*Artigo
de Padre José Rebelo,
Missionário Comboniano
‘A
intenção de oração do papa para o passado mês de Janeiro era sobre o diálogo
inter-religioso. No vídeo feito para a difundir, Francisco disse : «Muitos pensam de modo diferente, sentem de
modo diferente, procuram Deus ou encontram Deus de muitos modos. Nesta
multidão, nesta variedade de religiões só há uma certeza que todos podemos ter:
somos todos filhos de Deus.»
Somos filhos de
Deus, mas indispostos e com dificuldade de diálogo e de entendimento. O diálogo
inter-religioso é, por isso, necessário para que possamos conhecer, entender e
trabalhar juntos pela paz e a justiça. Desde o famoso encontro de Assis – em
1986, entre João Paulo II e representantes das várias religiões – que
oficialmente as iniciativas de diálogo se multiplicaram. São momentos
simbólicos cuja função é dar o exemplo de encontro e promover o aprofundamento
do diálogo de vida e de ideias entre os crentes das várias fés.
Dado que a maioria
das pessoas no mundo são crentes, as religiões são interlocutoras
imprescindíveis em qualquer entendimento que possa conduzir à paz. O teólogo
Hans Küng enunciou o princípio em 2001 na Assembleia Geral das Nações Unidas :
«Não haverá paz entre as nações sem paz
entre as religiões. Não haverá paz entre as religiões sem diálogo entre as
religiões. Não haverá diálogo entre as religiões sem critérios éticos globais.
Não haverá sobrevivência do nosso globo com paz e justiça sem um novo paradigma
de relações internacionais, baseado em padrões éticos globais.»
Tal «roteiro para a paz» nunca terá sido tão
óbvio como hoje, num momento em que o radicalismo islâmico, sob a forma de
grupos tão extremistas quanto o Estado Islâmico, al-Shabaab ou Boko Haram, tem
vindo a revelar a face mais odiosa da religião e a exportar o terror. Por outro
lado, tornou-se claro que tais grupos, que se alimentam de uma «mística» alegadamente religiosa, são o
fruto de políticas internacionais erradas que tentaram apagar o fogo com
gasolina. O que torna especialmente clara a necessidade de um novo paradigma
nas relações internacionais, indispensável para assegurar a paz e a justiça.
Ao mesmo tempo,
cada religião terá também de fazer o seu trabalho de casa, começando por «desarmar» Deus. Os livros sagrados das
várias religiões, especialmente das religiões abraâmicas ou religiões do livro,
Judaísmo, Cristianismo e Islão, estão repletos de relatos de violência e de
diversas formas de guerra «sagrada».
Requer-se, portanto, uma leitura contextualizada, uma hermenêutica correta
desses episódios para não imputar a Deus o que é puramente humano e cultural.
No caso do Islão, o conceito de «grande
jihad» (jihad significa luta, esforço) terá de ser entendido – como o
profeta Maomé explica aos seus companheiros na Hadith, o livro que contém as
suas palavras e actos – como «a luta pela
purificação do coração», «luta
espiritual interna» (e não como guerrilha ou terrorismo).
A guerra em nome de Deus é uma blasfêmia : Deus não pode aprovar a
guerra ou a morte. Não poucas vezes, as religiões são usadas para encobrir a
mera ânsia de poder e domínio geoestratégico. No caso do Islã, a
comunidade muçulmana global terá de se dissociar cada vez mais do terrorismo
praticado em nome da sua religião, em vez de continuar a proclamar à exaustão
que «o Islã é uma religião de paz».
Pois todos os extremismos que florescem num caldo de cultura «religioso» pervertem necessariamente a
religião.
Deus é o senhor da
paz, da justiça e do encontro. Honrá-lo-emos na medida em que admitamos e
trabalhemos para desconstruir os preconceitos religiosos que nos dividem e
impedem de conhecer a riqueza de outras religiões e de outras tradições
religiosas.’
Fonte :
* Artigo na íntegra http://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EuVuylyAElnzauaWgc
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