdócio’.
O
simpósio, por outro lado, discutirá o celibato em seu último dia. Não se espera
que ela abra novos caminhos, já que seu principal organizador, o cardeal Marc
Ouellet, que escolheu os palestrantes, é conhecido por ser um forte defensor do
status quo.
O
Papa Francisco disse que, ao preparar sua palestra, foi influenciado tanto pela
memória dos padres que durante sua infância e vida posterior lhe mostraram ‘o
rosto do Bom Pastor’ quanto por sua própria experiência em acompanhar
padres ‘que perderam o fogo do primeiro amor.’ Ele também mencionou as
provações e dificuldades que experimentou como sacerdote.
Francisco
disse que os desafios de nossa época, incluindo a pandemia de Covid-19 em andamento,
exigem que os padres encontrem novas maneiras de responder, mas que muitas
respostas hoje não têm ‘o sabor do Evangelho’. Também apontou que alguns
padres buscam respostas ancoradas no passado que ‘garantam’ proteção
contra riscos; mas se refugiam em uma sociedade que não existe mais. Outros
adotam uma atitude de ‘otimismo exasperado’ que acaba por ignorar as
feridas das pessoas e não reconhece as tensões, complexidades e ambiguidades do
tempo presente.
‘Sinto
que Jesus neste momento da história nos convida mais uma vez a 'lançar-nos no
abismo' [Lc 5,4], confiando que Ele é o Senhor da história e que, com sua
orientação, discerniremos a direção tomar’, apontou.
À
luz dessas realidades, o Papa Francisco disse que decidiu ‘falar sobre o que
considero decisivo para a vida de um sacerdote hoje’, ou seja, ‘as
quatro formas de proximidade’ : proximidade com Deus, proximidade com o
bispo, proximidade com os outros sacerdotes e proximidade com o povo de Deus.
Proximidade
com Deus
O
papa, primeiro sublinhou a importância fundamental da ‘proximidade com o
Senhor’ citando as palavras de Jesus : ‘Eu sou a videira, vocês são os
ramos. Aquele que permanece em mim e eu nele dá muito fruto, porque sem mim
nada podeis fazer’.
‘Um
padre’, disse, ‘é convidado a cultivar antes de tudo essa proximidade,
intimidade com Deus, e dessa relação pode alcançar todas as forças necessárias
para seu ministério’. Francisco disse que ‘muitas crises no sacerdócio’
têm sua origem na ‘falta de vida de oração, falta de intimidade com o Senhor,
redução da vida espiritual a uma mera prática religiosa’.
‘Lembro-me
de momentos importantes da minha vida em que esta proximidade com o Senhor foi
decisiva para me sustentar’, falou o Papa.
Sublinhou
que ‘sem a intimidade da oração, da vida espiritual, da proximidade concreta
de Deus através da escuta da Palavra, da celebração da Eucaristia, do silêncio
da adoração, da entrega a Maria, do acompanhamento de um guia, do sacramento da
reconciliação… um sacerdote é apenas um mercenário cansado que não tem nenhum
dos benefícios dos amigos do Senhor’.
O
Santo Padre reconheceu que ‘tudo isso é difícil, a menos que se esteja
acostumado a ter espaços de silêncio durante o dia’. É difícil evitar a
atividade constante quando não se obtém imediatamente ‘paz’ no coração
e, em vez disso, experimenta-se desolação. Mas, disse, ‘é precisamente
aceitando a desolação que vem do silêncio, da abstinência da atividade e da
palavra, da coragem de se examinar com sinceridade, que tudo ganha uma luz e
uma paz que não dependem de nossas próprias forças e nossas capacidades’.
Além
disso, apontou, ‘perseverar na oração não significa apenas permanecer
fiel a uma prática. Significa não fugir naqueles momentos em que a oração nos
leva ao deserto. O caminho do deserto é o caminho que leva à intimidade com
Deus’.
Proximidade
com o bispo
Francisco
disse que essa segunda ‘proximidade’, expressa no voto de obediência do
padre ao bispo, muitas vezes foi lida de uma maneira que está longe do espírito
do Evangelho.
Esta
obediência não deve ser vista como ‘um atributo disciplinar’, apontou,
mas sim como ‘o sinal mais profundo dos laços que nos unem em comunhão’.
Obedecer significa ‘aprender a ouvir e lembrar que ninguém é ‘dono’ da
vontade de Deus, que deve ser compreendida apenas através do discernimento’.
A lógica desta proximidade, disse, ‘nos permite vencer todas as tentações da
mente fechada, da autojustificação e da vida de 'solteiros' e, em vez disso,
nos convida a ouvir os outros para encontrar o caminho que leva à verdade e à
vida’.
‘O
bispo, seja ele quem for, representa para cada padre e para cada igreja em
particular um vínculo que ajuda a discernir a vontade de Deus’, disse
Francisco. Mas, insistiu, um bispo só pode promover o discernimento se ouvir ‘a
vida de seus sacerdotes e do povo santo de Deus confiado aos seus cuidados’.
‘Não
é por acaso que o mal, para destruir a fecundidade do trabalho da Igreja,
procura minar os laços que estabelecem e preservam a unidade’, disse o
Papa. Portanto, defender ‘os vínculos do sacerdote com sua Igreja
particular, com o instituto ao qual pertence e com seu bispo torna a vida
sacerdotal confiável e segura’.
A
obediência ‘é a decisão fundamental para aceitar o que nos é pedido’,
disse, e exige que os padres ‘rezem por seus bispos e se sintam livres para
expressar suas opiniões com respeito e sinceridade, humildade e com a
capacidade de ouvir, de ser autocrítico e de se deixar ajudar’.
‘Se
defendermos esse vínculo, prosseguiremos com segurança em nossa jornada’,
concluiu.
Proximidade
com outros padres
Comentando
a terceira atitude fundamental, a proximidade com os outros sacerdotes, o Papa
Francisco recordou as palavras de Jesus : ‘onde dois ou três estiverem
reunidos em meu nome, eu estarei no meio deles’ (Mt 18,20). ‘A
fraternidade, como a obediência, não pode ser uma imposição moral de fora’,
disse. ‘Fraternidade significa escolher deliberadamente buscar a santidade
junto com os outros, não sozinho’.
Francisco
disse que ‘os sinais da fraternidade são os do amor’, como disse São
Paulo em sua Primeira Carta aos Coríntios (13,4-7). Mencionou primeiro a paciência,
que ‘é a capacidade de se sentir responsável pelos outros, de carregar seus
fardos, de sofrer de alguma forma com eles’. A paciência é ‘o oposto da
indiferença’, de manter distância dos outros para não se envolver em suas
vidas, o que é algo que contribui para a solidão dos sacerdotes em muitos
presbitérios. Francisco contrastou paciência com inveja, dizendo que não há
necessidade de se vangloriar ou inflar o ego porque ‘se há uma coisa de que
um sacerdote pode se gloriar é da misericórdia de Deus’ porque ‘ele conhece
seus próprios pecados, sua própria miséria, sua limites.’
‘O
amor fraterno não busca o próprio interesse, não é dado à raiva ou ao
ressentimento’, disse. Antes, ‘regozija-se com a verdade’ e
considera como pecado grave qualquer ‘ataque contra a verdade e a dignidade
dos irmãos por meio de calúnias, falas maldosas e boatos’.
Francisco
comentou : ‘Todos sabemos como pode ser difícil viver em comunidade’.
Mas, disse ele, ‘o amor fraterno é a grande profecia que somos chamados a
incorporar na sociedade descartável de hoje’.
Nesse
contexto, Francisco comentou sobre o celibato e disse : ‘Onde funciona a
fraternidade sacerdotal e onde há laços de verdadeira amizade, é possível viver
com mais serenidade também a escolha do celibato’. Ainda reafirmou que ‘o
celibato é um dom que a Igreja latina preserva, mas é um dom que, para ser
vivido como meio de santificação, exige relacionamentos saudáveis, de
verdadeira estima e verdadeira bondade, profundamente enraizados em Cristo. Sem
amigos e sem oração, o celibato pode tornar-se um fardo insuportável e um
contratestemunho da própria beleza do sacerdócio’.
Proximidade
com as pessoas
Francisco
enfatizou que ‘nossa relação [como sacerdotes] com o povo santo de Deus é
para cada um de nós não um dever, mas uma graça’.
‘Amar
os outros é uma força espiritual que nos atrai à união com Deus’, disse.
Citando
sua encíclica, ‘A Alegria do Evangelho’, disse : ‘Para ser
evangelizadores das almas, precisamos desenvolver o gosto espiritual de estar
perto da vida das pessoas e descobrir que isso é uma fonte de maior alegria. A
missão é ao mesmo tempo uma paixão por Jesus e uma paixão por seu povo’.
O
Papa Francisco concluiu dizendo aos sacerdotes que ‘as quatro formas de
proximidade que o Senhor exige não são um fardo a mais; são um dom que ele dá
para manter viva e fecunda nossa vocação’.
‘Estou
certo de que, para compreender de novo a identidade do sacerdócio hoje, é
importante viver em estreita relação com a vida real das pessoas’, disse
Francisco. Ainda acrescentou : ‘Jesus quer que toquemos a miséria humana,
toquemos a carne sofredora dos outros’.
‘O
Povo de Deus espera encontrar pastores com o estilo de Jesus – não
'funcionários clericais' ou 'profissionais do sagrado' – mas pastores cheios de
compaixão, oportunidades, homens corajosos, capazes de parar diante de quem
está ferido e mostrar preocupação’, disse o Papa Francisco. ‘Homens
de coragem, prontos para se aproximar dos que sofrem e ajudar. Homens
contemplativos, cuja proximidade com as pessoas lhes permite proclamar diante
do poder da Ressurreição ainda agora em ação’.
Ao
estar perto das pessoas, disse Francisco, ‘um pastor torna possível reunir
uma comunidade e promover o crescimento desse sentimento de pertença. Pois
pertencemos ao povo santo e fiel de Deus, que é chamado a ser um sinal da
ruptura do reino de Deus no aqui e agora da história. Mas se o pastor se
afastar, as ovelhas também se perderão e ficarão à mercê de todo e qualquer
lobo’.’
Fonte : *Artigo na íntegra
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