A Liturgia
das Horas e a reflexão no dia do nascimento
de São João Batista :
Ofício das
Leituras
Segunda leitura
Dos Sermões
de Santo Agostinho, bispo
(Sermo 293,1-3 : PL 38,1327-1328)
(Séc.V)
Voz do que clama no deserto
A Igreja celebra o nascimento de João como um acontecimento sagrado.
Dentre os nossos antepassados, não há nenhum cujo nascimento seja celebrado
solenemente. Celebramos o de João, celebramos também o de Cristo : tal fato tem,
sem dúvida, uma explicação. E se não a soubermos dar tão bem, como exige a
importância desta solenidade, pelo menos meditemos nela mais frutuosa e
profundamente. João nasce de uma anciã estéril; Cristo nasce de uma jovem
virgem.
O pai de João não acredita que ele possa nascer e fica mudo; Maria
acredita, e Cristo é concebido pela fé. Eis o assunto que quisemos meditar e
prometemos tratar. E se não formos capazes de perscrutar toda a profundeza de
tão grande mistério, por falta de aptidão ou de tempo, aquele que fala dentro
de vós, mesmo em nossa ausência, vos ensinará melhor. Nele pensais com amor
filial, a ele recebestes no coração, dele vos tornastes templos.
João apareceu, pois, como ponto de encontro entre os dois Testamentos, o
antigo e o novo. O próprio Senhor o chama de limite quando diz : A lei e os profetas até João Batista (Lc
16,16). Ele representa o antigo e anuncia o novo. Porque representa o Antigo
Testamento, nasce de pais idosos; porque anuncia o Novo Testamento, é declarado
profeta ainda estando nas entranhas da mãe. Na verdade, antes mesmo de nascer,
exultou de alegria no ventre materno, à chegada de Maria. Antes de nascer, já é
designado; revela-se de quem seria o precursor, antes de ser visto por ele.
Tudo isto são coisas divinas, que ultrapassam a limitação humana. Por fim,
nasce. Recebe o nome e solta-se a língua do pai. Relacionemos o acontecido com
o simbolismo de todos estes fatos.
Zacarias emudece e perde a voz até o nascimento de João, o precursor do
Senhor; só então recupera a voz. Que significa o silêncio de Zacarias? Não
seria o sentido da profecia que, antes da pregação de Cristo, estava, de certo
modo, velado, oculto, fechado? Mas com a vinda daquele a quem elas se referiam,
tudo se abre e torna-se claro. O fato de Zacarias recuperar a voz no nascimento
de João tem o mesmo significado que o rasgar-se o véu do templo, quando Cristo
morreu na cruz. Se João se anunciasse a si mesmo, Zacarias não abriria a boca.
Solta-se a língua, porque nasce aquele que é a voz. Com efeito, quando João já
anunciava o Senhor, perguntaram-lhe : Quem
és tu? (Jo 1,19). E ele respondeu : Eu
sou a voz do que clama no deserto (Jo 1,23). João é a voz; o Senhor, porém,
no princípio era a Palavra (Jo 1,1).
João é a voz no tempo; Cristo é, desde o princípio, a Palavra eterna.
Fonte :
‘In
Liturgia das Horas III’, 1374, 1375
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